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CAPÍTULO 2 – O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL

2.5. Trabalhadores vulneráveis e flexibilizados

Finalmente, em vista da dificuldade de consenso em definir a informalidade e a partir da necessidade de analisar empiricamente os dados da precarização do trabalho, optou-se por utilizar duas categorias de trabalhadores estabelecidas nas pesquisas de emprego e desemprego do DIEESE como referência fundamental da pesquisa quantitativa da tese. Trata-se de empreender uma caracterização geral do perfil dos trabalhadores em situação de vulnerabilidade e dos contratados à margem da modalidade padrão, ou simplesmente os vulneráveis e os flexibilizados.

A definição das pessoas em situação de trabalho vulnerável inclui os assalariados sem carteira de trabalho assinada do setor privado, os autônomos que trabalham para o público26, os trabalhadores não-remunerados e os empregados domésticos. São

26 Segundo o DIEESE o autônomo para o público é identificado como a pessoa que explora seu próprio negócio ou ofício, sozinho ou com sócio, ou ainda com a ajuda de trabalhadores familiares e, eventualmente, algum ajudante remunerado. O indivíduo classificado nessa categoria presta os seus serviços diretamente ao consumidor, sem ser o intermediário de uma empresa ou pessoa, tendo autonomia para organizar seu próprio trabalho e para determinar sua jornada de trabalho.

trabalhadores cuja posição de ocupação não lhes assegura o acesso aos direitos e à proteção social do assalariado registrado. À insegurança da falta de garantia de direitos juntam-se os baixos níveis de remuneração destes trabalhadores. Neste sentido, esta categoria reúne todas as dimensões do trabalho precário concebido por Rodgers (1989): instabilidade, falta de proteção, insegurança e vulnerabilidade social.

Por outro lado, o DIEESE considera os trabalhadores de contratação fora da modalidade padrão como os assalariados sem carteira dos setores público e privado, os autônomos para uma empresa e os terceirizados. Assim, existe um segmento dos ocupados (assalariados do setor privado sem carteira assinada) que está representado tanto na categoria de vulneráveis como na de contratação flexibilizada. Mas as duas categorias são diferentes. Entre os segundos, por exemplo, só são contabilizados os que foram contratados por uma empresa (ou o Estado), embora este contrato não siga as normas do assalariamento padrão. Conseqüentemente, não são assegurados os direitos vinculados ao emprego registrado. Deste modo, os flexibilizados também se enquadram no grupo de trabalhadores submetidos a insegurança, instabilidade e baixa proteção social devido a sua forma de inserção no mercado de trabalho.

No entanto, nem todos os contratados de forma flexibilizada podem ser definidos como vulneráveis em termos de remuneração. Aqui estão representados muitos dos trabalhadores que passaram a se inserir de forma mais precária a partir das recentes mutações do mundo do trabalho com o acirramento da competição entre empresas e nações em busca de maior produtividade e lucro. Muitos profissionais de alta escolaridade encontram-se nesta posição, às vezes recebendo uma boa remuneração, mas sem terem acesso aos mais básicos direitos, o que pode até comprometer seus rendimentos (como a necessidade de pagar previdência privada ou guardar dinheiro para quando estiverem sem emprego ou impossibilitados de trabalhar).

Enfim, pretende-se analisar tanto a categoria dos vulneráveis como a dos flexibilizados considerando que cada uma delas representa um aspecto do trabalho precário. Enquanto os trabalhadores em situação de vulnerabilidade estão próximos da noção mais tradicional de informalidade, os contratados fora da modalidade padrão vinculam-se à idéia das novas relações e formas de trabalho criadas com o processo de flexibilização a partir das mudanças estruturais no trabalho, ligadas ao processo de

reestruturação econômica e desregulamentação dos mercados. Assim, embora as duas situações sejam tratadas aqui, a categoria dos flexibilizados será privilegiada como emblemática da atual precarização do trabalho.

Tabela 6 - Proporção de ocupados em situação de trabalho vulnerável (1), por cor e

sexo

Regiões Metropolitanas e Distrito Federal 2006 (em %) Regiões

Metropolitanas Negros Não-negros

Mulheres Homens Total Mulheres Homens Total

São Paulo 48,0 31,7 39,1 34,2 25,5 29,4 32,8 Porto Alegre 47,0 27,7 36,9 32,2 24,3 27,8 28,9 Belo Horizonte 44,2 29,3 36,0 31,9 24,1 27,7 32,3 Salvador 50,8 34,8 42,1 28,6 23,7 26,0 39,8 Recife 49,7 34,5 41,0 36,5 30,2 33,0 39,1 Distrito Federal 43,1 25,5 33,7 31,0 21,6 26,2 31,1

Fonte: DIEESE, 2007a.

Notas: (1) Inclui os assalariados do setor privado sem carteira de trabalho assinada, os autônomos que trabalham para o público, os trabalhadores familiares sem remuneração e os empregados domésticos. Obs: Negros = pretos e pardos. Não-negros = brancos e amarelos

A tabela acima mostra uma série de dados relevantes para a pesquisa, apontando os trabalhadores considerados vulneráveis em diversas regiões metropolitanas. A média geral de vulneráveis das regiões pesquisadas é de 34% dos ocupados, sendo que Salvador e Recife estão acima da média e as demais regiões, abaixo. O Distrito Federal apresenta um total de 31,1% de ocupados vulneráveis, superando apenas a média de Porto Alegre.

A desagregação das variáveis cor e sexo dos vulneráveis possibilita avaliar quem seriam estes trabalhadores. Em todas as regiões os maiores percentuais de vulneráveis estão entre as mulheres e os negros, embora algumas apresentem maiores disparidades em termos de sexo e raça que outras. Confirma-se aqui que a mais vulnerável das categorias é a composta pelas mulheres negras, variando de 50,8% dos vulneráveis em Salvador a 43,1% no Distrito Federal.

Em todas as regiões analisadas os maiores representantes de vulnerabilidade se encontram na seguinte ordem: mulheres negras, mulheres brancas, homens negros, homens brancos. A única exceção é Salvador, onde a variável cor se sobrepõe ao sexo. Nesta região os homens negros têm maior proporção de vulneráveis do que as mulheres brancas. Considerando que quando se analisa as desigualdades em termos de rendimentos os homens negros recebem menos que as mulheres brancas, o grande peso das trabalhadoras domésticas é um fator explicativo importante para a preponderância geral do sexo feminino entre os vulneráveis.

Além da análise da vulnerabilidade dos trabalhadores, os dados do DIEESE possibilitam uma avaliação das formas de contratação dos postos de trabalho gerados por empresas. Os contratos podem ser classificados como dentro da modalidade padrão e à margem da modalidade padrão. No primeiro caso estão os estatutários e todos os assalariados com carteira (dos setores público e privado) e, no segundo caso, todos os assalariados sem carteira, os terceirizados e os autônomos para a empresa. É importante lembrar que estes postos dizem respeito apenas aos gerados por empresas. Os autônomos para o público e os domésticos, por exemplo, não entram na equação, o que significa que o total de postos de trabalho da tabela não equivale ao total de ocupados.

Com a distribuição de postos de trabalho gerados por empresas é possível conhecer as diversas formas de contratação de trabalhadores nas regiões metropolitanas que fazem parte da Pesquisa de Emprego e Desemprego do DIEESE. O que interessa particularmente a esta pesquisa são as formas de inserção ocupacional à margem da modalidade padrão, ou seja, a contratação flexibilizada. A média de contratações flexibilizadas nas regiões em 2006 é de 30,7% do total dos postos de trabalho, sendo a mais baixa em Porto Alegre (24,7%) e a mais alta em Recife (35,4%).

Tabela 7 - Distribuição dos postos de trabalho gerados por empresas, segundo formas de contratação – Regiões Metropolitanas e Distrito Federal 2006 (em %)

Formas de contratação São

Paulo Porto Alegre Belo Horizont e Salvado r Recife Distrito Federal

Contratação Padrão 66,3 75,3 74,6 66,1 64,6 69,0

Assalariados contratados diretamente

C/ carteira- privado 55,9 61,3 59,5 48,4 49,2 39,5

C/ carteira- público 3,7 4,8 3,2 3,7 5,0 4,4

Estatutário 6,7 9,2 11,9 14,0 10,5 25,1

Contratação

flexibilizada 33,7 24,7 25,4 33,9 35,4 31,0

Assalariados contratados diretamente

S/ carteira- privado 18,1 12,5 13,0 16,0 15,7 10,8 S/ carteira- público 1,6 3,0 3,9 3,3 5,0 3,4 Assalariados terceirizados 5,1 5,2 3,8 10,8 6,4 12,0 Autônomos para empresa 8,9 4,0 4,7 3,9 8,2 4,8 Total de postos de trabalho 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: DIEESE, 2007a.

Os dados do Distrito Federal serão avaliados com maior detalhe mais adiante, aqui cabe apenas fazer uma comparação com os dados das demais regiões. Em todas as regiões os assalariados sem carteira do setor privado são a categoria mais numerosa entre os flexibilizados, com exceção do Distrito Federal, onde os terceirizados estão em primeiro lugar, com o percentual de 12% dos ocupados. A especificidade do Distrito Federal, como sede do Governo Federal, aparece ainda no grande número de postos gerados pelo setor público e a baixa expressividade do setor privado (50,3% dos ocupados, juntando os com e sem carteira) comparativamente às outras regiões em que os assalariados do setor privado variam de 64,4% a 74% do total de ocupados. Um número expressivo de terceirizados também está, em grande parte, vinculado ao setor público, além, é claro, dos sem carteira do setor público.

Tabela 8 - Evolução das contratações flexibilizadas Regiões Metropolitanas e Distrito Federal (em %)

Região Metropolitana 1999 2004 2006 Distrito Federal 26,4 31 31 Belo Horizonte 27,2 28,7 25,4 Porto Alegre 24,8 26,4 24,7 Recife 35,8 37,4 35,4 Salvador 35,4 35,6 33,9 São Paulo 33,1 35,6 33,7

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do DIEESE 2001, 2007a.

Confrontando os dados das contratações flexibilizadas em 2006 com os de 1999 (Tabela 8), observa-se que a única região que apresenta um aumento significativo e duradouro é o Distrito Federal que passa de 26,4% para 31% de flexibilizados. São Paulo sofre um acréscimo ínfimo (de 33,1% para 33,7%) e as demais contam uma redução deste tipo de contrato no ano de 2006 apesar de todas terem passado por um aumento desta modalidade de contratação ao longo do período de 1999 a 2004. O fator mais significativo, entretanto, é que o Distrito Federal está bem acima das demais regiões em termos do crescimento dos postos flexibilizados.