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CAPÍTULO 4 – TRAJETÓRIAS DE TRABALHADORES EM TEMPOS DE

4.2. Narrativas de trabalhadores de baixa escolaridade

4.2.9. Perspectivas para o futuro

A insatisfação com as condições gerais de trabalho nas feiras leva parte dos entrevistados a admitir que pretendam buscar outro emprego no futuro, principalmente pela falta de direitos e a jornada cansativa. Insegurança, cansaço e renda baixa são as justificativas repetidas pela maior parte dos sujeitos de pesquisa com baixa escolaridade para a vontade de deixar o atual trabalho. Alguns falam em “fazer faculdade”, como um sonho abstrato de melhorar de vida ou “passar em um concurso público”, mas geralmente não demonstram estar ativamente buscando concretizar estes planos. Pelo menos três entrevistados afirmaram que acabaram se “acomodando na feira”. Com isso, mostram que apesar de não estarem satisfeitos ainda não chegaram a tomar uma atitude para mudar a situação. Porém, no momento da entrevista, ao rememorar a trajetória profissional e a rotina do trabalho atual, alguns feirantes deixam transparecer a insatisfação e asseguram que, passado o período do Natal, buscariam um novo trabalho. É o que faz Diana, buscando planos para sair de sua “acomodação” e conseguir um emprego com carteira assinada:

“O meu futuro... eu penso em ter um emprego fichado... que eu possa ter mais assim... segurança, né? Porque aqui eu não tenho segurança nenhuma... Porque eu sei que meu patrão não vai me mandar embora, pelo menos por enquanto (...), mas vai que daqui pra amanhã ele resolve que não quer mais vender roupa, e aí? E eu não penso em ficar aqui por muito tempo, eu penso em sair... Não saí porque agora já tá no final do ano e não vou deixar ele na mão, na hora que ele mais precisa... mas ano que vem vou... vou fazer curso de enfermagem à noite lá no Senai... Senac... e vou correr atrás de um emprego fichado (aqui já esgotou...já está de bom tamanho)(...) Mas eu já fiz vários cursos, já fiz de telefonista, de computação, digitação... tudo isso eu já tenho.” (Diana, vendedora da Feira de Planaltina)

Muitos, porém, mesmo distribuindo currículos e procurando emprego, não conseguem outro emprego. É o caso de Cecília, bastante insatisfeita no trabalho, que tenta achar um emprego formal, mas esbarra na falta de “conhecimento”: não conhece as pessoas certas que poderiam indicá-la para um posto de trabalho.

“Procurar, eu procuro, deixo currículo... Mas tá tão difícil. Hoje em dia é mais na peixada. Você conhecer, ter o conhecimento, né? Você conhecer a pessoa (...) Nas lojas, né, às vezes final de ano assim começam a pegar. No Plano... Mas é provisório, trabalha três meses, aí você sai. Aí não tem como. (...) Eu vou tentar. Porque aqui não é vida pra gente não. A gente que é jovem acaba nossa vida aqui, não paga 13º (...) Ah, meu plano é sair daqui, arrumar um emprego melhor e tentar fazer uma faculdade. (...) Ah, eu saindo daqui, não interessa, arrumando qualquer outro emprego, menos de doméstica. (...) Quero de carteira assinada. Quero formal.” (Cecília, vendedora da Feira de Planaltina)

Eduardo também garante que está procurando ativamente um novo emprego. Segundo seu relato, desde que saiu da última empresa ele tenta achar uma oportunidade de trabalho. Dois meses depois, aceitou trabalhar para o primo na Feira de Planaltina até conseguir algo melhor: “sou meio que um... funcionário sócio dele. Mas estou aqui só temporariamente, né?”, afirma ele, numa tentativa de se valorizar, pois as características de seu trabalho são claramente as de empregado e não sócio. Até o momento da entrevista, sete meses depois, o emprego esperado ainda não havia aparecido e ele continuava em seu trabalho provisório. Isso o aproxima da já conhecida categoria dos trabalhadores informais que estão nesta posição supostamente por um período temporário, mas que acabam permanecendo assim por falta de alternativa (Druck; Oliveira, 2007). No entanto, Eduardo tem uma postura otimista: conta que estuda para tentar um concurso público e já fez entrevistas para “empregos bons” em “boas empresas”:

“Meu futuro tá/... a Deus pertence, né? Mas, eu estou fazendo por onde, minha esposa está estudando, fazendo faculdade... eu estou estudando para passar em um concurso, né? Então, já fiz algumas entrevistas, né? Estou aguardando... ( ) ser chamado, né? empregos bons, boas empresas. (...) Estou, estou à procura. Desde... desde que eu entrei aqui, né? Tem, no caso, sete meses aqui, eu tenho nove meses que eu estou procurando, desde que eu saí da outra empresa, né?” (Eduardo, vendedor da Feira de Planaltina)

Outra parte dos entrevistados reproduz o propalado desejo de tornar-se o próprio patrão. Alguns dizem simplesmente que querem montar um negócio, sem especificar como e qual o negócio, outros revelam a vontade de trocar de posição e trabalhar por conta própria na feira. Já entre os que já são donos de bancas há maior satisfação com o trabalho e a perspectiva de continuar o trabalho como feirante.

Ao contrário de outros que querem “abrir um negócio próprio”, Felipe apresenta maior solidez em seu anseio. Vendedor de feiras desde criança, quando ajudava a mãe em uma banca na Feira da Ceilândia (segundo ele, está “no sangue da família”), o entrevistado demonstra estar certo de seu objetivo e segue os passos para conseguir atingi-lo:

“Ah, eu penso... em juntar muito dinheiro pra mim abrir uma banca lá pra mim também. É isso que eu penso.(...) Por que é uma coisa que eu sei mexer bem. Se eu for fazer outra coisa, não vai dar certo. É uma coisa que eu faço desde pequeno. Então é uma coisa que eu estou... tentando investir porque eu sei que, se eu fizer isso, eu sei que eu vou me dar bem. (...) Eu estou trabalhando, juntando, vendendo por fora, pra mim justamente abrir a minha própria loja. Porque é uma coisa que eu sei fazer... e eu vou fazer. Pode demorar mais um ano, dois anos, três, quatro, cinco... não sei... mas sei que eu ainda vou fazer isso, eu vou... abrir minha própria loja, meu próprio negócio.” (Felipe, vendedor da Feira do Guará)

Se forem contabilizadas todas as referências às perspectivas dos entrevistados para o futuro, aparecem sete menções à vontade de conseguir um emprego formal (sendo dois no serviço público), cinco a montar um negócio próprio, dois querem continuar como donos de banca da feira, uma pretende continuar como vendedora ambulante, três sonham em fazer uma faculdade e uma fará um curso técnico. As respostas excedem a quantidade de entrevistados porque vários deles citavam mais de uma alternativa.

A maior aspiração de Beatriz, por exemplo, é ser funcionária pública. Apesar de ser uma das que tem melhor renda entre os feirantes pesquisados, ela gostaria de ter um emprego que proporcionasse maior segurança, mesmo que seja para ganhar menos que o atual. A vendedora afirma que não deixaria o trabalho na feira por outro emprego no setor privado, pois não teria a garantia de estabilidade que almeja. No entanto, surgiu uma nova possibilidade, já que seu patrão está pensando em interromper o negócio e deixar “uma banca montada” para ela. Assim, o negócio próprio aparece como uma outra opção, embora ela ainda não tenha o dinheiro necessário para o investimento:

“O que eu quero é ser funcionária pública mesmo. (...) Que a gente já sabe que ganha só daquele tanto. Mas ia ser garantido, né? Ia saber que ia aposentar e iria ter aquele dinheiro, né? Todo mês, certinho. (...) também a gente tava pensando em montar uma banca pra gente. (...) Porque meu patrão, ele tava querendo... Não sei, ele tava cansado de vim mesmo sábado e domingo pra cá, porque é muito longe a distância de Ceilândia pra cá. Ele tava querendo, quando sair daqui, deixar uma

banca montada pra mim. (...) Aí eu falo pra ele que agora eu não posso... Porque agora eu não tenho dinheiro pra poder investir, né? Queria montar quando eu tivesse um dinheiro pra investir. Não queria começar devendo. Queria começar com tudo já pago para o que entrasse só sendo lucro.” (Beatriz, vendedora da Feira de Planaltina)

Enfim, considerando apenas a principal expectativa de trabalho futuro, foi encontrada a seguinte disposição entre os entrevistados de baixa escolaridade: seis pretendem procurar um emprego que seja formalizado, com acesso a todos os direitos, cinco esperam montar um negócio próprio, dois (que já são donos de bancas) desejam continuar o negócio, e apenas uma quer continuar o trabalho de vendedora autônoma. Percebe-se nas falas dos trabalhadores de baixa escolaridade que quase todos querem mudar de ocupação, mas para a maioria os anseios estão mais para sonhos do que objetivos de vida.

Embora certos analistas de mercado declarem que esta não é mais uma alternativa possível (Malvezzi, 1999), muitos dos entrevistados valorizam o emprego assalariado regulamentado, estável e protegido. Outros consultores diriam que esta é uma opção medíocre, de quem não consegue pensar alto e tem “horror ao risco”61. Assim como

diversos brasileiros, uma quantidade significativa dos vendedores da pesquisa pensa tão alto que provavelmente nunca alcançará o sonho de tornarem-se empreendedores de sucesso. Como visto anteriormente, o discurso que apregoa as virtudes do empreendedorismo tenta camuflar uma realidade de precarização do trabalho. É importante lembrar que o perfil do empreendedor brasileiro é de alguém de baixa escolaridade com negócio informal e que ganha menos de três salários mínimos (Passos et al., 2008). De certa forma, os donos de negócio entrevistados enquadram-se neste perfil. Apesar de viverem situação mais privilegiada que seus subordinados, compartilham muitas das condições precárias como extensa jornada de trabalho e falta de proteção social. Embora

61 Apenas um exemplo entre muitos que a mídia constantemente divulga encontra-se em reportagem especial da revista Época n. 496, de 19 de novembro de 2007, denominada “O Futuro do Trabalho”. Entre matérias sobre a revolução dos jovens empreendedores e as novas habilidades para o século XXI, o consultor de empresas e colunista da revista, Ricardo Neves, no artigo “Apertem os cérebros, o emprego sumiu” apresenta mais uma exaltação ao empreendedorismo como futuro do trabalho e deprecia os jovens que pensam em seguir para o setor público em busca de segurança e estabilidade. Neste sentido, relaciona tais indivíduos a expressões como: “ser humano de perspectivas curtas”, que têm “horror ao risco” e juventude “velha, conservadora e tacanha” (Neves, 2007, p. 76).

alguns tenham melhores condições de vida, para muitos a realidade não é tão favorável, como aponta Galeazzi:

No exercício de atividades não-assalariadas, o trabalhador inserido nesse universo, seja ele autônomo, dono ou trabalhador de negócio familiar, ou de microunidade econômica, não tem assegurados direitos ou benefícios como férias, remuneração em períodos de parada do trabalho por enfermidade, descanso remunerado, seguro para o caso de ficar desempregado (extinção do negócio ou atividade), aposentadoria e outros. Todo e qualquer benefício desse tipo precisa ser financiado pelo próprio trabalhador. Via de regra, essas atividades proporcionam rendimentos insuficientes para que ele possa acumular uma poupança individual que lhe permita, por sua própria iniciativa, um padrão de proteção similar ao do trabalho assalariado regulamentado (Galeazzi, 2006, p. 206).

Enfim, pode-se concluir que os entrevistados de baixa escolaridade apresentam diferentes graus de vulnerabilidade em suas condições de trabalho. Apesar da diversidade das situações entre vendedores subordinados e donos de negócio e mesmo dentro do grupo de vendedores pesquisados, encontra-se em comum a necessidade de trabalhar horários muito além da jornada regulamentada e o fato de não terem assegurados os direitos e benefícios garantidos aos trabalhadores assalariados com registro. No entanto, enquanto alguns apontam apenas estes fatores de vulnerabilidade, outros se enquadram em todas as dimensões indicativas do trabalho precário (Rodgers,1989). A incerteza de continuidade, a falta de controle do trabalho, a ausência de proteção social e baixos rendimentos, todas estas dimensões estão presentes no trabalho de muitos dos sujeitos pesquisados. A despeito disto, a maioria mostra-se consciente do grau de vulnerabilidade, não se resignando à situação atual e procura melhores condições de trabalho. Não há, entretanto, resistência e mobilização coletiva para a transformação desta realidade. Todas as saídas enxergadas são individuais.