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CAPÍTULO 4 – TRAJETÓRIAS DE TRABALHADORES EM TEMPOS DE

4.2. Narrativas de trabalhadores de baixa escolaridade

4.2.7. Formas de amparo e família

Para superar a insegurança de um emprego que não proporciona proteção aos trabalhadores, muitas pessoas recorrem a outras formas de amparo. No entanto, quanto mais precarizado - e mais necessitado de proteção - é o indivíduo, menor é o acesso a este tipo de apoio (Clarke et al., 2007). Na maioria das vezes a principal fonte de amparo são os familiares. Ocorre que, entre os mais vulneráveis, os pais, cônjuges e outros que fazem parte de sua rede de relacionamentos mais próxima geralmente também são vulneráveis. Deste modo, a rede de proteção tende a ser mais frágil entre os que mais precisam.

Mesmo sem muitos recursos, os parentes costumam se apoiar sempre que possível. Um exemplo é que a maior parte dos entrevistados que migraram para Brasília vieram por convite de algum parente que já estava estabelecido na região (Oliveira, 2000). De modo geral, este parente acolhe o migrante e o indica para algum emprego. No momento da pesquisa, todos os entrevistados moravam com familiares. Seja com o cônjuge e filhos entre os casados (ou companheiros), seja com os pais, irmãos ou avós, entre os solteiros. Tal esquema de moradia reflete uma forma de apoio mútuo. Quem mora com outra pessoa tende a dividir despesas e diminui os gastos com a casa.

Foi esta a experiência narrada por Helena. O seu irmão veio para Brasília, conseguiu um emprego e chamou-a para vir morar com ele. Ela deixou a cidadezinha de Minas Gerais onde a família trabalha colhendo café, em busca de mais “oportunidade”, conseguiu o trabalho como vendedora da feira e agora divide os gastos da casa com o irmão, mensageiro de hotel:

“Porque o meu irmão trabalha fichado, né? Ele trabalha... lá no Plano, trabalha num hotel, ele tem carteira assinada, ele tem tudo, então ele... ele recebe um salário, (bonitinho), e tal. Aí ele ( ) ajuda a pagar o aluguel, água, luz. A gente divide as despesas de casa.” (Helena, vendedora da Feira de Planaltina)

Outra forma de assistência familiar ocorre quando o indivíduo mora “de favor” em casa (ou “barraco”, como dizem) no lote do parente. É um auxílio financeiro indireto, já que ele deixa de pagar um aluguel que seria cobrado em outro lugar, em outras circunstâncias. No caso dos entrevistados com filhos, também é de fundamental importância a ajuda em cuidar da criança, função que cabe quase sempre à mãe de um dos cônjuges. A mãe de Diana, em cuja casa a entrevistada reside juntamente com seu filho e seu irmão, é um bom exemplo deste tipo de situação. Além de arcar com a maior parte das despesas da casa, é a mãe que fica parte do dia com o filho de Diana para que ela possa trabalhar.

Em certos casos, porém, o entrevistado precisa fazer o papel oposto, o de ajudante e não o de ajudado. Assim, mesmo em situação precária, consegue auxiliar pessoas que estão em piores condições. Esta é a experiência de Cecília, que mora com a irmã, empregada doméstica. Como a irmã está fazendo um curso de enfermagem, sobra pouco dinheiro para pagar as despesas de casa. Portanto, mesmo recebendo uma renda de pouco mais de um salário mínimo, Cecília acumula a maior parte dos gastos da casa e, além disto, sempre que possível ajuda sua mãe:

“No momento ela [a irmã] ajuda só no aluguel porque ela tá fazendo um curso de enfermagem e aí o que ela ganha é muito pouco. Se paga as despesas nossas, não dá pra nada. Comprar apostila... Muito pouco. Aí geralmente eu tô arcando com tudo lá em casa. Mas como são só nós duas lá em casa, não dá muita despesa não. (...) Aí sempre que a gente pode a gente ajuda nossa mãe, que não é sempre que a gente ajuda, que não dá, né?” (Cecília, vendedora da Feira de Planaltina)

Outra que também precisa ajudar em casa é Elisa. A entrevistada mora com a mãe, aposentada, mas que trabalha como empregada doméstica, a irmã desempregada e o sobrinho. Assim como Cecília, sua mãe criou os filhos sozinha, sem nenhuma ajuda do pai depois que se separaram, e agora ela retribui na medida do possível:

“Ajudo em casa... ajudo em casa... minha mãe... com certeza. (...) tem que ajudar, né? (na verdade)... porque::: só somos nós mesmo em casa... então, né? tem que dar uma força. (...) Tem muitos anos... meu pai nunca ajudou não... minha mãe criou os filhos todos... sozinha... né?” (Elisa, vendedora da Feira de Planaltina)

Entre os donos de negócio, em geral a família tem função importante na divisão do trabalho, muitas vezes ocupando a posição que deveria ser de um funcionário pago. Segundo os feirantes entrevistados, as esposas ajudam no atendimento, na organização e nas vendas. Na verdade, elas trabalham do mesmo jeito, mas ficam com a função de “auxiliar”. Quando os filhos atingem certa idade também começam a trabalhar na feira, geralmente na posição que o DIEESE chama de “trabalhadores familiares não remunerados”:

“A minha esposa, muitas vezes, me ajuda aqui também na feira, né? (...) Éh:: me ajuda... trabalha comigo e no lar, também... em casa. (...) A minha menina está começando a trabalhar, né? ( )... (que eu já)... eu tenho três filhos, certo? Só que tem uma maiorzinha que é filha da minha esposa... que, quando eu conheci ela, já tinha ela. Então, ela já está começando a trabalhar, está com dezoito anos...” (André, dono de banca na Feira de Planaltina)

O que se percebe na análise das alternativas encontradas pelos trabalhadores de baixa escolaridade para compensar a insegurança do trabalho precário é a recorrência da menção às mães, sogras e avós na narrativa dos entrevistados. Estas mulheres têm um papel central na trajetória da grande maioria dos pesquisados, assumindo desde a tradicional função de cuidadoras até a de provedoras e chefes de famílias monoparentais. Das mães que criaram os filhos pequenos sozinhas às mães que ainda sustentam uma grande proporção das despesas de casa e cuidam dos filhos dos filhos. Assim, estas mulheres representam uma rede de proteção, uma espécie de amortecedor dos riscos inerentes à informalidade de muitos entrevistados.