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PARTE 2 – A IGREJA BATISTA DA LAGOINHA: IDENTIDADE E CULTURA

4.6. Gestão empresarial e gestão do sagrado

O termo “gestão” está na moda no mundo dos negócios e no campo econômico, comercial e empresarial. Nos últimos tempos, devido à relevância e a utilidade da gestão no processo de dinamização de empresas e negócios, a ideia de gestão foi se deslocando para o campo religioso e eclesial. Com a convergência entre o mundo dos negócios e o campo religioso e eclesial, algumas organizações religiosas passaram a adotar as mesmas estratégias de gestão usadas pelas empresas e corporações empresariais. No Brasil, os estudos feitos por Campos (1999) e (2006), Guerra (2003) Mariano (2003) enfatizam que as organizações religiosas não fogem à regra e incorporam as práticas da gestão empresarial à medida que se veem “obrigadas” a adaptar aos novos paradigmas da sociedade. Assim, a lógica empresarial começou uma expansão incontrolável, atingindo às organizações mais distantes da esfera econômica e do mundo dos negócios.

Michael Zigarelli75 é um dos gestores que mais tem influenciado as organizações religiosas e a área ministerial das igrejas quanto a implantação de uma política de gestão. Com palestras, conferências, livros e até consultorias, Zigarelli (2004), propõe e ensina como a igreja deve explorar as ferramentas da gestão, tornando-as úteis à igreja e aos pastores. Segundo ele,76 a gestão ajuda a organização religiosa a falar a linguagem de negócios e uma das áreas que a igreja não pode abrir mão é o marketing. Devido ao deslocamento da gestão para o campo religioso, algumas igrejas passaram a contratar um profissional de gestão para, de um lado, cuidar da sua administração77 e, de outro, para alavancar o ministério pastoral do líder em termos eficiência e de crescimento da organização.

Neste contexto, deve-se compreender a relação entre um tipo de gestão e outro e o quanto há de influência da gestão empresarial sobre as estruturas organizacionais, sobre a religião e o modo de lidar com o sagrado. Na prática, a dimensão econômica, ao “invadir” o espaço da religião, parece exercer uma forte pressão para que as motivações mais substantivas, como são as motivações de fé e de culto a um sagrado, busquem modelagens coerentes com as do setor empresarial. Nesse sentido, as organizações religiosas além de exigir liderança executiva, do tipo CEO’s – Chief Executive Officer, passam a ser capitaneadas pelos desejos dos “clientes”. Como enfatiza Afonso Murad (2007:72), qualquer organização, só realizará sua missão se colocar em prática os princípios da gestão, o que se aproxima da ideia de uma “gestão ou administração profissional”. Segundo Guerra (2003:135) a profissionalização dos líderes religiosos relaciona-se com diferentes fatores, mas os que mais se destacam são a relação com o público consumidor, a demanda religiosa e o interesse em concorrer no mercado religioso.

No tocante a isso, até as atividades mais substanciais da vida social têm tomado o rumo da gestão empresarial. É por isso que Guerra (2003:55) enfatiza que a aplicação da gestão no campo religioso tem ver tanto com a “Teoria da escolha racional” quanto com o paradigma de mercado religioso. Assim sendo, no mundo dos negócios tem sido comum falar-se em gestão estratégica de negócio, da empresa e da marca da empresa, gestão comercial, financeira, de

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Pesquisador nas áreas de Administração e professor de Gestão na Universidade Regent em Virginia Beach, mestre em Relações Industriais pela Universidade Cornell e doutor em Gestão de Pessoas pela Universidade Rutgers.

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Site: http://www.institutojetro.com/lendoentrevista.asp. acesso em 25 de janeiro de 2011.

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Em entrevista concedida ao “Instituto Jetro”, Jonas Neves ressalta que, em 2009, a Igreja Batista do Povo contratou um gestor. Essa entrevista foi publicada em 22 de outubro de 2009 e encontra-se disponível no site http://www.institutojetro.com/lendoentrevista.asp.

serviço, de equipes e pessoas, de tecnologia e de marketing, etc. No campo religioso e eclesial, por sua vez, “fala-se” em gestão da igreja, gestão ministerial, da “paróquia” e até em gestão da espiritualidade, como faz Murad (2007), na perspectiva de “uma porta entreaberta”. Ou seja, uma porta que se abre para a fusão entre gestão e espiritualidade e entre espiritualidade e gestão, que segundo ele, é uma alternativa criadora e unificadora.

“A espiritualidade unificadora e encarnada ajuda as pessoas e organizações a estabelecerem ponte entre a fé e as realidades humanas, inclusive a gestão (...) A fé encarnada confere sabor, qualidade e cor à existência. Não retira o ser humano de suas tarefas temporais, e sim possibilita realizá-las com motivação mais profunda. Trata-se de manter fidelidade criativa ao carisma, ao mesmo tempo que se responde de forma ousada aos desafios atuais da sociedade e do mercado” (MURAD, 2007, p. 181-182).

Há que se compreender, no entanto, que a incorporação do conceito de gestão pelas organizações empresariais e religiosas não carrega nenhuma neutralidade. Aliás, no que se refere às organizações religiosas essa anexação faz parte de um processo de ideologização da religião, tanto quanto de sua secularização, modernização e adequação à lógica do mundo dos negócios. É por isso que algumas organizações religiosas, usando-se de chavões do tipo “é para o Reino de Deus”, “é para glória de Deus” e “para missões”, utilizam a gestão como uma estratégia para aumentar seu crescimento, sua produtividade e seus negócios. Neste aspecto, a gestão empresarial torna-se aliada da gestão do sagrado, e as duas juntas, corroboram para que algumas igrejas assumam a característica de uma eficiente corporação empresarial, pois, no contexto religioso pluralista e competitivo, a produtividade e os resultados fazem toda a diferença.

As instituições religiosas carismáticas quase sempre adotam os referenciais da gestão empresarial para fazer a gestão da corporação, bem como do sagrado. Como o campo religioso brasileiro é cada vez mais plural e concorrido, as igrejas carismáticas e neopentecostais, por serem compelidas a concorrer e disputar o mercado desenvolvem suas ações religiosas pela ótica da gestão de negócios. Essas instituições, segundo Mariano (2003:115), no afã de superar a concorrência religiosa e atingir metas mais ambiciosas adotam o modelo de organização e de gestão de molde empresarial. Nessa direção, a empresa está se tornando o “modelo universal” de organização não só da religião, mas de todas as atividades humanas. Parece que as organizações religiosas e eclesiásticas, e este é também o caso da IBL, parecem não fugir a essa tendência.

No contexto da relação entre a gestão empresarial e a gestão do sagrado, tem-se na satisfação e na resposta imediata o critério valorativo, dando prioridade às ações religiosas que agradam prontamente o fiel. Já que existe uma espécie de convergência os dois tipos de gestão, a troca simbólica ocupa um lugar de destaque como meio de satisfação pessoal e social. É como se houvesse uma “teologia do resultado”78, já que os fins justificassem os meios. Nessa perspectiva, a “fé” e a “busca do sagrado” por parte do fiel entram como um investimento que, de fato, tem um retorno certo e seguro, apesar do “sacrifício” que exigem. Isto significa que a gestão do sagrado efetivada pela instituição solicita do seguidor, em contrapartida, a gestão da fé, o que deve ser feito na forma de oferta, oferenda e de um investimento.

Como enfatiza Paulo Ayres Mattos (2008:74), a oferta é apresentada não como uma doação, mas uma aposta, um tipo de investimento que se faz segundo a fé e por meio da qual se espera resultados positivos. Esses resultados, quase sempre, estão atrelados à prosperidade material ou a um tipo de libertação, seja na dimensão física, emocional, psicológica e financeira. Considerando esses aspectos, a gestão torna-se uma ferramenta que faz a unificação da “teologia do sacrifício79” com a “teologia do resultado”, o que redunda na expectativa de “lucro”. Para Iannaccone (1988) é a probabilidade de se “obter lucro” que faz alguém participar ou não de uma religião, e é isso, segundo Iannaccone que faz surgir a “microeconomia do sacrifício”. A tônica dessas teologias é “quanto mais o fiel der à igreja, mais ele irá receber”. Como ressalta Campos (1999:364), o sucesso material é visto como uma comprovação da presença de Deus na vida do crente que tem fé e, ao mesmo tempo, oferta.

Essas teologias são pregadas e ensinadas nas igrejas carismáticas, mas conforme Campos (1997:329) com uma ênfase na experiência, pois a teologia das religiões neopentecostais “brota da experiência e não da reflexão teológica”. Na IURD, por exemplo, as teologias do protestantismo histórico e de suas igrejas são desconsideradas e sem utilidade. De acordo com Campos (1997:330), o bispo Edir Macedo qualifica todos os ramos da teologia como fúteis já

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“teologia do resultado” está relacionada com a “teologia da prosperidade” e ambas diretamente fortalecidas pela “teologia retribuitiva”. Nessas teologias, o fiel, por meio de um sacrifício, faz um investimento e, pela oferta ou oferenda feita, espera um resultado ainda maior do que o investimento realizado.

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A “teologia do sacrifício” está relacionada muito mais com a prática religiosa das igrejas neopentecostais do que a uma reflexão intelectual e mais sistemática acerca da fé e das narrativas bíblicas. Essa teologia parte da ideia de que os fiéis devem fazer oferendas (sacrifício) e como estas oferendas são feitas pela fé, são como que investimentos e pelas quais se espera algo em troca. O termo “teologia do sacrifico” foi usado por Paulo Ayres Mattos nas análises feitas acerca da IURD e Edir Macedo.

que nada acrescentam à fé. Na verdade, o estilo carismático criado, gestado e orientado pelas teologias do neopentecostalismo indica um tipo de “operação religiosa” que produz uma contrapartida de prosperidade. Como enfatiza Guerra (2003:109), o neopentecostalismo articula contribuição financeira para a igreja com a “teologia da prosperidade” e, além disso, em termos teológicos e práticos, agrega o progresso financeiro ao usufruto dos prazeres e das comodidades decorrentes da prosperidade.

Já que o campo religioso e as organizações religiosas estão cada vez mais influenciados pela “teologia retribuitiva”, condensada nas teologias da “prosperidade” e do “resultado”, a gestão está se tornando a principal ferramenta de ligação entre o mundo dos negócios e a esfera religiosa. Nesta perspectiva, essas teologias ensinam que a “pobreza” é do diabo e não divina. Em outras palavras, essas teologias afirmam que Deus, sendo um “pai poderoso, rico, amoroso e dono de todas as coisas”, “opera” milagres para fazer com que seus filhos sejam abundantemente abençoados e prósperos. É aí, portanto, que entram a gestão empresarial e gestão do sagrado, que tem um papel de unificar as teologias e pregar um resultado diferente, seja para a organização religiosa, seja para o fiel.

As teologias “retribuitiva”, da “prosperidade” e do “resultado” estão aliadas e alinhadas à gestão da organização, seja na dimensão empresarial, seja na sacral, e conforme Campos (1999:365) elas tem um papel de conciliação entre a “racionalidade capitalista, de um lado, e a redescoberta pós-moderna do misticismo, de outro lado”. Com isso, a gestão do sagrado toma “ares” de uma gestão empresarial, o que pensado como indispensável para o sucesso de qualquer empreendimento religioso. Sendo assim, o desempenho de uma organização religiosa passa a ser medido, julgado e continuamente melhorado de modo a satisfazer os fiéis. Para tanto, os gestores desenvolvem um processo contínuo de planejamento, com revisão de metas, objetivos e resultados alcançados, e com isso, redefinem os caminhos a ser trilhados pela organização, pois campo religioso não é mais só um espaço de luta e concorrência, mas também de especialização80 nos modos de fazer a gestão do sagrado.

Esse novo modo de fazer a gestão do sagrado se dá pela própria dinâmica do campo religioso, pela adoção da lógica empresarial por parte de algumas religiões e pelo aumento do poder da demanda dos consumidores pelos produtos religiosos. Desse modo, a ideia de mercado está

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A especialização é um processo ligado à criação de produtos religiosos capazes de atender às necessidades, desejos e preferências que surgem no mercado.

relacionada com a religião e ambas com a gestão empresarial da organização religiosa, tanto quanto com a do sagrado. É por isso que, à luz de Bourdieu (2005) e da ideia de “mercado de bens simbólicos”, a gestão do sagrado pode ser vista como um tipo de “capital religioso” que é fundamental para o funcionamento das organizações no campo religioso e no mundo dos negócios.

Isso significa que a religião perdeu o seu “dossel”, sua autoridade e seu poder de explicar a vida, a realidade e o mundo, conforme Berger (2003:145), tornando-se privatizada e ao gosto da escolha do indivíduo. Considerando o fato de a religião perdeu sua prerrogativa de explicar a vida nas suas mais variadas dimensões, para Reginaldo Prandi e Pierucci (1996) a sociedade não precisa dela para nada essencial ao seu funcionamento. De acordo com esses pesquisadores (1996:260), a sociedade recorre à religião apenas festivamente, o que contribuiu para que ela fosse passando processualmente para o âmbito do indivíduo, e deste, para a esfera do consumo e em conformidade as regras do mercado. Isso indica que a gestão empresarial foi incorporada pela religião, o que serviu para iniciar uma nova forma de lidar e administrar o sagrado.

Essa nova lógica está voltada para o melhor desempenho da organização, tanto em termos de atuação no mercado religioso, quanto no que se refere à satisfação imediata dos fiéis e demais indivíduos. E por isso quer Peter F. Drucker (1999:80) declara: nas instituições do tipo igreja, sem fins econômicos propriamente econômicos, o desempenho precisa ser planejado, o que requer uma competência especial no trabalho de gestão da organização. Ser competente na gestão de uma igreja, no entanto, significa atuar com eficiência e eficácia para se obter bons resultados, o que certamente, envolve a gestão do sagrado numa perspectiva empresarial. Além disso, um gestor competente comunica a visão, lidera pessoas para que sigam o caminho e ainda executa táticas administrativas que sejam úteis na resolução dos conflitos organizacionais.