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Novos rumos para a agricultura familiar no Brasil a partir da década de 1990: o PRONAF em discussão.

Foto 5 e 6 – Vista aérea da disposição das benfeitorias em algumas propriedades rurais.

2. A MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO ESPAÇO RURAL E NA AGRICULTURA FAMILIAR BRASILEIRA

2.2 MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA: A INTERVENÇÃO DO ESTADO E AS IMPLICAÇÕES NA PRODUÇÃO FAMILIAR (1960-1980)

2.2.1 Novos rumos para a agricultura familiar no Brasil a partir da década de 1990: o PRONAF em discussão.

O modelo de produção agropecuário que vigorava no campo brasileiro até o início da década de 1990 – bem como as políticas públicas a ele direcionadas –, vinha recebendo severas críticas de vários segmentos da sociedade civil que defendiam uma nova estratégia de desenvolvimento rural sob o argumento de que a agricultura patronal, apesar de ser a mais valorizada pelos órgãos estatais, estava empregando cada vez menos trabalhadores, situação que acentuava a concentração de renda e a exclusão social dos trabalhadores rurais.

Em particular, na esfera acadêmica estudos efetuados por profissionais das mais diversas áreas apontavam para a necessidade de urgentes mudanças na política agrícola vigente a fim de que fossem criadas oportunidades para que os pequenos produtores rurais recebessem maiores incentivos no que diz respeito ao acesso ao crédito agrícola, de forma a que pudessem modernizar os seus sistemas produtivos e, com isto, aumentar suas chances de permanecerem na atividade.

O insuficiente apoio institucional ao pequeno produtor familiar estava levando que inexoravelmente muitos deles tivessem que recorrer ao sistema de integração às agroindústrias como uma alternativa de sobrevivência, situação que os levava perder a sua autonomia produtiva e a se sujeitarem a todo tipo de exploração. Para esta categoria de agricultores a integração representava não só uma forma de assegurar a obtenção de meios de produção mais eficientes – e com isto propiciar o aumento da produtividade da atividade desenvolvida -, mas também, e principalmente, se constituía numa alternativa mais segura de conseguir um espaço no mercado consumidor, uma vez que eram cada vez maiores as dificuldades do escoamento da produção, dado que as grandes empresas industriais e/ou comerciais vinham monopolizando a rede mercantil. 159

Neste sistema, o pequeno produtor rural é contratado pela agroindústria para o fornecimento de um determinado produto, devendo entregá-lo dentro de prazos e condições impostas pelo contratante. Na maioria dos casos a empresa

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entra apenas com a assistência técnica, estabelecendo a forma e o ritmo da produção, não raro impondo ao contratado a aquisição de insumos industriais por ela produzida ou intermediada (rações, vacinas, antibióticos, equipamentos, etc.). Além disso, no sistema de integração, o empresário se vê livre dos pesados investimentos em terra e instalações, dos encargos trabalhistas (devido esta forma contratual não ser considerada como assalariamento), bem como dos riscos naturais inerentes à produção rural (variações climáticas, pestes e outros fatores que podem conduzir a grandes prejuízos na atividade).

Nos estados sulinos, onde a agricultura desde o seu primórdio se pautou na produção familiar, emergiram várias agroindústrias assentadas no sistema de integração. Em Santa Catarina, principalmente no Oeste Catarinense, no período em questão cresceram significativamente o número de pequenos e médios proprietários que se incorporaram às grandes empresas capitalistas, sobretudo as dedicadas ao abate e beneficiamento de aves e suínos. De acordo com Pizzolatti, não se pode dizer que os “integrados” (conforme passaram a ser identificados estes atores sociais) tenham perdido a sua condição de trabalhadores independentes embora inegavelmente tenham passado a ser subjugados, não por um proprietário de terra, mas pelo capital industrial. 160

Nestas condições, a modernização para muitos destes pequenos produtores rurais não veio de forma natural e nem como uma tomada de decisão individualizada. Aqueles que quisessem fazer parte da cadeia mercantil como “integrados” deveriam se adaptar às normas da empresa e investir na modernização tecnológica por ela sugerida. Esta era uma condição sine qua non para serem aceitos por aquela. Dessa forma, quem não se adaptasse ao modelo proposto pela empresa integradora não era aceito, e aqueles que no decorrer do processo se recusassem a modificar a base tecnológica conforme lhes fossem posteriormente recomendado, simplesmente eram excluídos do sistema sem receberem qualquer tipo de indenização pelo investimento efetuado na propriedade por imposição daquela.

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PIZZOLATTI, Roland Luiz. Os pequenos produtores do oeste catarinense: integrados ou entregados? Tese de Doutorado, USP, 1996.

Parece-nos, pois, bastante apropriado o comentário efetuado por Graziano da Silva quando diz que, em se tratando da forma como ocorreu o desenvolvimento do setor agropecuário do país,

A questão fundamental no caso brasileiro é que a modernização dos pequenos produtores se deu sob um regime político-institucional caracterizado pelo arbítrio, o qual impediu as suas organizações de exercerem uma postura reivindicativa. Assim, a tecnificação apenas garantiu a transferência de maiores excedentes do setor camponês para os capitais industriais e financeiros que o subordinavam. 161

O precário apoio institucional disponibilizado aos pequenos produtores rurais – e, como resultado deste, a existência de uma grande disparidade social no campo brasileiro – era constatado não apenas pelos críticos internos uma vez que, no plano internacional, o país vinha sendo freqüentemente citado como referencial negativo pelas instituições e organismos voltados a defesa das populações oprimidas. Para o Vaticano, por exemplo, o Brasil era apontado “como um exemplo de injustiça agrária, pois somente 1% da população detinha o controle de 44% das terras agricultáveis.” 162 No mesmo sentido, “o relatório anual do Banco Mundial – World Development Report – de 1990 considerava o favorecimento brasileiro aos grandes agricultores como não sendo socialmente eficiente”. 163

Aliado às críticas internas e externas havia ainda o compromisso assumido pelo governo brasileiro junto a ONU no sentido de tentar colocar em prática as deliberações resultantes da Assembléia Geral realizada em 1987, sobretudo no que dizia respeito a implementação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento rural sustentável. Neste sentido as atenções deveriam estar voltadas para a valorização das outras formas de produção que foge ao modelo produtivista representado pelo latifúndio agro-exportador.

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GRAZIANO DA SILVA, José, (d) Tecnologia & Agricultura Familiar. Porto Alegre/RS: Editora da UFRGS, 2003, 2. ed., p. 169. A esse respeito Pizzolatti fala que, no caso dos pequenos produtores rurais integrados do oeste catarinense, “a produção de aves e suínos é apropriada pelas grandes empresas através do seu preço estipulado e de outros mecanismos como os insumos básicos necessários ao criatório em alta escala.” (PIZZOLATTI, Roland Luiz, op. cit., p. 32)

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CADERNOS DO TERCEIRO MUNDO. Vaticano contra o latifúndio brasileiro. Rio de Janeiro/RJ: Editora Terceiro Mundo, ISSN 0101 – 7993 N. 206, março de 1998, p. 14.

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VILELA, Sérgio Luiz de Oliveira. Qual política para o campo brasileiro? Texto elaborado para apresentação no XXXV Congresso da SOBER. 03 a 07 de agosto de 1997, em Natal/RN., p. 4. Rede internet: http://www.cria.org.br/gip/gipaf/index.html Acesso em 21/09/2006.

A verdade é que, até o ano 1993, os órgãos de financiamento não abriam linhas de crédito direcionadas especificamente para a agricultura familiar. Aliás, o próprio conceito de agricultura familiar ainda não havia sido criado 164, sendo que os pequenos produtores rurais eram identificados como “mini-produtor” para efeito de enquadramento no Manual de Crédito Rural. Nestas circunstâncias, além de terem que disputar o crédito disponibilizado ao conjunto de produtores rurais brasileiros, os agricultores familiares eram obrigados a seguir a mesma rotina bancária para obter um empréstimo que tinha o perfil voltado ao grande produtor. 165

Mediante esta conjuntura, em meados dos anos 1990 o Governo Federal procura acalmar os críticos em relação à falta de uma política agrícola para o campo brasileiro instituindo, em 1994, o Programa de Valorização da Pequena Produção Rural (PROVAP) que trabalhava basicamente com créditos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Dois anos mais tarde este programa sofre modificações e passa a ser denominado de Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).

Entretanto, não se pode perder de vista que a atenção do governo se voltou para outras formas de produção além do latifúndio agro-exportador também (e principalmente) em função da luta dos pequenos produtores rurais em busca de apoio institucional. Se no passado, conforme relata Graziano da Silva, os pequenos produtores rurais não tinham espaço para se organizarem politicamente com vistas a exercerem uma postura reivindicativa, na década de 1990 este processo ocorreu de forma marcante. No período em questão, em várias partes do país (notadamente no Sul), os sindicatos da categoria passaram a exigir a implementação de políticas públicas que lhes proporcionassem melhores condições de acesso ao crédito agrícola de modo a que pudessem continuar na atividade. Assim, para muitos autores, entre estes Schneider, Cazella e Mattei, o Pronaf é um exemplo claro de

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De acordo com Schneider, o uso da expressão “agricultura familiar” nos estudos dos processos sociais rurais e agrários efetuados por acadêmicos brasileiros ganha vulto a partir do final da década de 1980 e, sobretudo, na primeira metade da década seguinte. Destaca o autor que, “a emergência da expressão agricultura familiar na literatura brasileira parece ocorrer, quase simultaneamente, em duas esferas distintas, no início da década de 1990. De um lado, no campo político, a adoção da expressão parece estar relacionada aos embates que os movimentos sociais, especialmente o sindicalismo rural ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), tiveram nas discussões acerca do espaço e o papel dos pequenos produtores rurais, especialmente os da Região Sul do Brasil, no processo de integração comercial e econômica dos países formam o Mercosul e, de outro, por intermédio de alguns trabalhos acadêmicos que passaram a buscar novos referenciais teóricos e analíticos, no referido período, e que introduziram a expressão.” (SCHNEIDER, Sérgio, (b), op. cit., pp. 29-30).

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política agrícola que foi implementada, sobretudo devido a pressão exercida pelos movimentos sindicais rurais junto ao Estado. 166

Criado em 1995 e institucionalizado através do Decreto Presidencial no 1.946, de 28 de junho de 1996, o Pronaf conta com recursos oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), dos fundos constitucionais de desenvolvimento (FNO, FNE e FCE) e da exigibilidade bancária. Ao comentar os objetivos propostos quando da implementação do Pronaf, Vilela tece o seguinte comentário:

Do ponto de vista dos objetivos, o Pronaf concebe que ‘por natureza, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar/Pronaf, é uma proposta de desenvolvimento rural que tem como propósito maior organizar as ações do governo, para que se criem e fortaleçam as condições objetivas para o aumento da capacidade produtiva, a melhoria da qualidade de vida e o pleno exercício da cidadania no campo como parte daqueles que integram o regime da agricultura familiar’ (Planaf, 1995:26). 167

A análise do texto acima leva a compreensão que a partir dos anos 1990 passou a existir uma preocupação dos órgãos governamentais em desenvolverem políticas voltadas ao pequeno produtor rural. Contudo, muito embora não se possa negar que no Brasil existam programas institucionais direcionados à agricultura familiar (como é o caso específico do Pronaf), também não se pode deixar de mencionar que, via de regra, tais programas não conseguem atingir os objetivos para os quais foram propostos. Apesar da riqueza de detalhes envolvidos na conformação do arcabouço teórico que dão sustentação a tais políticas, infelizmente constata-se que na prática estas não conseguem sair do papel. Os motivos que levam a esta situação podem ser relacionados ao fato de que

(...) qualquer projeto voltado para o setor agrário que não contemple os interesses da pequena parcela de produtores rurais mais poderosos, invariavelmente sofrem tantas modificações no percurso de sua implantação, que acabam minimizando, ou mesmo inviabilizando, o acesso dos agricultores familiares aos benefícios originalmente propostos em tais programas. 168

Passados menos de dois anos após o lançamento do Pronaf já existiam várias críticas entre os objetivos propostos e os efetivos resultados obtidos pelo Programa. As exigências impostas aos agricultores familiares para que tivessem

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SCHNEIDER, Sérgio, (b), op cit., pp. 31-32. Ver também: CAZELLA, Ademir Antonio; MATTEI, Lauro; SCHNEIDER, Sérgio. Histórico, caracterização e dinâmica recente do Pronaf – programa nacional de fortalecimento da agricultura familiar. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, XLII., 2004, Cuiabá. Anais... Cuiabá: 2004. 1 , CD-ROM.

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VILELA, Sérgio Luiz de Oliveira, op. cit., p. 14.

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acesso ao financiamento eram muitas. Primeiro o agricultor tinha que comprovar que se enquadrava dentro da categoria “agricultor familiar” que, para efeitos de acesso ao Pronaf era caracterizado através dos seguintes critérios: possuir 80% da renda originária da agropecuária; deter ou explorar imóvel rural em área de até quatro módulos fiscais; explorar a parcela de terra na condição de proprietário, parceiro, arrendatário ou posseiro; utilizar mão-de-obra exclusivamente familiar ou manter até dois empregados permanentes; residir na propriedade ou em aglomerado rural ou urbano próximo; possuir faturamento máximo anual de R$ 27.500,00. Uma vez atendendo estes requisitos, o produtor familiar que desejasse obter financiamento via Pronaf tinha ainda que apresentar junto ao órgão financiador os seguintes documentos: apresentação de orçamento; plano ou projeto agropecuário; comprovação da aquisição de insumos; comprovação do pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR) e a adesão obrigatória ao zoneamento agrícola. Em razão de terem que atender a todos estes requisitos para obterem o financiamento, o número de produtores rurais beneficiados nos primeiros anos pelo Pronaf foi inexpressivo, o que contribuiu para que fosse duramente criticado. 169

Para Vilela, alguns dos problemas que desvirtuaram os objetivos do Pronaf e dificultaram o seu pleno desenvolvimento estavam associados aos seguintes fatores: não foi resguardado o direito dos agricultores indicarem um número suficiente de representantes para atuarem junto aos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural, Conselhos Estadual e Nacional e as Secretarias Executivas Estaduais e Nacional do Pronaf. Em razão da pouca representatividade, as organizações de agricultores não tiveram poder de decisão junto a estes órgãos, o que tornou praticamente nula qualquer tentativa dos agricultores familiares fazerem prevalecer a sua vontade na votação de matérias que lhes fossem de interesse. Uma outra questão diz respeito ao maior poder do sindicato patronal que, contrariando o que ficou decidido no 5o congresso da CONTAG, realizado em 1995 (no qual havia ficado estabelecido que as famílias que possuíssem empregados permanentes não deveriam ser consideradas como agricultores familiares) conseguiu impor que as pequenas propriedades que possuíam até dois empregados permanentes, também pudessem se beneficiar dos recursos provindos do Programa. Para os agricultores familiares, a possibilidade dos produtores patronais

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terem acesso ao Pronaf tornou-se um problema na medida em que passaram a ter que dividir os recursos financeiros do Programa com um universo maior de interessados, além de correrem o risco de não terem acesso a esses recursos, devido o menor poder de negociação que têm junto ao governo, se comparado ao que possuem os produtores patronais. Já no que diz respeito ao crédito bancário, o autor destaca que o problema estava relacionado ao fato dos bancos não terem interesse em financiar os agricultores através do Programa uma vez que, por não terem garantias a oferecer pelo empréstimo a ser concedido, os produtores familiares são considerados um investimento de risco. Além desses fatores, Vilela ainda menciona que o Manual de Crédito Rural impunha aos agricultores uma série de exigências para terem acesso ao Pronaf, o que, para muitos, significava a exclusão do processo, em função das suas condições de paupérrimos. Por outro lado ressalta que, mesmo entre os agricultores que poderiam se beneficiar do Programa existia certa resistência em participarem do processo, seja por receio de perderem a propriedade em caso de inadimplência ou porque ficavam assustados diante do prazo da dívida, que ia de 6 a 12 anos de carência. 170

Por sua vez, Altmann chama a atenção para o fato de que mesmo levando em consideração as investidas do Governo no sentido de tentar implementar políticas visando tornar menos gritantes as diferenças socioeconômicas presente no campo brasileiro, os mecanismos utilizados para este fim ainda careciam de aperfeiçoamento, posto que ainda estavam longe de contemplar os interesses dos pequenos produtores rurais. Especificamente em relação ao Pronaf, o autor comenta que

Muito embora as alterações recentes no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf – representem um aperfeiçoamento na política agrícola do governo federal, ainda estão longe de atender as necessidades das pequenas explotações agrícolas familiares. 171

O comentário efetuado por Altmann há mais de uma década poderia perfeitamente ser transportado para contextualizar o alcance e os benefícios proporcionados pelo Pronaf junto ao público alvo nos dias atuais. Não há dúvidas que este Programa proporcionou melhores condições de acesso ao crédito a uma

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VILELA, Sérgio Luiz de Oliveira, op. cit., pp. 15-16.

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ALTMANN, Rubens. A agricultura familiar e os contratos: reflexões sobre os contratos de integração, a concentração da produção e a seleção de produtores. Florianópolis/SC: Gráfica Editora Pallotti, 1997, pp. 94-95.

grande parcela de produtores rurais até então marginalizados no sistema de financiamento bancário. Entretanto, ainda resta muito a ser feito para que se possa afirmar que as políticas públicas em vigor estão atendendo a contento os anseios da pequena produção familiar. Não sem razão, mesmo após a criação do Pronaf e a despeito dos resultados por ele apresentado, setores organizados da sociedade continuam cobrando maiores investimento estatal direcionados aos pequenos agricultores.

Entre os críticos que continuam defendendo a necessidade de aprofundarem-se as mudanças efetuadas no setor agropecuário brasileiro com vistas a priorizar a agricultura familiar, destaca-se Veiga, segundo o qual “é preferível ter muitos agricultores familiares e poucos bóias-frias, a ter um punhado de ‘reis’ do gado ou da soja”. 172

Na opinião deste autor,

É inimaginável que a sociedade brasileira não venha a se dar conta do preço que está pagando por acreditar no mito da maior eficiência da agricultura patronal. Um dia acabará percebendo que a periclitante eficiência alocativa de um punhado de “reis” do gado, da cana, do arroz ou da soja, nem de longe compensa a sua absurda ineficiência distributiva. 173

Não há o que discordar da opinião de Veiga acerca da necessidade de efetuar-se mudanças nas políticas voltadas ao setor agropecuário, posto que já está mais do que demonstrado que o “sucesso” do agronegócio tão alardeado pelo governo na forma de dados estatísticos sobre a crescente exportação de produtos agrícolas não reflete a verdadeira situação social presente no campo brasileiro, uma vez que estes dados procuram esconder o outro lado da moeda, qual seja, o fato de que as safras recordes são obtidas à custa da exclusão social de milhões de trabalhadores rurais. A recorrência do governo em divulgar dados estatísticos sobre a evolução da economia e a participação do setor agropecuário no superávit da balança comercial é compreensível na medida em que estes são factíveis de manipulação ou de interpretações direcionadas a atender os interesses de quem os utiliza. Dessa forma, mesmo que os dados estatísticos apontem para um aumento significativo na área de cultivo, no aumento da produtividade e na expansão das exportações, isso não significa dizer que as safras recordes representem um efetivo

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VEIGA, José Eli da. (a) Cidades Imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se calcula/José Eli da Veiga – 2. ed. – Campinas/SP: Autores Associados, 2003, p. 151.

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avanço no setor produtivo agropecuário do país em se tratando da descentralização produtiva e muito menos no que diz respeito à distribuição da renda auferida com as exportações. Mais do que isto, não se pode perder de vista que a utilização de dados estatísticos quase sempre tendem a privilegiar elementos facilmente quantificáveis (área, volume, quantidade, etc.), o que de certa forma estorvam a percepção de outros aspectos importantes envolvidos no processo. Nesse sentido, os dados estatísticos apresentados pelo governo via de regra não refletem a real situação do campo brasileiro, uma vez que elementos como “aspirações”, “desesperanças” e “desilusões” não são facilmente quantificáveis em dados numéricos, embora estejam presentes e se manifestem entre a grande maioria dos produtores rurais do país.

Em relação ao comentário de Veiga, mesmo levando em consideração que a citação acima é parte de um artigo originalmente escrito para publicação no jornal O Estado de São Paulo – e, portanto, dirigido ao público de uma forma geral –, avaliamos que o autor poderia fazer uma ressalva de quais são os atores da “sociedade brasileira” que ele diz estarem alheios ao alto preço que têm que