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A GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA E A CONFIGURAÇÃO DO NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO PÓS-INDUSTRIAL (PÓS-

Foto 5 e 6 – Vista aérea da disposição das benfeitorias em algumas propriedades rurais.

2. A MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO ESPAÇO RURAL E NA AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA

2.3 A GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA E A CONFIGURAÇÃO DO NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO PÓS-INDUSTRIAL (PÓS-

1990)

Em épocas passadas, quando os meios de transporte e os veículos de comunicação eram precários, havia a dificuldade natural de intercâmbio cultural entre os povos. Por esta razão as técnicas desenvolvidas para serem utilizadas nos processos produtivos surgiam como resposta a realidades distintas e interesses específicos, geralmente ficando limitadas aos nichos sociais que as desenvolveram. A difusão das inovações tecnológicas era lenta e a busca de soluções para problemas semelhantes realizada isoladamente. Isto significa dizer que, de forma individualizada, cada grupo social utilizava os recursos de que dispunha e recorria as suas próprias experiências de vida (aqui grosso modo identificado como cultura179) na busca de subsídios que os auxiliassem na superação de um dado problema o que, como resultado, acabava por consolidar ainda mais os seus traços culturais. Considerado deste modo, para um mesmo problema surgiam diferentes tipos de solução, cada qual associada às características culturais do grupo social que a desenvolveu/encontrou. No período contemporâneo, ao contrário, os avanços na área dos transportes e dos meios de comunicação permitem que o conhecimento técnico/científico – sobretudo o gerado pelos grandes conglomerados industriais – seja mais agilmente difundido, não se limitando apenas às sociedades que lhe originou. Com o advento da revolução industrial, gradativamente o setor industrial foi se consolidando como o principal agente fomentador de inovações tecnológicas, investindo no desenvolvimento de bens que pudessem ser utilizados indistintamente por todos os povos.

Assim, se antes os avanços tecnológicos estavam voltados a atender as necessidades ou a superar os problemas de espaços delimitados, atualmente os investimentos realizados pelo setor industrial visam muito mais do que simplesmente a resolução de um dado problema via desenvolvimento de uma nova tecnologia: o objetivo é o retorno financeiro que tal tecnologia irá redundar para a indústria que a desenvolveu. Tendo por base esse objetivo, o capital industrial se

179

No Dicionário Aurélio, o verbete “cultura” apresenta, entre outras, a seguinte conotação: “O complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e doutros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade; civilização: a cultura ocidental; a cultura dos esquimós”.

estruturou de forma a disseminar rapidamente as novas tecnologias por todo o mundo, sendo esta a principal característica das empresas multinacionais na atualidade.

Abordando este assunto, Oliveira destaca que nos dias atuais dificilmente encontrar-se-á uma nação que não acolha em seu território uma empresa multinacional, situação que deixa perfeitamente assinalado que o mercado das multinacionais não se restringe apenas aos países industrializados. Com isto o centro do capitalismo deixa de necessariamente se situar nos países ricos e passa a se localizar em todo o lugar do mundo em que essas empresas venham a se instalar. Assim, o centro tanto está em Nova Iorque, Tóquio, Paris, Londres, como em Buenos Aires, México, São Paulo, etc. O processo de mundialização do capital se pautou, portanto, na integração do capital em escala mundial e teve como base a geração de empresas que atuassem simultaneamente em vários países, mediante a instalação de filiais. Tal fenômeno é mais notado no período que sucede à Segunda Guerra Mundial quando o desenvolvimento do capitalismo se efetiva via consolidação dos oligopólios internacionais, os quais deram origem às empresas multinacionais (sejam cartéis, trustes ou monopólios industriais e/ou financeiros). Com base no exposto, Oliveira sustenta que o que caracteriza o capitalismo monopolista de fins do século XX é a busca de produzir em qualquer parte do mundo onde as possibilidades de acesso à tecnologia e redução de custos sejam viáveis. 180

Em suma, a nova ordem econômica imposta pelo desenvolvimento industrial retirou dos atores locais a condição de serem os precursores de seus próprios destinos, tornando-os apenas mais uma das peças que movimenta a imensa máquina capitalista global.

Diante deste quadro, nas últimas décadas formou-se uma consciência generalizada, em todos os níveis da população, de que o mundo está “globalizado” e que as ações de outros países repercutem no nosso, e vice-versa.

Com a intensificação da globalização da economia as sociedades gradativamente foram perdendo os seus referenciais socioeconômicos, passando a se integrarem de forma crescente à grande “aldeia global”. Os padrões de produção

180

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Campesinato e agronegócio: uso da terra, movimentos sociais e transformações no campo. In: Debaixo da lona: tendências e desafios regionais da luta pela

posse da terra e da reforma agrária no Brasil. Orgs.: Antônio Maurílio Alencar Feitosa, Janete

locais cederam espaço aos pacotes tecnológicos oriundos de alguns poucos países industrializados, que passam a subordinar e a impor uma nova dinâmica produtiva em todas as regiões do planeta. Depreende-se daí que o setor industrial imprimiu um novo padrão de produção mundial, centrado na padronização tecnológica, retirando não só poder dos atores sociais envolvidos no processo em decidirem o quê e como produzir, mas, também, influenciando para que as relações de produção se voltassem ao atendimento de outros interesses que não os da sociedade em que estes atores estão inseridos. Como desdobramento da incorporação das novas tecnologias disponibilizadas pelo setor industrial nas atividades produtivas, inexoravelmente muitas das atividades que eram desenvolvidas pelo trabalho humano passaram a ser executadas por máquinas.

Particularmente no campo, onde as relações entre o homem e o mundo natural eram mediadas pelo emprego das forças internas às lógicas produtivas locais e onde, segundo Marx, “ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil a sua própria vida” 181, a incorporação das inovações tecnológicas provocaram intensas modificações nos sistemas produtivos. Entre as modificações provocadas pela expansão das relações capitalistas no campo, talvez as mais significativas sejam as que dizem respeito ao uso de equipamentos motomecanizados e insumos químicos nas rotinas laborais dos agricultores, cuja expansão foi mediada e incentivada pelas indústrias multinacionais, as quais contaram com o amparo e o estímulo do poder estatal para a implementação das novas tecnologias. Com efeito, tais componentes promoveram um novo ritmo às atividades agrícolas possibilitando não só o aumento da produtividade, mas também o da produção, tendo porém como revés uma série de problemas, que vão desde a destruição dos ecossistemas onde tais atividades são desenvolvidas, a desqualificação do bens agropecuários produzidos até a perda gradativa do conhecimento que os produtores rurais detinham sobre as técnicas tradicionais de trabalho.

E foi essencialmente devido a expansão das relações capitalistas no campo que ocorreram transformações significativas nos espaços agrários. Conforme lembra Corrêa, o gradual desenvolvimento e implantação das indústrias

181

MARX, Karl. (a) O capital: crítica da economia política. Os economistas, 3a ed., São Paulo/SP: Nova Cultural, 1988, p. 149.

produtoras de insumos químicos e maquinários conjugado com a modernização/instalação de alguns ramos agroindustriais no país, foram responsáveis por uma profunda reorganização no espaço produtivo nacional, expresso por especializações agrícolas que se configuraram nas diversas regiões do território brasileiro. 182

Em decorrência da mudança na base tecnológica utilizada no setor produtivo agropecuário, houve uma sensível transformação da paisagem rural (introdução de novas variedades de cultivos/tendência à especialização agrícola) o que, em determinados aspectos, acabou interferindo até na própria identidade do trabalhador rural.

Como resultado deste processo, observa-se que o desenvolvimento tecnológico pelo qual passaram as áreas rurais e urbanas dos municípios brasileiros – e que foram mediados pelos princípios que regem o modo de produção capitalista –, imprimiu um novo modus vivendi nas camadas sociais da população, gerando conflitos e tensões, competitividade e exclusões. O próprio termo “desenvolvimento” traz em si uma ambigüidade. Scheibe & Buss discorrem sobre esta questão, abordando o caráter paradoxal do conceito de des(-)envolvimento. Para estes autores, o termo

DESENVOLVER é na sua origem um conceito negativo, como ‘DESAROLLAR’, ‘DEVELOPPER’, ‘TO DEVELOP’, ‘SVILUPARE’, ‘ENTWICKELN’. E em todos esses idiomas o sentido literal é o de tirar do invólucro, do envelope, do pacote. Desembrulhar, desenovelar. Só por extensão, e em analogia talvez com o processo germinativo da semente, é que surge o significado hoje dominante, de ‘fazer crescer ou medrar, que progrida, aumente, melhore, se adiante; tornar maior ou mais forte, crescer... ’ (Ferreira, 1a ed., p. 452-3; grifo nosso). Durante muitos anos, a idéia de desenvolvimento esteve pois para a grande maioria dos técnicos e cientistas, pelo menos no mundo ocidental e certamente também na União Soviética, diretamente associada à idéia de melhoria. 183

Seguindo o raciocínio destes autores, pode-se inferir que na medida em que ocorre o desenvolvimento de máquinas e equipamentos destinados aos setores produtivos – as quais introduzem profundas modificações no modo de produzir – paralelamente ocorre o des(-)envolvimento dos artífices com as técnicas tradicionais

182

CORRÊA, Walquíria Krüger, op. cit., p. 36.

183

SCHEIBE, Luiz Fernando & BUSS, Maria Dolores. O desenvolvimento e a qualidade ambiental da região sul catarinense. In: Anais do Encontro Nacional de Estudos Sobre o Meio Ambiente (ENESMA), 4. Cuiabá/MT. UFMT, 1993, v. 1, p. 397-402.

de trabalho, situação que conduz à inevitável perda do conhecimento e domínio que detinham sobre as atividades envolvidas no processo produtivo.

De forma análoga, este assunto também foi abordado por Paulilo, que relata ter detectado a preocupação entre alguns agricultores da região sul de Santa Catarina com a dependência que a máquina cria. Para a autora,

Desaprender a trabalhar é mais fácil que aprender. Portanto, nesse momento em que os juros estão altos e o preço do óleo diesel e das peças de reposição das máquinas também subiram, os entrevistados temem que, na impossibilidade de se poder manter o mesmo padrão de mecanização, poucas famílias consigam, ainda, trabalhar como antes.184

Em se tratando do setor agropecuário, o lado perverso da modernização é que quanto mais ela avança, menos conhecimento o agricultor detém de sua atividade produtiva, uma vez que a rapidez com que são desenvolvidas novas técnicas e novos produtos faz com que o agricultor nem chegue a ter tempo suficiente para a assimilação e retenção do conhecimento recém implementado e já existem outros sendo difundidos. O distanciamento dos produtores rurais das técnicas tradicionais de trabalho em função do envolvimento com o novo padrão de produção nos moldes proposto pelo capital industrial faz com que percam a sua autonomia produtiva e se subordinem cada vez mais a fatores de produção externos às suas unidades produtivas sendo que, conforme sugere Wanderley, nestas condições os camponeses não sejam mais do que meros trabalhadores para o capital. 185

Na pesquisa de campo, foi identificado que alguns agricultores sentem este problema principalmente em relação ao uso de produtos agrotóxicos. Conforme atesta o agricultor D. M., “a cada safra surge um tipo novo de veneno que a gente não sabe como utilizar e tem que pedir explicação para o pessoal da agropecuária.” 186 Assim, ao ocultar o conhecimento tradicional, e tentar compreender o que não compreende, e que não é compreensível porque está sempre em mutação, o produtor familiar se distancia cada vez mais das suas raízes e perde o que ainda lhe resta de autonomia.

184

PAULILO, Maria Ignez Silveira, (a), op. cit., p. 81.

185

WANDERLEY, Maria de Nazareth B. (a) O camponês: um trabalhador para o capital. Cad. Dif. Tecnol., Brasília, 2(1): 13-78, jan./abr. 1985, p. 38.

186

Tomando-se por base os estudos efetuados por Antonello acerca do papel desempenhado pelo desenvolvimento tecnológico no que tange a reestruturação dos sistemas produtivos, torna-se claramente perceptível que a força destruidora da tecnologia sobre o mundo do trabalho humano cresce no período que sucede a Segunda Guerra Mundial quando “ergue-se com todo ímpeto a força do capital, materializada nas altas taxas de crescimento econômico, vivenciado a partir dos anos 50. Tal fato é acompanhado da ampliação do setor produtivo, e, portanto, do número de operários, concentrados nas indústrias de produção em massa” 187 que tinham na linha de montagem a sua principal característica. 188

No sistema de produção em série, a valorização da força física prescindia a qualificação mental do trabalhador, pois o que interessava era que o indivíduo se adaptasse tão somente às tarefas rotineiras predeterminadas, tornando-se, nos termos de Antonello, um “trabalhador-mecânico”. Nesse sentido, em várias partes do mundo – inclusive no Brasil –, o produtor rural passou a ser identificado como o tipo ideal de mão-de-obra a ser empregada nas linhas de montagens industriais, sendo efetivamente utilizado para este fim. Com relação ao desenvolvimento do parque industrial do Estado de Santa Catarina, mais precisamente o da cidade de Joinville, Niehues faz referência a esta questão, registrando o papel desempenhado pelas indústrias para arregimentar força de trabalho humana junto às populações rurais dos municípios sul-catarinenses (e, entre estes, o município de São Ludgero). Com base em relatos obtidos em entrevistas com operários de indústrias joinvillenses, a autora destaca que “as empresas preferiam admitir os trabalhadores rurais, por serem mais eficientes, mais fortes e, por estarem acostumados com o trabalho duro na roça, enfrentavam qualquer tarefa”. 189

O modelo de crescimento centrado na produção em massa implicava na necessária e indispensável geração de um amplo mercado consumidor para os produtos industrializados, sendo que a clientela alvo para venda destes produtos seriam os próprios trabalhadores. Para tanto, os governos dos países de capitalismo avançado passaram a incentivar a expansão da produção agrícola sustentada no

187

ANTONELLO, Ideni Terezinha. A metamorfose do trabalho e a mutação do campesinato. São Cristovão/SE: NPGEO, UFS, 2001, p. 9.

188

Esse modelo de produção industrial ficou conhecido como Fordismo, uma vez que foi Henry Ford o pioneiro em instalar a linha de montagem em suas fábricas de automóveis, estabelecendo o processo de divisão de trabalho.

189

NIEHUES, Valdete Daufenback. De agricultor a operário: lembranças de migrantes. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em História, UFSC, 2000, p. 17.

progresso tecnológico e no trabalho coletivo familiar, de forma a diminuir o peso do custo alimentar no orçamento dos operários. Segundo Veiga, isto já vinha ocorrendo (...) a partir dos anos 30, nos Estados Unidos, e meados dos anos 50, na Europa. As despesas com alimentação deixaram de ter tanta importância nos orçamentos, enquanto uma parte crescente passava a ser consagrada aos bens duráveis, exatamente os produtos que estavam associados aos altos ganhos de produtividade. 190

Esse modelo de produção industrial entra em colapso partir de meados da década de 1960, quando as quedas das taxas de crescimento econômico e da produtividade do trabalho, associadas aos dois choques do petróleo que ocorreram na década seguinte, agravaram a recessão dos países desenvolvidos.

Mediante o esgotamento do padrão fordista de produção, durante as décadas de 70 e 80 emerge um novo regime de acumulação e de regulação social e política, conhecido tanto pela denominação de “acumulação flexível” como de “pós- industrial”, que é caracterizado por entrar em confronto direto com a rigidez do fordismo. 191 Sobre o desenrolar deste fenômeno, Graziano da Silva & Del Grossi comentam que

Nos países mais desenvolvidos observa-se a emergência de um novo paradigma técnico-produtivo, também chamado pós-industrial, demarcado pela elevação do conteúdo tecnológico e pela redução no tamanho das plantas industriais, e conseqüente queda relativa dos empregos no setor industrial da economia. Assiste-se ainda a proliferação de empresas prestadoras de serviços técnico-produtivos especializados por toda a economia. 192

e acrescentam que tais mudanças já são sentidas no Brasil.

Aqui cabe uma reflexão sobre o que foi referenciado por estes autores. Vários estudos já demonstraram que a modernização dos sistemas produtivos resultou na redução dos postos de trabalho ocupados pelo homem. Que o desenvolvimento tecnológico tem promovido a crescente substituição do trabalho humano nas linhas de produção industriais é um fato consumado e irrefutável. No entanto há uma face nesse processo que merece uma atenção especial. Se nos ativermos à lógica de produção capitalista, perceberemos que necessariamente deve haver uma correspondência entre produção/comercialização, ou seja, os bens produzidos devem ser colocados em circulação mediante a venda. Assim, de nada

190

VEIGA, José Eli da, apud ANTONELLO, Ideni Terezinha, op. cit., p. 11.

191

ANTONELLO, Ideni Terezinha, op. cit, p. 13.

192

GRAZIANO DA SILVA, José da & Del GROSSI, Mauro Eduardo. O novo rural brasileiro. ORNAS – Ocupações Rurais Não-agrícolas. In.: Anais Oficina de Atualização Temática. Londrina/PR, 17 a 19 de outubro de 2000, p. 165.

adiantaria uma indústria investir na produção de bens de consumo sem que houvesse um mercado consumidor (compradores) para os mesmos.

Partindo deste princípio mercadológico básico julgamos que, por mais interesse que o capital industrial possa ter em substituir o trabalho humano pela informática e robótica (seja para reduzir custos ou maximizar a produção), isto se dará até o momento em que existam alternativas para ocupar a mão-de-obra que está sendo excluída do processo produtivo em função da modernização tecnológica das atividades.

Avaliamos que, da mesma forma como durante o período industrial foram promovidas ações políticas com vistas a levar os trabalhadores das áreas rurais para os pólos urbanos emergentes, transformando-os em “trabalhadores-mecânicos” nas linhas de montagem industriais, cumprindo o duplo papel de serem operários e consumidores dos bens industrializados, o mesmo se dá no período pós-industrial sendo que, no entanto, de forma inversa. O discurso e as ações políticas agora estão voltados para a revalorização não só das áreas periféricas aos centros urbanos, mas, também, dos espaços campestres.

Sem a geração de renda não há como a população adquirir os produtos industrializados. Ora, em não havendo mais espaço para absorção e nem para a ocupação da população rural nos centros urbanos, torna-se de grande interesse das indústrias e do poder público que sejam criados mecanismos de incentivo à permanência da população nas áreas periféricas (bem como o retorno aos campos dos que hoje se acham excluídos nas grandes metrópoles), não só para ali continuarem residindo, mas também para se ocuparem em atividades as mais diversas, de forma a gerarem a renda indispensável ao consumo de bens industrializados.

Neste aspecto, é importante lembrar que até mesmo as grandes indústrias estão demonstrando interesse e optando por transferirem parte de seus processos produtivos para as áreas afastadas dos centros urbanos, uma vez que nestes locais os procedimentos tendem a serem mais vantajosos em termos de lucratividade. De acordo com Graziano da Silva & Del Grossi, isto ocorre como “forma de minimizar custos (proximidade da matéria-prima, mão-de-obra menos

onerosa e não sindicalizada, impostos, etc.) ou externalidades negativas (poluição, fuga dos congestionamentos, etc.)”. 193

No processo de descentralização das atividades industriais os espaços rurais sofreram um processo de revalorização, não sendo mais vistos apenas como locais de produção de alimentos e de matérias primas, mas como espaços viáveis para a reprodução do capital sob as mais diversas formas, razão pela qual passaram não só a ser cobiçados, mas efetivamente utilizados para a instalação e desenvolvimento de uma série de atividades produtoras de bens e serviços típicos das áreas urbanas, inclusive de atividades vinculadas diretamente ao setor industrial. Com o desenrolar deste evento, por todos os cantos do planeta assiste-se uma acirrada disputa entre as mais variadas escalas de poder governamental (no plano internacional a concorrência se estabelece entre os países e no nacional esta ocorre entre Regiões, Estados e Municípios) pela atração do capital industrial.

Em relação a esta questão, Veiga comenta que foi a partir dos anos 1990 que ocorreu “uma fortíssima exacerbação da concorrência entre territórios pela atração de investimentos externos (...) período em que mais de uma centena de nações optaram por estimular o investimento direto multinacional”. Na mesma página, alerta ainda o autor que, “se quiser ser competitivo, qualquer espaço nacional ou regional também precisa ser atraente.” 194

Dessa forma, as relações socioeconômicas que se desenvolvem em determinados espaços muitas vezes são frutos de interesses outros que não o da população local, não sendo raras as situações em que ações promovidas por agentes externos modificam completamente o cotidiano das comunidades, fazendo desaparecer, em poucos anos, um modo de vida baseado e consolidado nas