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PARTE 2 – A IGREJA BATISTA DA LAGOINHA: IDENTIDADE E CULTURA

4.5. Religião, empresa e negócios

Na sociologia e mais especificamente na sociologia da religião, é antiga a ideia de que existe uma relação estreita entre economia e religião. Na verdade, a religião está inextricavelmente ligada a todos os aspectos da vida humana, aparecendo na cultura, na arte e na economia. Weber (2004 e 2004a) foi um dos primeiros sociólogos que, a partir de preocupações econômicas, demarcou a ligação entre economia e religião, interessando-se pelo estudo das organizações sociais, eficiência econômica, ética e valores religiosos. Weber, com suas análises, praticamente indicou o caminho que a religião institucionalizada iria tomar, isto é, o de uma corporação empresarial. Por isso, Weber (2004:32) denomina a empresa “uma ação contínua que persegue determinados fins”.

O caminho apontado por Weber de que a religião se tornaria uma corporação empresarial mantém-se aberto. Campos (2006:103-104) atesta este fato citando J. F. McCann (2003), R. P. Scherer (1980, 1972) e Nelson (1983, 1985, 1993), os quais afirmam que nos Estados Unidos os movimentos religiosos e seitas surgidas após os anos de 1960 são organizações multinacionais. Em outras palavras, houve uma ligação entre religião, negócios e empresas a ponto de tornar as organizações religiosas em corporações do tipo “exportação”. Isso significa que métodos, ferramentas e práticas comuns às empresas penetram nas organizações religiosas. Considerando estes aspectos à luz de Weber (2004), pode-se afirmar que a empresa é um elemento chave da racionalidade econômica encarnada no espírito do capitalismo.

Berger (2003), em sua análise histórica sobre a secularização, apresenta a ideia de que a esfera religiosa está se organizando numa espécie de mercado de bens simbólicos, e a partir dele, passa a obedecer às leis expansionistas empresariais e à lógica do capital. Apesar de ser criticada e acusada de reducionismo, a concepção de Berger tem o seu lugar nas análises da religião, pois, de uma certa maneira, aponta para a natureza mercantilista da religião e a

interligação entre religião, empresa e negócios. Por causa dessa interligação, o mercado passa a ser o mais importante condicionante da religião, pois da vida humana já o é, e nesta perspectiva, segundo Berger (2003:151-152) as instituições religiosas são impelidas aos resultados semelhantes das estruturas empresariais burocráticas.

Bourdieu (2005) e Berger (2003) reconheceram que a religião se mercantilizava e se organizava nos moldes de uma corporação de negócios e por isso incorporaram na sociologia da religião, tal como fez Laurence R. Iannaccone (1991) nos Estados Unidos, os conceitos de demanda, marketing, mercado de bens simbólicos, oferta e consumo. Nesse sentido, a partir dos elementos típicos do mercado capitalista, a religião assume novas formas de manifestação do antigo processo de mercantilização, o que segundo Negrão (2000:56) pode ser tido como fenômeno milenar. Como essa situação está se consolidando cada vez mais, há uma suspeita de que os acentos secularizantes e liberais da religião implicam numa novíssima forma de produção de sentido ou ainda de um modo antigo de gerar “alienação”.

O que é novo nesse processo são o encaixe e o imbricamento da religião com a lógica do mercado e dentro da sequência - desejos e necessidades - dos seguidores, “crentes” ou não, como consumidores. De acordo com Campos (1997:204), esse imbricamento acontece por que há uma força homogeneizadora do mercado sobre a religião, cujo resultado foi a transformação do campo religioso em mercado religioso e em um lucrativo negócio. Sem perder os seus antigos dogmas, a religião vai cedendo espaço a um novo dogma e este relacionado com o mercado religioso, com o individualismo e a “economia simbólica”. A presença desses elementos na religião e sua vivência pelos crentes se encaixam na ideia de “rebanho”, metáfora muito utilizada para indicar que os fiéis da igreja são “ovelhas”. Ou seja, alguém que se conduz/maneja/manipula com um “cajado” de um pastor ou de uma equipe de pastores que estão a serviço das organizações religiosas.

No caso em tela, a IBL, e na particularidade do assunto aqui analisado, o rebanho passa a ser “conduzido e comandado” por um “cajado” que unifica religião e mercado religioso73. Nessa direção, os crentes das igrejas devido a esse comando e a esta unificação passaram a ser vistos com um “rebanho de consumidores”. Isso mostra que a religião e a esfera religiosa, bem como as organizações que lidam com o sagrado se tornaram susceptíveis ao ambiente sócio-

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As expressões são colocadas entre aspas para não negar o caráter de liberdade experimentado pelo rebanho em termos de busca dos produtos que deseja consumir.

político-cultural que as circundam. Esse processo está diretamente relacionado com a secularização e modernização dos sistemas sociais, conforme Guerra (2003), e diz respeito à constituição da religião num tipo de mercado e/ou negócio. Sendo assim, Guerra afirma:

Em outros termos, podemos falar de um aumento significativo da demanda religiosa dos indivíduos sobre a dinâmica dos discursos e práticas religiosas, o que torna a atenção para com as variáveis que definem os estilos de vida, a cultura e mentalidade de cada época, uma atitude da qual dependerá o exercício da missão e a sobrevivência da organização religiosa no mercado (...) a pressão exercida pelo aumento dos níveis de competição no nível interno da esfera da religião, obriga as organizações religiosas a se especializarem na análise e interpretação da vontade dos fiéis em relação às características do produto religioso que querem consumir (GUERRA, 2003, p. 155).

O que se deseja enfatizar, antes de tudo, é que a relação entre religião, empresa e negócio quer fazer com que o “rebanho de crentes” entre no grande contingente de consumidores como um estilo de vida, cultura e mentalidade da época em que se vive, hoje. Neste contexto, há de salientar, ainda, que a ideia de “rebanho consumidor” não elimina a proposição de que cada “ovelha” ou cada indivíduo vá “livremente” em direção às mercadorias e bens da salvação que o sistema de produção religioso lhe oferece. Diga-se, “livremente”, pois, o indivíduo forçado, resistirá. Sendo livre, o indivíduo pode consentir em querer o que lhe dizem que deve querer enquanto “cidadão livre”, e como tal, segundo Negrão (2000:61), se habilitando para transitar pelo campo religioso desembaraçadamente e sem uma “adesão permanente” a uma igreja ou credo religioso. No que tange à religião, e não somente nela, ser um “cidadão livre” é ter, conforme Cunha (2007:47-48), o “direito de consumir e ser capaz de consumir”.

Em outras palavras, é pela afinidade entre religião, empresa e negócios que se está construindo um novo ethos para o campo religioso, as organizações religiosas e o ser humano. Essa afinidade significa que existe, de fato, no campo religioso, religiões tipicamente empresariais que desenvolvem suas ações do ponto de vista de uma empresa e de um negócio, o que está se configurando de forma complexa tanto na esfera econômica e empresarial quanto na religiosa. Com isso, o novo ethos do campo religioso vai estendendo seu domínio sobre igrejas e indivíduos, alterando, não os comportamentos de superfície, mas as próprias condições da subjetivação e da sua relação com as coisas, com os outros e consigo mesmo, segundo Lipovetsky (2007:24) e também com a religião.

Neste contexto, o relacionamento humano e os laços sociais em suas múltiplas dimensões passam a ser construídos em conformidade com os valores e o estilo de vida da sociedade do consumo. Reconhecemos que este é o repertório cultural da sociedade e que o consumo invade e toma conta de toda a vida e da vida toda e que o seu lugar é a vida cotidiana. Pelo fato de haver na sociedade do consumo uma carga simbólica grande e uma superestimação das coisas materiais, torna-se comum, conforme Featherstone (2007), que produtos, objetos e mercadorias sejam considerados simultaneamente não só como símbolos sociais, mas também como símbolos sagrados.

Apesar disso, Mendonça (2007:143) enfatiza que as religiões com características empresariais perdem sua natureza de comunidade, pois sua prestação de serviço aos “frequentadores”, que são seus “clientes”, é mediante a “recompensa pecuniária”. Nessa direção, Featherstone (2007:168-168) esclarece que as mercadorias mesmo tendo um uso real por parte de seus usuários, pela carga simbólica que possuem, elas adquirem uma certa sacralidade, embora não tenha resultado ainda “num eclipse geral do sagrado”. A relação entre religião, empresa e negócios, de fato, coloca em interseção os campos econômico e religioso, o que é fertilizado pela conexão entre religiosidade, “business” e otimização de resultados. Nesta perspectiva, religião, empresa e negócios que até os anos de 1980 eram territórios separados, não são mais, e podem ser considerados os novos híbridos da sociedade, do ambiente econômico e do campo religioso.

Devido a esse hibridismo e também à ideia de eficiência, a igreja e/ou a religião que deseja crescer, precisa articular o discurso religioso aos ditames empresariais. Além disso, precisa também se tornar uma organização competitiva, “depredar” e até mesmo destruir a concorrência, pois as outras religiões são os “adversários e inimigos” a serem vencidos. É por isso que muitas religiões ao se estruturarem, ora como uma igreja, ora como uma empresa e um ramo de negócios, tiveram que elaborar e/ou adotar a “teologia da guerra e da batalha espiritual”. Essa teologia é apresentada junto à corrente da “teologia da prosperidade”74, o que segundo Campos (1997:375), em sua avaliação acerca da IURD, serve diretamente aos interesses de acomodação da religião ao novo estágio econômico da sociedade. Segundo Hilario Wynarczyk (1995:152) a guerra espiritual é uma ideologia específica e um “dínamo” dos grupos neopentecostais. Na verdade, a corrente da teologia da prosperidade e a ideia de

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Essa teologia surgiu nos Estados unidos e pode ser pensada a partir de um conjunto de crenças, declarações e afirmações de fé para a obtenção de sucesso e melhoria de vida.

batalha espiritual são usadas para estabelecer uma de guerra permanente contra as “potestades do mal” e também para atrair novos seguidores e gerar crescimento na organização.

Em se tratando da relação entre religião, empresa e negócios, há aquelas igrejas que são grandes corporações empresariais, tal como apontou Campos (1997) em sua análise acerca da IURD. Outras, porem, são empresas menores, e este é o caso da IBL, mas, que devido à implementação de modernos sistemas de administração, difusão e comunicação, estão ampliando sua área de atuação, seus negócios e seus empreendimentos empresariais e religiosos. Para tanto, a partir da relação estreita entre religião, empresa e negócios, a IBL vem adotando a lógica da racionalidade e a “frieza da matemática”, e como tal, sacraliza a religião de mercado e também o mercado da religião. Entretanto, mesmo apresentando tais matizes, é contraproducente descaracterizar a IBL e as demais organizações religiosas como se elas não tivessem um caráter religioso.