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2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS

2.1 INFLUÊNCIAS DAS ATIVIDADES DAS EMPRESAS CONSTRUTORAS DE EDIFÍCIOS NO MEIO AMBIENTE

2.1.2 Geração de resíduos sólidos

Não obstante o crescimento da demanda por novas edificações, observa-se o alcance do fim da vida útil de muitos empreendimentos brasileiros, geralmente projetados para durarem cerca de 50 anos8. E, a partir de então, são desencadeadas as práticas de reformas, reabilitações, demolições e novas construções. Como conseqüência verifica-se o aumento da geração de resíduos de construção, manutenção e demolição, também denominados RCD9, e este é um aspecto de extrema importância para a construção civil e que deve ser considerado.

Observa-se que normalmente as administrações públicas brasileiras não oferecem regularmente os serviços de coleta e destinação destes rejeitos, provocando a ocorrência de despejos clandestinos em vias e logradouros públicos, terrenos baldios, margens de córregos e, ainda, ocasionado o surgimento de bota-foras irregulares que acabam se transformando em lixões.

Dentro do termo genérico RCD podem ser encontrados produtos de diferentes origens e natureza, os quais causam impactos distintos no meio ambiente, tais como: argamassas a base de cimento e cal, resíduos de cerâmica vermelha (como tijolos e telhas), cerâmica branca (especialmente a de revestimento), concreto armado ou não, solo, rocha, metal, madeira, papel, plásticos diversos, material betuminoso, vidro, gesso em pasta e placa, tintas e adesivos, restos de embalagens, cimento amianto, produtos de limpeza de terrenos, entre outros.

8 Vida útil exigida pela Union Eurepéene pour L'Agrément Technique dans la Construction

(UEAtc), para subsistemas tais como estruturas, fachadas, portas e janelas.

9 Sigla empregada em textos de diversos autores para designar os resíduo de construção,

O anexo 1 apresenta alguns exemplos de composição dos RCD obtidos por diferentes autores e em diversas localidades brasileiras e do exterior. Pinto (1999) e Angulo (2000) atribuem a diferença dos valores encontrados entre diversos países à diversidade das tecnologias construtivas utilizadas; como exemplo é citada a grande presença da madeira na construção norte- americana e japonesa, e sua presença menos significativa na construção européia e brasileira. Angulo (2000) ainda acrescenta que em novas construções esta variabilidade na composição dos RCD também ocorre em função do cronograma de execução de serviços, fazendo com que em cada período os materiais e índices de perdas sejam diferentes.

Nota-se ainda que, qualitativamente, os resíduos provenientes das fases de implantação, manutenção e demolição também podem conter substâncias perigosas, como adesivos, tintas, óleo, baterias, biocidas incorporados a madeiras tratadas, sulfatos provenientes da dissolução de gesso, e outros, agravando o impacto da contaminação do solo, águas e ar.

Outro aspecto dos resíduos sólidos a ser observado, além de sua composição, é o volume total gerado. Ressalta-se que para as novas edificações a geração de resíduos está diretamente relacionada às perdas ocorridas, sendo bastante considerável a fração proveniente do desperdício10. Assim sendo, Andrade et al. (2001), a partir da análise dos indicadores de perdas de materiais estabelecidos na pesquisa 'Alternativas para a Redução do Desperdício de Materiais nos Canteiros de Obra'11, estimaram a parcela do valor do indicador global de perdas que diz respeito ao entulho gerado12. Segundo os autores, o interesse em conhecer o volume de entulho gerado nas atividades construtivas já existe há algum

10 Desperdício é a fração das perdas que excede ao considerado inevitável no limite

característico da tecnologia (Andrade, 1999).

11 Pesquisa nacional realizada por um grupo de universidades brasileiras sob a

coordenação do PCC - EPUSP, com apoio da FINEP / Programa Habitare, do ITQC (organismo não mais atuante) e do SENAI, tendo-se como resultado o estabelecimento de indicadores de perdas de materiais em quase uma centena de canteiros de obras.

12 De acordo com Paliari (1999) as perdas, ou seja, a quantidade de material consumido em

excesso, tem sua parcela de entulho sendo as demais atribuídas ao material que fica incorporado ao elemento construtivo e a um possível roubo na obra.

tempo, e recentemente tem aumentado em decorrência da discussão de questões ambientais e da busca por comunidades sustentáveis.

A parcela dos indicadores de perdas relativa ao entulho gerado por serviço encontra-se descrita na tabela 2.1. Por meio dos dados apresentados é possível verificar a quantidade de entulho estimada para cada material e a cada serviço executado. Nota-se ainda que em alguns casos a parcela relativa ao entulho constitui-se na totalidade do indicador global de perdas detectado, e em outros a parcela de entulho constitui-se em uma fração do indicador havendo portanto a fração correspondente à perda incorporada.

Tabela 2.1 Tabela simplificada da estimativa do entulho por unidade de serviço (Andrade et al., 2001)

MATERIAL u.m.(1) u.s.(2)

Perda global (u.m./u.s) Entulho (% em relação à perda global) Entulho (u.m./u.s.) Concreto usinado m3 m3 0,0900 15 0,014 Aço kg kg 0,1100 70 0,077 Blocos m2 m2 0,13 100 0.130 Argamassas – alvenaria m3 m2 0,0010 16 0,002

Argamassas – paredes e tetos m3 m2 0,0013 19 0,002

Argamassa fachada m3 m2 0,0020 18 0,001

Argamassa contrapiso m3 m2 0,0110 05 0,001

Placas cerâmicas fachada m2 m2 0,13 100 0,130

Placas cerâmicas piso m2 m2 0,19 100 0,190

Placas cerâmicas parede m3 m2 0,13 100 0,130

Gesso paredes m3 m2 0,0015 50 0,001

Gesso teto m3 m2 0,0015 50 0,001

(1) u.m. = unidade com que se mensura o material utilizado (2) u.s. = unidade do serviço onde o material é utilizado

Andrade et al. (2001), a partir da transformação dos resultados obtidos para o entulho expressos em unidade de material por unidade de serviço para unidade de material por m2 de piso executado e, em seguida, transformando estes mesmos valores para massa de entulho por m2 de piso executado, chega ao valor de 49,58 kg de entulho estimados para cada m2 de piso construído. Isto pode significar que, considerando a massa do edifício igual a 1.200 kg/m2 (Pinto, 1999), o entulho gerado nos canteiros de obra brasileiros representa aproximadamente 4,13% da massa do edifício.

No entanto, o valor de entulho estimado de 49,58 kg/m2 de piso construído é bem inferior à taxa de 150 kg de resíduo por metro quadrado construído estimados por Pinto (1999). Para este autor, a estimativa do volume total de RCD gerado nas cidades brasileiras pode basear-se em cálculos a partir de indicadores sobre as estimativas de áreas construídas, a movimentação de cargas pelos coletores e o acompanhamento de descargas nas áreas utilizadas como destinação final dos resíduos, verificadas as devidas sobreposições. Pode-se, portanto, atribuir a esta diferença de valores verificadas pelos autores, o fato de Andrade et al. (2001) aplicar os indicadores percentuais de entulho, por serviço, sobre a massa de cada material utilizado por metro quadrado de piso construído, enquanto Pinto (1999) utiliza os seguintes valores aproximados: 50% de entulho gerados sobre 25% de perda média de materiais nos processos construtivos, aplicados sobre uma massa estimada para a edificação de 1200 kg/m2, não considerando, portanto, a interferência da variação da massa de cada resíduo gerado por cada atividade sobre o metro quadrado de piso construído.

Pinto (1999) também apresenta uma estimativa para os RCD gerados por habitante ao ano no Brasil no valor de 230 a 660 kg. E Brito Filho (1999) aponta que na cidade de São Paulo só a indústria da construção civil gera

um volume mensal de resíduos de aproximadamente 90.000 m3,

considerando-se apenas o material que chega em aterros oficiais. Ao fazer uma extrapolação deste volume para os terrenos baldios, bota-foras

irregulares, áreas ermas e fundos de vale, estima-se que atinjam 60% dos volumes registrados, o que seria algo em torno de 144.000 m3 por mês. Nos Estados Unidos, em 1996, foi estimado o valor de 136 milhões de toneladas de resíduos de construção e demolição, conforme documento apresentado ao United States Environmental Protection Agency (U.S.EPA) pelo Office of Solid Waste (EPA, 1998). Sendo 48% gerados nas demolições, 44% provenientes de reformas e apenas 8% de novas construções. Revelando ainda os valores médios de 1,99 kg de resíduos / m2 (4,38 pounds/m2) para construções residenciais novas e 1,76 kg/m2 (3,89 pounds/m2) para construções não residenciais novas.

Para as diferenças encontradas na quantidade de resíduo gerada em diversas localidades, Zordan (1997) considera que elas decorrem do estágio de desenvolvimento da indústria de construção local: a qualidade da mão- de-obra, as técnicas construtivas empregadas, a adoção de programas de qualidade, etc. Porém, deve ser observado que estas diferenças também estão relacionadas à falta de metodologia empregada no levantamento de dados. Em seu estudo, Pinto (1999) mostra que para algumas localidades são apontados valores coletados nos próprios canteiros de obra e, para outras, a fonte de coleta foram as áreas de destinação final, não havendo portanto como comparar os números apresentados.

As interferências no meio ambiente originadas da incorreta deposição dos RCD nos ambientes urbanos são as seguintes, enumeradas por Pinto (1999): (a) comprometimento da qualidade do ambiente e da paisagem local, levando inclusive ao prejuízo das condições de tráfego de pedestres e veículos; (b) interferência na drenagem, afetando desde a drenagem superficial até a obstrução de córregos, ocasionando problemas de enchentes; (c) necessidade de investimentos em obras de contenção e reservação temporária dos elevados volumes de água para cumprir a função anteriormente atribuída às áreas naturais; (d) aumento no volume de resíduos industriais, bem como daqueles classificáveis como 'volumosos',

resíduos vegetais e outros não-inertes, para os quais não são oferecidas soluções aos geradores; (e) criação de ambiente propício à proliferação de vetores prejudiciais às condições de saneamento e à saúde humana.

Há outra questão ambiental resultante da insustentável gestão de resíduos adotada atualmente: é a queima de combustíveis fósseis (não renováveis) para o transporte de resíduos que se agrava com o acelerado processo de adensamento urbano nos últimos anos, o qual faz com que as áreas mais próximas se esgotem rapidamente gerando o distanciamento crescente dos bota-foras (Pinto, 1999). Deste fato também surgem problemas econômicos relativos ao aumento do custo para deposição13.

E, se forem considerados os aspectos do setor como um todo, verifica-se ainda a geração de resíduos durante a produção dos materiais e componentes nas diversas indústrias da cadeia produtiva da construção civil.

Salienta-se, no entanto, que a Agenda 21 Brasileira não dá a devida importância ao entulho de obra. O RCD permanece sendo considerado como material 'inerte'14 e que pouco impacto causa ao meio ambiente, o que não é verdade, como demonstra, por exemplo, um estudo realizada por Oliveira; Mattos; Assis (2001). Este estudo constata a necessidade da análise mais criteriosa dos resíduos de concreto descartados pelas obras de construção civil. Das análises químicas e de difratometria realizadas pelos autores em amostras expostas a água de chuva com pH baixo, foi verificado claramente que o resíduo de concreto está longe de ser considerado 'inerte',

13 A composição do custo de coleta por poliguindaste é formada por valores atribuídos ao

deslocamento, mão-de-obra, administração e, em alguns aterros, pela taxa de descarte.

14 Esta denominação é função da classificação proposta pela norma NBR 10004 ''Resíduos

Sólidos: Classificação', a qual diferencia os resíduos sólidos em relação aos riscos potenciais que representam ao meio ambiente e à saúde pública em três classes de periculosidade: Classe I – perigosos; Classe II – não-inertes; Classe III – inertes. Segundo a norma resíduos inertes são quaisquer resíduos que quando amostrados de forma representativa e submetidos a um contato estático ou dinâmico com água destilada ou deionizada, à temperatura ambiente e conforme teste de solubilização, não tenham nenhum de seus constituintes solubilizados a concentrações superiores aos padrões de potabilidade de água.

além do que, se descartado em locais inadequados pode provocar a contaminação das águas e sua mineralização.

Mesmo considerando a possibilidade de os RCD serem considerados 'inertes', somente entraria nesta classificação o entulho composto por argamassas, tijolos, telhas, cerâmica, concretos e solo de escavação. Sabe- se, entretanto, que no Brasil o sistema de caçambas estacionárias recebe praticamente todo o material não coletado pelo serviço de coleta regular de resíduos domiciliares e de serviços de saúde. Assim, nem todo material coletado constitui-se apenas por 'inertes'; seria ideal e necessário classificar e separar o material antes de sua destinação final.

Pinto (1999) relata que é recente no Brasil a percepção da necessidade de ampliar o conceito de saneamento básico para saneamento ambiental, que lide de forma integrada com a água, esgoto, resíduos sólidos, drenagem e controle de vetores. Segundo o autor, os países europeus e o Japão, dada a sua densidade demográfica e a exiguidade de espaços para o alojamento de resíduos sólidos, possuem políticas elaboradas e consolidadas e, em função de sua elevada industrialização e carência de recursos naturais, destacam-se nos esforços para o conhecimento e controle dos RCD.

Da análise de uma massa de entulhos de construção civil, observa-se ainda que, apesar de sua heterogeneidade, a quase totalidade dos materiais que a compõem podem tornar-se potenciais matérias-primas (Brito Filho, 1999). Pinto (1999) também afirma serem formadas por parcelas recicláveis, a imensa maioria dos RCD gerados nas cidades por ele analisadas, e Agopyan (1998) acredita que a construção civil seria capaz de absorver quase totalmente os resíduos que produz. Assim, Pinto(1999) considera necessária a existência de uma gestão diferenciada para a captação e reciclagem dos resíduos provenientes das atividades construtivas.

Em vista de toda esta situação, pretende-se nesta pesquisa identificar o papel das empresas construtoras frente ao problema dos resíduos gerados. Espera-se que os agentes construtores voltem suas atenções ao

reconhecimento de seus índices particulares de geração de resíduos e a seu patamar tecnológico, buscando investir em melhorias para conquistar competitividade e racionalidade no uso de recursos não renováveis (Pinto, 1999).

Pressupõe-se ainda, que os fatores para os quais as empresas construtoras devam atentar-se, os quais influem diretamente no volume de resíduos gerados, são as perdas e desperdícios ocorridos durante a execução de novas edificações ou em reformas de edificações existentes, além daqueles relacionados ao projeto e seleção de materiais e tecnologias, que irão influir na composição e volume dos resíduos gerados durante o uso e a destinação final do empreendimento.