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Foto 5 e 6 – Vista aérea da disposição das benfeitorias em algumas propriedades rurais.

3. A AGRICULTURA QUE PERSISTE NO INÍCIO DO SÉCULO

3.1 OS INSATISFATÓRIOS MARCOS DELIMITADORES DO RURAL

Durante muito tempo os estudos efetuados em relação aos fenômenos afetos aos espaços rurais tinham por base os pressupostos teóricos de autores clássicos (a exemplo de Marx e Weber), os quais privilegiavam o recorte urbano/rural como resultado de um conflito entre as duas classes sociais que surgiram a partir do progresso das forças capitalistas que gradativamente foi desestruturando o sistema de produção feudal. Nesse sentido, a dicotomia urbano- rural nada mais era do que a representação da própria divisão da sociedade em duas classes sociais: de um lado os que contribuíram no processo de consolidação do capitalismo e, do outro, os que se opunham a ele na Europa do século XVII. Como resultado desta diferenciação – ou da disputa entre estas duas classes –, passa-se a identificar o “urbano” como sendo o “novo”, no sentido que era nos espaços urbanos que emergia o “progresso” capitalista representado pelo surgimento e expansão de fábricas; já a classe dos proprietários rurais (o “rural”) passou a ser identificado como o “velho” e com o “atraso” na medida em que se opunham ao progresso proposto pelas forças sociais urbanas. 198

Fica evidenciado, portanto, que esta maneira de distinguir os dois pólos em questão (urbano / rural) acabou por consolidar uma imagem negativa de um deles – o rural – que freqüentemente e de forma generalizada tem sido definido como o lugar do não-desenvolvimento, da estagnação e do conservadorismo. Não só no caso brasileiro, mas também nos demais países latinos americanos, este tipo de visão foi fundamental para a implementação do modelo produtivista atualmente vigente e que tem provocado grandes distorções de ordem socioeconômica e ambiental nos espaços rurais.

Conforme Anjos & Caldas, foi justamente tomando por base esta representação da ruralidade que os países da América Latina se valeram para legitimar suas opções pelo chamado “viés urbano” no que diz respeito à alocação de recursos públicos e privados, negando à população residente em pequenas localidades não só o investimento em infra-estrutura que possibilitasse sua

198

GRAZIANO DA SILVA, José. (c) O novo rural brasileiro. Artigo publicado na revista Nova Economia/ Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, Belo Horizonte. 7(1): 43-81 (maio de 1997). Rede internet: http://www.eco.unicamp.br/nea/rurbano/textos/congrsem/rurbano7.html , pág. 2. Acesso em 20/03/2006.

ascensão social (tais como escolas, centros de qualificação profissional, etc.), mas também aos serviços sociais básicos (saneamento, saúde, etc.). 199

A polêmica em torno da melhor forma para se distinguir os espaços urbanos dos rurais persiste nos dias atuais e, embora existam esforços neste sentido, ainda não se conseguiu estabelecer uma definição de meio rural que seja universalmente consagrada e, mesmo entre as definições existentes, não há como afirmar que exista uma melhor que a outra. 200

Wanderley nos alerta, entretanto, que a própria existência destes dois pólos no seio da sociedade contemporânea está sendo questionada, uma vez que uma parcela de acadêmicos tem defendido a tese de que o isolamento que caracterizava os espaços agrários em relação aos urbanos é coisa do passado, bem como que as transformações nos campos político, econômico e social ocorrida no “apagar” do século XX apontam para uma nova sociedade em gestação, na qual a busca de uma diferenciação entre o rural e o urbano torna-se irrelevante.

Sob o conceito de continuum rural-urbano, esta corrente de pensadores se vale da argumentação de que é dos núcleos urbanos que emergem as forças que geram o progresso bem como é dali que brotam os valores dominantes que se impõem ao conjunto da sociedade. Sob estas condições o rural (percebido como o pólo atrasado e, portanto, o lado mais “fragilizado” do continuum) tenderia inevitavelmente a retrair-se sob a influência avassaladora do pólo urbano. Na avaliação da referida autora,

(...) esta vertente das teorias da urbanização do campo e do continuum rural-urbano apontam para um processo de homogeneização espacial e social, que se traduziria por uma crescente perda de nitidez das fronteiras entre os dois espaços sociais e, sobretudo, o fim da própria realidade rural, espacial e socialmente distinta da realidade urbana. 201

Com efeito, no que diz respeito à perda dos marcos delimitadores entre o rural e o urbano, Graziano da Silva – um dos pesquisadores mais conceituados na

199

SACCO DOS ANJOS, Flávio & CALDAS, Nádia Velleda. Pluriatividade e ruralidade: falsas premissas e falsos dilemas. III Seminário Novo Rural Brasileiro. A dinâmica das atividades agrícolas e não-agrícolas no novo rural brasileiro. Fase III do Projeto Rurbano. Campinas, 3 e 4 de julho de 2003, p. 4.

200

ABRAMOVAY, Ricardo. (c) Funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. In: IPEA, Textos para discussão n. 702, Brasília/DF: IPEA, 2000, p. 2.

201

WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. (c) A ruralidade no Brasil moderno: por um pacto social pelo desenvolvimento rural. Rede internet: http://168.96.200.17/ar/libros/rural/wanderley.pdf . Texto, sem registro de data. Acesso em 25/09/2006.

academia brasileira e co-responsável pela coordenação do Projeto de Pesquisa Temático denominado “Caracterização do Novo Rural Brasileiro” 202 (que agrega vários outros cientistas das mais diferentes áreas do conhecimento, tais como economia, sociologia e antropologia) –, tem enfatizado que

(...) está cada vez mais difícil delimitar o que é rural e o que é urbano. Mas isso que aparentemente poderia ser um tema relevante, não o é: a diferença entre o rural e o urbano é cada vez menos importante. Pode-se dizer que o rural hoje só pode ser entendido como um ‘continuum’ do urbano do ponto de vista espacial; e do ponto de vista da organização da atividade econômica, as cidades não podem mais ser identificadas apenas com a atividade industrial, nem os campos com a agricultura e a pecuária. 203

Mas, diferentemente dos que vaticinam o fim da ruralidade em função da sobreposição dos valores urbanos sobre os rurais, existe outra corrente de pesquisadores que se esforçam em demonstrar que embora em muitos aspectos já não mais seja possível fazer uma nítida distinção entre o que possa ser considerado como urbano ou como rural (fruto das semelhanças e da continuidade existente entre estes dois extremos) isto não significa dizer que as relações existentes entre o campo e a cidade têm o poder de destruir as particularidades de cada um destes pólos. Ao contrário, o continuum rural-urbano é visto como uma relação que aproxima e integra estes extremos. Entendemos que é com base nesta concepção que Rua tem afirmado que, “o rural, ao guardar especificidades das práticas espaciais de suas populações garante (e, em alguns casos, fortalece) a identidade territorial que, mesmo submetida às lógicas difundidas a partir da cidade, ainda permite a essas populações uma certa autodeterminação.” 204

Sob esta ótica, embora campo e cidade estejam imbricados em um constante processo de trocas em que há certa homogeneização de procedimentos (na esfera econômica, social e outras mais), ainda assim cada qual ainda preserva

202

Denominado sinteticamente de “Projeto Rurbano” o objetivo básico da pesquisa é reconstruir séries históricas a partir dos microdados das Pesquisas Nacional por Amostra de Domicílios (PNADs) para o período de 1981/95, relativos à população ocupada, emprego e renda. O Projeto Rurbano é coordenado pelos professores José Graziano da Silva e Rodolfo Hoffmann do Instituto de Economia da Unicamp e conta com a participação de 25 pesquisadores envolvidos em onze diferentes estados do país dedicados, parcial ou totalmente, ao tema proposto das novas relações entre o rural e o urbano. Por sua vez, a equipe de pesquisadores vincula-se a 16 instituições de ensino e pesquisa de todo o país. Fonte: Instituto de Economia. Dados disponibilizados na rede internet, no endereço eletrônico http://www.eco.unicamp.br/nea/rurbano/divulg/novorural.html.

203

GRAZIANO DA SILVA, José (c), op. cit., pág. 1.

204

RUA, João. Urbanidades e novas ruralidades no Estado do Rio de Janeiro: algumas considerações teóricas. In: MARAFON, Gláucio Jose & RIBEIRO, Marta Foeppel (orgs.). Estudos de

as suas particularidades. Mesmo que de forma bastante simplificada, podemos fazer uma comparação da relação que ocorre entre estes dois pólos com a mistura resultante de “café com o leite” em que, apesar do resultado ser aparentemente homogêneo ainda assim é possível a identificação das características individuais dos elementos que a compôs e que teimam em conservar as particularidades que lhes identificam: o “pó” do primeiro e a “nata” do segundo. Visto dessa forma, apesar de estar amplamente integrado às relações socioeconômicas que se desenrolam na sociedade capitalista urbana contemporânea a tendência é o meio rural manter suas especificidades sem que, contudo, para isto precise isolar-se ou se contrapor ao urbano para se firmar como tal. Ou seja, não é o fato de estar em constante simbiose com o setor urbano/industrial e nem mesmo por estar assimilando determinadas funções tradicionalmente exercidas nos núcleos citadinos que o setor rural necessariamente perderá suas características intrínsecas. Cabe ressaltar, contudo, que temos claro que, por estar em constante contato com estilos de vida diferentes do encontrado em suas comunidades, inevitavelmente a população rural estará sujeita a incorporar ao seu cotidiano novos padrões de comportamento que tenderão a influir em seus traços culturais. Com base neste entendimento, podemos afirmar que os padrões de comportamento das sociedades agrícolas de hoje certamente não são idênticos aos de décadas atrás e, com certeza, não serão os mesmos daqui algumas décadas. Entendemos, porém, que por mais intensa que seja a influência do urbano sobre o rural, ainda assim esta não será tão forte ao ponto de formar uma sociedade homogênea sob o ponto de vista cultural.

Outro autor que, sob o nosso ponto de vista, parece compartilhar este tipo de entendimento é Alentejano, o qual vem sistematicamente refutando a idéia de que o rural perdeu a sua capacidade enquanto elemento de descrição e explicação da realidade, embora concorde que o seu significado tenha sofrido alterações nos dias atuais.

Para ele, apesar das transformações sociais, econômicas, culturais e espaciais resultantes do desenvolvimento urbano, o rural não deixou e nem deixará de existir. Mais do que isto, avalia que é preciso superar-se o estereótipo que identifica o rural como sinônimo de atraso, de agrícola, de natural, enfim, como o oposto do urbano, tido como o locus do progresso, da modernização, da indústria e da técnica. No entendimento deste autor, a grande contribuição dos pesquisadores que se dedicam a esta questão está em afirmar a atualidade do uso do par rural-

urbano e definir o novo significado que este par tem na atualidade, de forma a que sejam superadas de vez as visões estereotipadas, típicas de interpretações dualistas e dicotômicas, que tendem sempre a privilegiar um dos pólos em detrimento do outro. 205

Abramovay aponta que existem três formas dominantes utilizadas pelos pesquisadores para a delimitação do rural 206, mas as orientações metodológicas embutidas nos critérios utilizados não conseguem dar conta de traduzir satisfatoriamente o fenômeno a que se propõe representarem.

A primeira delas é a delimitação administrativa. Só é adotada na América Latina e mesmo assim por apenas cinco países: Brasil, Equador, Guatemala, El Salvador e República Dominicana. 207 Nessa forma de delimitação das áreas rurais os municípios assumem o papel central, pois em última análise são eles quem definem administrativamente os parâmetros a serem utilizados na abrangência do perímetro urbano.

Conforme Veiga, no Brasil, a definição vigente de “cidade” é fruto da instalação do Estado Novo quando, através do Decreto-Lei 311, de 1938, todas as sedes municipais existentes à época, independentemente de suas características estruturais e funcionais, foram alçadas a condição de cidades. Apesar de todas as evoluções institucionais ocorridas após a promulgação deste Decreto-Lei não houve mudança neste tipo de interpretação, sendo que até mesmo no recente Estatuto da Cidade (Lei no. 10.257, de 10 de julho de 2001) esta norma não foi alterada, o que para o citado autor é uma falha imperdoável, já que ali não se “define o que é cidade, prolongando a vigência de uma aberração que coloca o Brasil entre os países mais atrasados do mundo do ponto de vista territorial.” 208

Via de regra, o entendimento é que, desde que haja extensão de serviços públicos (saneamento, saúde, educação, etc.) a um determinado aglomerado populacional, por mais precária que seja a infra-estrutura a ele disponibilizada, este tenderá a ser definido como urbano. Conforme Schneider & Blume, “a norma legal baseia-se em critérios políticos e administrativos que decorrem da definição dos perímetros urbanos pelo poder público local (executivo e legislativo municipais).

205

ALENTEJANO, Paulo Roberto R. (b) As relações campo-cidade no Brasil do século XXI. Revista Terra Livre – publicação da Associação dos Geógrafos Brasileiros. São Paulo/SP, 2003, ano 19, vol. 2, n. 21, p. 31.

206

ABRAMOVAY, Ricardo, (c), op. cit., pp. 5-6.

207

VEIGA, José Eli da, (a), op. cit., p. 65.

208

Nestes termos, o rural define-se como a área física que resta depois de subtraído tudo o que seja considerado urbano.” 209

Em função de que as Constituições Federais em momento algum definem o que seja área rural ou urbana, na esfera do Direito Agrário instalou-se uma polêmica doutrinária sobre o assunto. Em instigante texto em que se dedicam à discussão das mudanças nas áreas rurais a partir dos aspectos legais, Corrêa et al comentam que até meados da década de 1960, havia duas linhas de interpretação sobre esta questão:

Para alguns, o critério diferencial centrava-se na destinação. Se o imóvel fosse usado para moradia, comércio ou indústria, era considerado urbano. Se explorado com agricultura ou pecuária, pertencia à área rural e era, às vezes, também chamado rústico. Para outros, a diferença era definida pela localização: urbano o que estivesse situado dentro do perímetro urbano, incidindo sobre ele o imposto sobre propriedade predial e territorial urbana – IPTU. Seriam considerados rurais os imóveis que estivessem localizados fora do perímetro urbano; nestes incidiria imposto territorial rural – ITR. 210 (grifos no original)

Conforme os autores, esta polêmica foi inicialmente remediada com a promulgação do Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30/11/1964) com o desdobramento do Decreto 55.891 (de 31/03/1965) que, através do seu artigo 5o, Inciso I, optou pelo princípio da “destinação”. Este entendimento vigorou até a implantação do Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25/10/1966, designado como Sistema Tributário Nacional) que, por ser Lei posterior ao Estatuto da Terra, acabou por revogar o princípio da “destinação” do imóvel como critério para considerá-lo como urbano ou rural, substituindo-o pelo critério da “localização”. Anos mais tarde, a Lei 5.868/72, regulamentada pelo Decreto 72.106/73, volta a reafirmar o princípio da “destinação”, excetuando-se os imóveis com área de até um hectare que estejam localizados dentro da zona urbana, os quais são considerados sempre como imóveis urbanos. Já a Lei 8.629, de 25/02/1993, em seu artigo 4o parece querer tornar compatíveis estes dois critérios ao conceituar, como imóvel rural “o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à

209

SCHNEIDER, Sérgio & BLUME, Roni. Ensaio para uma abordagem territorial da ruralidade: em busca de uma metodologia. Curitiba: Revista Paranaense de Desenvolvimento, n. 107, jul/dez 2004, p. 113.

210

CORRÊA, Josel Machado; CORRÊA, Walquíria Krüger; GERARDI, Lúcia Helena de Oliveira. A Problemática da Definição e da Delimitação do Espaço Rural e Urbano – mudanças no espaço rural e práticas institucionais: o exemplo da ilha de Santa Catarina. GEOGRAFIA. Rio Claro/SP: Associação de Geografia Teorética/AGETEO, vol. 26, n. 1, abril de 2001, p. 41.

exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial”. Mais recentemente, a Lei 9.393, de 19/12/1996, estabelece que o Imposto Territorial Rural – ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel, por natureza “localizado” na zona rural, o que retomou o entendimento anteriormente estabelecido no Código Tributário Nacional. 211

De forma a demonstrar a problemática da interpretação jurídica em relação à identificação dos imóveis rurais e urbanos os autores citam o caso do cidadão Antônio Sordi, da Comarca de Caçador, que ingressou com Mandado de Segurança contra a exigibilidade de pagamento, pela autoridade coatora, de Imposto Territorial Urbano – IPTU sobre uma área de terra, de sua propriedade, que apesar de estar situada na zona urbana sempre foi utilizada para fins agrícola e sobre a qual sempre pagou o ITR. O pedido do referido cidadão foi acolhido pela justiça que, através do Acórdão 5.259 de 23/11/1995, da Quarta Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, considerou que a cobrança seria uma bitributação, pois o impetrante já pagava regularmente o ITR e, portanto, era procedente o referido Mandado de Segurança. 212

Assim, pelo fato de ser estabelecido em grande parte ao arbítrio do poder público municipal, as conseqüências fiscais acabam prevalecendo na conformação e delimitação do espaço urbano sendo comum os agentes públicos desprezarem outros aspectos importantes a serem observados nesse processo como, por exemplo, os aspectos geográficos, sociais, econômicos e culturais.

Na delimitação administrativa o rural surge, portanto, não em função de suas características ou relevância socioeconômica para o conjunto da sociedade, mas por representar os espaços não abrangidos pelo perímetro da sede municipal.

Também se reportando ao caso do estado brasileiro, Abramovay aponta que

Há um vício de raciocínio na maneira como se definem as áreas rurais no Brasil, que contribui decisivamente para que sejam assimiladas automaticamente a atraso, carência de serviços e falta de cidadania. A definição do IBGE, para usar a expressão de Elena Saraceno (1996/99), é de natureza residual: as áreas rurais são aquelas que se encontram fora dos limites das cidades, cujo estabelecimento é prerrogativa das prefeituras municipais. O acesso a infra-estruturas e serviços básicos e um mínimo de adensamento são suficientes para que a população se torne “urbana”. Com isso, o

211

CORRÊA, Josel Machado et al, op. cit., pp. 41-44.

212

meio rural corresponde aos remanescentes ainda não atingidos pelas cidades e sua emancipação social passa a ser vista – de maneira distorcida – como “urbanização do campo”. 213

Acrescenta ainda que, ao tomar-se como referência tais parâmetros para a identificação do rural, inevitavelmente este tenderá a ser definido, em princípio, pela carência, o que não pode ser considerado um critério adequado sob qualquer ponto de vista. 214

A segunda forma dominante que, segundo Abramovay, é utilizada por alguns países para a delimitação do rural tem como referência o peso econômico na

ocupação de mão-de-obra da agricultura, ou seja, leva-se em consideração o

percentual da população agrícola que está envolvida com outros tipos de atividades em paralelo à produção agropecuária.

Essa forma de delimitação do rural tem sido muito criticada, sobretudo porque a cada nova pesquisa acerca das (r)evoluções que ocorrem na ocupação da mão-de-obra campesina os resultados demonstram que nos países em desenvolvimento o trabalho não-agrícola cresce mais que o agrícola no meio rural (no Brasil isto vem sendo demonstrado em vários trabalhos, tal qual nos efetuados pelos pesquisadores envolvidos no Projeto Rurbano), situação que já se consolidou nos países desenvolvidos. Conforme Abramovay este é o caso verificado, por exemplo, na França, onde 27% da população do país vive no meio rural e apenas 13 em cada 100 rurais dependem fundamentalmente da agricultura para sobreviverem.

As distorções provocadas pelo uso desta forma de delimitação do espaço rural são muito significativas, sendo que a aplicação deste critério faria com que os espaços rurais dos países desenvolvidos simplesmente deixassem de existir, situação que inexoravelmente tenderia a se repetir ao longo do tempo nas nações em desenvolvimento.

Como exemplo de países que utilizam este critério, o autor cita Israel (onde são consideradas como urbanas as localidades em que 2/3 dos chefes de famílias exercem ocupações não-agrícolas) e Chile (país em que, além de existir um patamar populacional de no mínimo 1.500 habitantes pelo menos 50% da mão-de-

213

ABRAMOVAY, Ricardo, (c), op. cit., p. 2.

214

Idem, p. 5. Segundo o autor, em Cuba, Costa Rica, Haiti e Uruguai são consideradas como rurais as localidades com “características não-urbanas”, identificação efetuada, em princípio, com base na carência de serviços públicos disponibilizados àqueles aglomerados populacionais.

obra residente na localidade deve estar ocupada em atividades não-agrícolas para o aglomerado ser considerado como urbano.). 215

A terceira forma de identificação do rural mencionada por Abramovay – e que é aplicada em várias partes do mundo –, é a do patamar populacional. Neste caso, os países que adotam este critério fixam um determinado número de habitantes que dada localidade deve abrigar para ser considerada como urbana, independentemente do tipo de atividade desenvolvida pela mão-de-obra ali