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2. DIFERENCIAÇÃO PEDAGÓGICA

3.4. Condições de Realização do Estudo

3.5.1. Recolha de dados e Instrumentarium

A colecta de dados incidiu sobretudo sobre três instrumentos de recolha de informação: (a) duas entrevistas semi-estruturadas e de resposta aberta; (b) uma entrevista focalizada de grupo12; e (c) observação de seis tempos lectivos, correspondentes a três aulas de 90 minutos. Os dados recolhidos foram submetidos a um processo designado por triangulação, onde se procurou efectuar o cruzamento de diversas perspectivas.

As Entrevistas

Segundo Quivy & Campenhoudt (2005) os métodos de entrevista, nas suas diferentes formas, distinguem-se pela aplicação dos processos fundamentais de comunicação e de interacção humana. Correctamente valorizados, estes processos permitem ao investigador retirar das entrevistas informações e elementos de reflexão muito ricos e matizados.

As entrevistas são encaradas como uma verdadeira troca durante a qual o investigador procura retirar do interlocutor a expressão das suas percepções de um acontecimento ou de uma situação, as suas interpretações ou as suas experiências, ao passo que através das suas perguntas abertas e das suas reacções, o investigador facilita essa expressão, evita que ela se afaste dos objectivos da investigação e permite que o interlocutor aceda a um grau máximo de autenticidade e de profundidade.

Fontana & Frey (1994) consideram as entrevistas como uma das mais comuns e poderosas formas que usamos para compreender os seres humanos. Daí, não ser estranho que elas sejam o instrumento mais utilizado na colecta de dados num estudo de índole qualitativo (Merriam, 2001; Patton, 2002).

As entrevistas revestiram-se de cariz semi-directivo ou semi-estruturado (Bogdan & Biklen, 1992; Fontana & Frey, 1994), com questões relativamente abertas que permitiram que os entrevistados falassem abertamente pela ordem

12 Tradução do termo original Focus Group, aplicado por Ferreira (2004, p. 102), por entender que a

tradução literal Grupos Focais não esclarece o tipo de dispositivo de que se trata nem remete para a situação de entrevista.

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que lhes conveio. O nosso esforço passou simplesmente pelo reencaminhamento da entrevista para os seus objectivos, colocando as perguntas em momento oportuno e de forma tão natural quanto possível, tentando reordená-las de modo imperceptível.

As entrevistas têm como principal objectivo descobrir aquilo que não pode ser observado directamente como sentimentos, pensamentos e intenções. Não podemos observar comportamentos que tiveram lugar num ponto anterior de tempo ou situações que não permitem a presença do observador. Do mesmo modo também não é possível observar a forma como as pessoas vêem e os significados que atribuem ao que se passa no mundo.

Com base nesta assunção, foi elaborado, previamente, um guião com algumas questões sobre os assuntos de interesse para o estudo com uma ordem bem definida de modo a confirmar que todos os assuntos seriam focados, sendo privilegiadas seis tipos diferentes de perguntas (Patton, 2002): (1) acerca das experiências, (2) das opiniões, (3) dos sentimentos, (4) dos conhecimentos, (5) dos dados sensoriais, e (6) demográficos.

No primeiro tipo utilizámos perguntas do género “De que forma...?”, “Quais as principais dificuldades...?”, “Como avalia...?” de modo a causarmos uma descrição das experiências, comportamentos, acções e actividades que teriam sido observados caso o observador estivesse presente. Para recolhermos dados acerca das opiniões dos entrevistados utilizámos perguntas do género: “No seu entender...?, “Qual é a sua opinião acerca...?” ou “Concorda com...?”. Nas perguntas sobre os sentimentos, procurámos perceber as respostas emocionais, os objectivos, intenções, desejos e valores dos entrevistados: “O que sente...?, . Para obtermos dados sobre os conhecimentos factuais dos entrevistados, foram elaboradas perguntas tendo em conta que a informação factual não corresponde a opiniões nem a sentimentos, mas sim ao conteúdo que é conhecido pelo entrevistado: “O que entende por...?”, “Como define...?”. As questões sobre os dados sensitivos foram elaboradas de modo a permitir ao entrevistador entrar nos aparelhos sensoriais dos entrevistados e perceber o que os seus sentidos transmitem: “Como reagiu...?”. Por último, perguntas sobre o pano de fundo do entrevistador foram levadas a cabo, isto é, procurou-

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se identificar algumas características do entrevistador, nomeadamente aspectos demográficos como idade, formação profissional, tempo de serviço. Tendo uma base sobretudo maçadora, tentámos reduzir ao mínimo este tipo de questões e não entrar demasiado no campo pessoal.

A 1ª entrevista foi realizada antes da observação das aulas no sentido de averiguar qual o grau de conhecimento do professor de Educação Física acerca das nossas temáticas centrais e conhecer alguns dos seus procedimentos adoptados no desenvolvimento do processo de ensino aprendizagem. A 2ª entrevista realizou-se após a observação e análise das aulas, o que nos permitiu avaliar até que ponto a informação transmitida na 1ª entrevista estaria de acordo com as estratégias e metodologias praticadas pelo professor. Foram concebidas perguntas com o intuito de recolher informação acerca da planificação das actividades e da sua condução, das estratégias utilizadas, dos conteúdos seleccionados/abordados, das necessidades dos alunos e da avaliação preconizada. De igual modo, pretendemos também obter explicações sobre alguns comportamentos observados nas aulas, referentes quer ao professor, quer aos alunos.

Entrevista Focalizada de Grupo

Um outro instrumento adoptado na colecta de dados foi a entrevista focalizada de grupo. A opção por este tipo de entrevista residiu na convicção de que “é possível conhecer melhor as atitudes, crenças e os sentimentos das pessoas quando elas se encontram em interacção de grupo, porque a situação de grupo faz surgir uma maior multiplicidade de opiniões e de processos emocionais” do que uma entrevista individual (Ferreira, 2004, pp. 103-104).

Os participantes desta entrevista foram seleccionados por possuírem essencialmente uma característica comum: serem responsáveis pelo processo de ensino e aprendizagem dos alunos com incapacidades que compõem o nosso grupo de estudo.

Embora se preconize que as entrevistas focalizadas de grupo devam possuir um número mínimo de quatro elementos (Krueger & Casey, 2000, p. 10), nós entrevistámos três por entendermos que mais nenhum interveniente poderia fornecer dados tão úteis e enriquecedores para o nosso estudo como eles.

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Estando o nosso objectivo da investigação relacionado com os procedimentos pedagógico-didácticos, interessou-nos particularmente conhecer os pontos de vista, concepções e sentimentos de profissionais da educação. A integração de elementos sem este requisito, por exemplo os pais, levar-nos-ia por caminhos não desejados, originando consequentemente dados não relevantes para o nosso estudo. Deste modo, a entrevista focalizada de grupo contou com a presença do Professor de Educação Física, da professora do Ensino Especial e da directora de turma.

Neste tipo particular de entrevista, o importante é obter dados de alta qualidade do interesse do investigador (Krueger & Casey, 2000) num contexto social onde os entrevistados possam considerar os seus próprios pontos de vista no contexto das opiniões dos outros. Não é necessário haver um consenso, nem tão pouco desacordo. Interessa sim, ouvir os comentários adicionais às suas próprias respostas originais, resultantes das respostas que os outros entrevistados entretanto proferiram (Patton, 2002).

Esta técnica de recolha de informação é altamente eficiente. O mesmo autor (Patton, 2002) estabelece uma série de vantagens deste tipo de entrevista: (1) em apenas uma hora o entrevistador consegue reunir informação de oito pessoas em vez de apenas uma; (2) o tamanho da amostra pode ser aumentada de forma significativa numa avaliação utilizando métodos qualitativos; (3) fornecem alguns controlos de qualidade à recolha de dados, uma vez que os participantes tendem a fornecer verificações e balanços sobre si que minimizam opiniões falsas ou extremas; (4) a dinâmica do grupo normalmente contribui para a concentração nos tópicos e questões mais importantes do programa e é bastante fácil avaliar até que ponto existe uma visão relativamente consistente e compartilhada do programa entre os participantes; (5) por último, os grupos focais tendem a ser altamente agradáveis para os participantes.

As entrevistas tiveram uma duração situada no intervalo entre uma hora e uma hora e meia e decorreram num ambiente circunspecto, tranquilo e acolhedor. O registo áudio foi captado e gravado com o auxílio de um mini-gravador, sendo posteriormente transcrito e processado para computador. A sua trancrição

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obedeceu a um elevado grau de fidelidade, tendo sido replicado na íntegra os tempos verbais e a construção frásica característicos do discurso oral do entrevistado.

As Observações

A terceira fonte de recolha de dados consistiu na observação directa não participativa de três aulas de 90 minutos de Educação Física, o correspondente a seis tempos lectivos.

Tal como os dois instrumentos referidos anteriormente, a observação adquire um papel preponderante na obtenção de informações relevantes. Nas entrevistas, os entrevistados podem não estar dispostos a prestar determinadas informações sobre assuntos mais sensíveis. Através da observação pode-se obter informações que de outra forma não estariam disponíveis (Patton, 2002).

No entanto, temos consciência que ao utilizar este procedimento de recolha de dados, a nossa análise será vítima de uma enorme subjectividade como nos indica Merriam (2001, p. 95):

“a percepção humana é altamente selectiva. Quando se olha a mesma cena, desenho ou objecto, diferentes pessoas vêem diferentes coisas. O que as pessoas vêem depende em grande medida dos seus interesses, preconceitos e experiências. A nossa cultura diz-nos o que vemos; a nossa socialização da infância ensina-nos como olhar o mundo; e o nosso sistema de valores diz-nos como interpretar o que se passa diante dos nossos olhos”.

Uma vez que o nosso tema não requeria uma observação do tipo participante, optámos por registar em formato de vídeo as actividades desenvolvidas pela turma e em formato áudio as intervenções verbais do professor. A câmara utilizada para o registo da imagem foi seleccionada segundo os critérios de facilidade de funcionamento e transporte. Foi colocada num plano superior de modo a cobrir todo o espaço da aula. O registo do som foi obtido a partir de um microfone auricular, com fios, que se encontrava ligado a um mini-gravador que o professor transportou no bolso. O registo de som e imagem foram posteriormente misturados com base na duração das acções do professor e nos gestos realizados.

86 3.5.2. Análise de dados

No desenho metodológico privilegiado neste estudo, nomeadamente o tipo de investigação, o método, os objectos e os instrumentos utilizados, sugerem o recurso da técnica de análise de conteúdo, uma vez que esta oferece a possibilidade de tratar de forma metódica informações e testemunhos que apresentam um certo grau de profundidade e de complexidade (Quivy & Campenhoudt, 2005).

A análise de conteúdo não se propõe estudar a língua ou o discurso em si- mesmo, mas caracterizar as suas condições de produção. Neste sentido, o tratamento da informação através desta técnica indicia a formulação de inferências acerca da fonte, a situação em que esta produziu o material objecto de análise, ou até, por vezes, o receptor ou destinatário das mensagens (Vala, 1986).

Vala, (1986, pp. 104-105) descreve este processo da seguinte forma:

“(...) os dados de que dispõe o analista encontram-se já dissociados da fonte e das condições gerais em que foram produzidos; o analista coloca os dados num novo contexto que constrói com base nos objectivos e no objecto da pesquisa; para proceder a inferências a partir dos dados, o analista recorre a um sistema de conceitos analíticos cuja articulação permite formular as regras da inferência. Ou seja, o material sujeito à análise de conteúdo é concebido como o resultado de uma rede complexa de condições de produção, cabendo ao analista construir um modelo capaz de permitir inferências sobre uma ou várias dessas condições de produção.”

Sintetizando, a mecânica deste processo consiste na desfragmentação de um discurso e na construção de um novo com base numa atribuição de traços de significação, resultado de uma relação dialéctico-dinâmica entre as condições de produção do discurso e das condições de produção da análise. Bardin (2004) denomina este processo de codificação. Corresponde a uma transformação dos dados brutos do texto por recorte, agregação e enumeração para permitir uma representação do conteúdo susceptível de esclarecer o analista acerca das características do texto. Para Graça (1997, p. 148), a codificação “é um processo de filtragem, triagem e catalogação da informação, donde resultará a condensação dos dados da investigação”.

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A codificação pressupõe a definição de três tipos de unidades: unidade de registo, unidade de contexto e unidade de enumeração.

A primeira é a unidade de significação que corresponde ao segmento de conteúdo a considerar como unidade base, podendo ser formal, onde se inclui a “palavra, a frase, uma personagem, a intervenção de um locutor numa discussão, uma interacção ou ainda um item” (Vala, 1986, p. 114), ou semântica, cuja unidade mais comum é o tema. No nosso estudo foram privilegiados os dois tipos de unidades.

A unidade de contexto, é um segmento da mensagem que visa compreender a significação exacta da unidade de registo, sendo por isso, de dimensões superiores (Bardin, 2004). No nosso caso em particular, as entrevistas foram consideradas como as unidades de contexto.

Por fim, a unidade de enumeração “é a unidade em função da qual se procede à quantificação” (Vala, 1986, p. 115). Este tipo de unidade não foi considerada no nosso estudo.

Após o recorte da informação em unidades de registo e de contexto, surgiu a necessidade de as classificar e ordenar por categorias com o intuito de torná- las compreensíveis. O processo de categorização, diz-nos Vala (1986, p. 110), é uma tarefa que realizamos diariamente para reduzir a complexidade do meio ambiente.

No caso concreto do nosso estudo, o sistema de categorias foi definido a posteriori. A partir do referencial teórico e de uma exploração primeira do material colectado, foi-nos possível estabelecer um conjunto de categorias que por sua vez se desdobraram em sub-categorias. Sujeitámos as categorias a um teste de validade interna, assegurando quer a sua exaustividade, quer a sua exclusividade. Assim, tivemos a preocupação de garantir que todas as unidades de registo pudessem caber numa das categorias e que uma mesma unidade de registo só pudesse ser integrada numa categoria.

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4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS