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ORIGEM DA NOÇÃO “PLURIATIVIDADE” E OS QUESTIONAMENTOS ACERCA DOS CONTEXTOS SOCIAIS E PERÍODO HISTÓRICO A QUE PODE

Foto 7 – Processo de classificação das folhas de fumo

3.3 ORIGEM DA NOÇÃO “PLURIATIVIDADE” E OS QUESTIONAMENTOS ACERCA DOS CONTEXTOS SOCIAIS E PERÍODO HISTÓRICO A QUE PODE

SER ASSOCIADA

As transformações por que passou o setor agropecuário no período pós- guerra ensejaram grandes desafios para os estudiosos das relações sociais no campo, fazendo com que esses criassem novos termos, noções e conceitos na tentativa de melhor explicar os novos processos e atores sociais que surgiram no transcurso do evento. 271

Em que pese as divergências pontuais, próprias do ambiente acadêmico, sobre as formas pelas quais o capital tem interferido nos sistemas produtivos rurais, cabe mencionarmos que se consolidou um consenso entre estes estudiosos de que a expansão das relações capitalistas no campo impôs uma nova dinâmica ao mundo rural e que, no processo, a própria atividade agrícola tem sido condicionada e determinada por outras atividades, situação que lhe reduziu à condição de ser mais uma, entre várias outras dimensões de relacionamento estabelecidas entre a sociedade e o espaço ou entre o homem e a natureza. 272

Assim, por não ser mais um espaço exclusivamente de produção agropecuária, o mundo rural torna-se campo privilegiado para a emergência de

271

ALANTEJANO, Paulo Roberto R. (c) Pluriatividade: uma noção válida para a análise da realidade agrária brasileira? In: Agricultura familiar: realidades e perspectivas. Organizado por João Carlos Tedesco. Passo Fundo/RS: EDIUPF, 1999, p. 147.

novas dinâmicas produtivas, situação que acaba tendo ampla repercussão sobre as formas de trabalho até então conectadas basicamente à produção de alimentos e fibras.

Com a crescente e inevitável integração da agricultura aos demais setores da cadeia mercantil formaram-se os denominados complexos agroindustriais, cujas orientações técnicas produtivas acabaram influenciando e determinando uma reestruturação na base técnica das unidades domésticas, alterando a estrutura e a composição do trabalho familiar no ambiente rural. Inseridas num sistema em que a modernização tecnológica e a integração às agroindústrias se constituíam em precondições para competirem no mercado, muitas famílias rurais tiveram suas estruturas produtivas afetadas pelo aumento da produtividade do trabalho decorrente da incorporação das novas tecnologias às rotinas laborais, sendo que várias das atividades que antes eram exercidas por um grande número de pessoas passaram a se individualizar, liberando grande parte da mão-de-obra anteriormente envolvida na produção agrícola. E é justamente em decorrência dessa integração vertical – que padroniza os sistemas produtivos e provoca um crescimento dos índices de flexibilização/informalização do trabalho rural – que se assiste um aumento no número de agricultores e de seus familiares que procuram outras atividades não mais especificamente relacionadas à produção agrícola, como forma de empregar a mão-de-obra que não encontra mais ocupação ou que é parcialmente utilizada nas atividades agropecuárias desenvolvidas no âmbito doméstico. Surge daí a figura do agricultor pluriativo, identificado como o indivíduo que passa a combinar as atividades agrícolas com uma ou mais atividades remuneradas não- agrícolas, sejam elas praticadas dentro ou fora da unidade doméstica. Nesta condição o agricultor assume um duplo caráter: o de empregado e de trabalhador por conta-própria, na agricultura e fora dela, simultaneamente. 273

Sob o ponto de vista de Schneider,

A pluriatividade deve ser entendida como uma estratégia de reprodução social de unidades que se utilizam fundamentalmente do trabalho da família, em contextos nos quais sua integração à divisão social do trabalho não decorre exclusivamente dos resultados da produção agrícola, mas, sobretudo, através do

273

CAZELLA, Ademir Antônio & MATTEI, Lauro. Multifuncionalidade agrícola e pluriatividade das famílias de agricultores: novas bases interpretativas para repensar o desenvolvimento rural. Anais do VI Congresso Latino-americano de Sociologia Rural. UFRGS, Porto Alegre/RS – 25 a 29 de novembro de 2002, p. 1.

recurso às atividades não-agrícolas e mediante a articulação com o mercado de trabalho.274

Em síntese, a pluriatividade passou a ser entendida no meio técnico e acadêmico como “(...) um fenômeno que pressupõe a combinação de duas ou mais atividades, sendo uma delas a agricultura”. 275 Nesse sentido, entendemos que a utilização do termo pluriatividade pode ser aplicado tanto ao conjunto familiar quanto apenas a um de seus componentes. Ou seja, nas situações em que somente um membro da família exerce duas ou mais atividades, das quais uma necessariamente deve estar vinculada às lides agrícolas, este indivíduo pode ser identificado como um produtor rural pluriativo. Já a identificação da família rural pluriativa se dará mediante a constatação de que pelo menos um de seus membros contribua para a atividade agrícola com parte da renda proveniente do trabalho assalariado. Com esse entendimento chega-se a conclusão que nem toda família pluriativa possui trabalhadores pluriativos. Isto ocorre porque nem sempre os membros assalariados que trabalham em atividades não-agrícolas participam das atividades agrícolas desenvolvidas na propriedade pelos demais integrantes da família, contribuindo tão somente com parte do salário para capitalizar a produção agropecuária do grupo familiar.

Entretanto, a combinação das atividades agrícolas com outras não- agrícolas não é um fenômeno recente. E foi justamente com o objetivo de demonstrar a antigüidade das práticas de atividades não-agrícolas como um dos mecanismos de sobrevivência dos camponeses dos séculos XVIII e XIX que alguns historiadores realizaram uma releitura de estudos que tratavam do assunto e que foram elaborados sem a intenção de elucidar esta questão de maneira específica. Sob o ponto de vista de Carneiro, esta revisão recente das múltiplas atividades desenvolvidas pelos camponeses no passado tem o mérito de levar à reflexão se o uso do termo pluriatividade é adequado “para identificar este conjunto de práticas diversificadas que caracterizava muito mais um estilo de vida, uma cultura ou mesmo um modo de sobrevivência de uma extensa camada da população rural do que uma nova forma de exploração agrícola.” 276

274

SCHNEIDER, Sérgio, (b), op. cit., p. 14.

275

Idem, p. 10.

276

Que o recurso ao trabalho não-agrícola – seja com fins de complementar a renda obtida na propriedade ou como forma de adequar a estrutura produtiva às variantes que influem negativamente para o pleno funcionamento da unidade doméstica (tais como variações climáticas, doenças familiares, falta ou quebra de equipamentos, etc.) – não é um fenômeno recente, está devidamente registrado na literatura clássica; sobre isto Kautsky, por exemplo, já tratava em sua obra, “A questão agrária” 277, na qual afirma que a busca de trabalho fora da esfera agrícola não é totalmente estranho ao mundo camponês e descreve este fenômeno sob a designação de trabalho acessório. Chayanov também faz referência a esta questão, registrando que diversos motivos (tais como a ociosidade da mão-de-obra familiar em determinados períodos sazonais – principalmente no inverno –, e a debilidade dos fatores de produção, entre outros) podem contribuir para que os produtores agrícolas familiares busquem temporariamente o trabalho assalariado não-agrícola de maneira a obterem os recursos necessários para a satisfação das necessidades do grupo familiar não possíveis de serem supridas com a renda obtida na agricultura. Nestas circunstâncias o trabalho não-agrícola seria a forma utilizada pelo produtor rural para garantir um equilíbrio no balanço subjetivo entre trabalho e consumo.

Tendo em vista a constância com que este fenômeno vem se reproduzindo em meio a diversos contextos socioeconômicos e distintos períodos históricos, o que se discute atualmente “é o caráter estrutural e permanente da chamada pluriatividade, como condição de reprodução social de uma determinada camada de pequenos agricultores – argumento defendido, sobretudo, pelos historiadores rurais – ou o seu caráter conjuntural como resposta à crise da agricultura modernizada.” 278

Na tentativa de demonstrar a multiplicidade de formas e situações sob as quais as atividades não-agrícolas são praticadas bem como a grande flexibilidade e capacidade de adaptação da pluriatividade aos diferentes contextos econômicos históricos diversos estudos foram elaborados sobre este tema nas últimas décadas, suscitando várias linhas de interpretação para este fenômeno. Conforme Cazella & Mattei,

277

KAUTSKY, Karl, op. cit.

278

Uma retrospectiva da literatura especializada mostra que os estudos da pluriatividade foram realizados de diferentes maneiras e receberam distintas denominações ao longo do tempo. Dessa forma, torna-se necessário considerar que se trata de um assunto que abarca um conjunto heterogêneo de situações relacionadas ao mundo rural, as quais foram sendo acordadas através de pesquisas, simpósios e debates em várias partes do mundo. Por isso, ressalta- se que os termos ‘agricultura a tempo parcial’, ‘trabalhos domésticos múltiplos’ e ‘diversificação das atividades’ não têm o poder explicativo do termo ‘pluriatividade’ e nem devem ser tratados como sinônimos. 279

Até a década de 1980 utilizava-se o termo “part-time farming” (agricultura em tempo parcial) para identificar as situações em que ocorria a combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas em uma mesma família. O seu oposto é o termo “full-time farming” (agricultura em tempo integral), que conforme já está expresso na própria denominação, era empregado na identificação das famílias que se dedicavam exclusivamente à atividade agrícola. Criado por Rozman, o termo part-

time farming tinha por objetivo fazer uma diferenciação dos agricultores que

praticavam a agricultura de subsistência daqueles que se ocupavam plenamente da produção agrícola mercantil. 280 A principal controvérsia em relação ao uso do termo

agricultura em tempo parcial diz respeito ao fato de que o critério utilizado como

diferenciação do seu oposto é um determinado, embora arbitrário, corte do tempo de trabalho na propriedade por parte do indivíduo ou da família. 281

Uma outra limitação observada no uso desta noção para o entendimento dos processos sociais agrários, é que ela restringia o foco das análises apenas ao chefe da família e à unidade de produção (agricultura individual e não familiar), ignorando por completo as atividades dos demais membros do grupo familiar. Não se dava o devido apreço, portanto, ao caráter familiar 282 do trabalho agrícola e à contribuição do trabalho das demais pessoas da família em atividades não-agrícolas.

279

CAZELLA, Ademir Antônio & MATTEI, Lauro, op. cit., p. 3.

280

SCHNEIDER, Sérgio, (c), op. cit., p. 5.

281 SCHNEIDER, Sérgio, (b), op. cit., p. 75. 282

Com base em suas experiências de campo, Carneiro afirma que os laços familiares no Brasil são muito mais consistentes e freqüentes do que em outros países (cita como exemplo a França), o que permite a convocação de grande parte da parentela para auxiliar em determinadas fases do processo produtivo não possíveis de serem executadas pelo número de mão-de-obra disponível. “É o caráter familiar da produção, aí fortemente presente, que permite acionar irmãos que já migraram para a cidade, noras e até mesmo suas empregadas domésticas, num esforço ‘coletivo’ de dar contas das necessidades de mão-de-obra em determinadas fases do processo de produção.” (CARNEIRO, Maria José. (c) Agricultores familiares e pluriatividade: tipologias e políticas. In: Mundo rural e tempo

presente. Orgns.: Luiz Flávio Carvalho Costa, Regina Bruno, Roberto José Moreira. Rio de

Por esta razão, o uso do termo agricultura em tempo parcial perdeu o seu valor heurístico a partir da década de 1980, dando lugar à pluriatividade. 283

O termo pluriatividade surgiu na Comunidade Européia, mais precisamente na França, sendo sua trajetória marcada por intensos embates entre os atores sociais envolvidos.

Semelhante ao ocorrido em diversos outros países que adotaram o padrão produtivista desencadeado no período pós-guerra, cujo modelo de desenvolvimento agrícola teve por base as orientações técnico-produtivas associadas à Revolução Verde, também na França os produtores rurais se aliaram a este padrão de produção sendo amparados por políticas públicas que lhes asseguravam o acesso necessário às tecnologias de ponta e subsídios (na forma de ajudas compensatórias) que lhes permitiam competir de forma extremamente confortável no mercado internacional. Cabe registrar que as estratégias estabelecidas pela Comunidade Econômica Européia (CEE) em relação a Política Agrícola Comum (PAC 284) estavam voltadas para a redução do preço mínimo dos produtos agrícolas internos, de modo a que estes se equiparassem ao nível mínimo do preço praticado no mercado internacional.

Como resultado deste processo, a agricultura francesa atingiu excepcionais níveis produtivos, situação que permitiu àquele país alcançar a autonomia no que diz respeito a segurança alimentar interna bem como gerar excedentes agrícolas direcionados ao mercado internacional. Formou-se, assim, uma categoria de profissionais agrícolas especializados, que tinham nas práticas produtivas altamente tecnificadas a sua principal característica. Na visão dos que compunham esta camada de produtores rurais, as políticas de desenvolvimento rural

283

CAZELLA, Ademir Antônio & MATTEI, Lauro, op. cit., p. 3.

284

Conforme Schneider, “a Política Agrícola Comum (PAC) surgiu a partir do Tratado de Roma, assinado em 1957, que previa o estabelecimento de uma política agrícola comum (Artigo 39) entre os primeiros signatários da Comunidade Econômica Européia (CEE), formada então por Bélgica, França, Itália, Holanda, Luxemburgo e Alemanha. Em 1958, na Conferência de Stressa, inicia-se o processo de compatibilização das políticas agrícolas nacionais e, em 1962, é aprovada a Lei de Orientação, que cria o Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA), que será o principal mecanismo de financiamento da PAC e de protecionismo para a agricultura européia. Em 1973, aderiam à CEE a Dinamarca, a Irlanda, o Reino Unido, em 1981, a Grécia, em 1986, Portugal e Espanha e, por fim, em 1995, Áustria, Suécia e Finlândia. Atualmente a CEE chama-se União Européia.” (SCHNEIDER, Sérgio, (b), op. cit., p. 124.) Ainda de acordo com o autor, a partir de 1992 ocorreram alterações na Política Agrícola Comum, cujos financiamentos destinados ao desenvolvimento rural passaram a estar associados à objetivos específicos tais como acelerar a adaptação das estruturas agrícolas ( financiando tanto pela seção Garantia como pela seção Orientação do FEOGA) e promover o desenvolvimento das zonas rurais, buscando a diversificação das atividades no meio rural (financiado basicamente pelo FEGOA-Orientação). (Idem, p. 125.)

deveriam centrar-se no estímulo ao modelo produtivista e estarem voltadas às unidades agrícolas em que se desenvolvia o “métier d’ agriculteur”.

Porém, há que se levar em consideração que nem sempre as políticas públicas conseguem abranger de forma equânime os atores sociais à quem se propõem atender. Por outro lado, as respostas dos segmentos sociais às investidas do Estado na forma de políticas públicas também não são homogêneas. As sociedades agrícolas se fazem presente em diversos contextos socioeconômicos e sua inserção no mercado varia de uma região para outra. Por isto, é compreensível que seja corriqueiro o fato de determinados grupos sociais apresentarem reações diferentes à uma mesma política pública. Comentando as políticas públicas estabelecidas pela CEE com vista ao desenvolvimento rural dos países membros, Tedesco chama atenção para esta questão com as seguintes palavras:

Sabe-se que nem todos os produtores têm as mesmas condições, nem todos os países membros conseguem maximizar os fatores de produção; os níveis de produtividade são imensamente diferenciados entre produtos, produtores e regiões. Logo, o preço baixo incita à produção menor. Fazem-se presentes as chamadas ajudas compensatórias com o intuito de cobrir as perdas com as reduções dos preços, entretanto essas não serão eternas e, além do mais, são específicas a determinados produtos. 285

Assim, pelas razões já mencionadas, esse padrão de produção não abrangeu de forma homogênea os produtores familiares e tampouco os espaços rurais. Paralelo a uma agricultura moderna, capaz de assimilar as novas tecnologias disponibilizadas pelo capital agroindustrial e altamente inserida na dinâmica mercantil, desenvolvia-se um outro tipo de agricultura, afeta aos agricultores menos capitalizados que, por não terem condições de modernizar suas unidades produtivas ou porque estas estão localizadas em regiões cujas adversidades naturais se constituem em obstáculo para a consolidação de uma agricultura competitiva, recorriam com freqüência às atividades complementares não-agrícolas como forma de sobrevivência. Conforme Carneiro, na França as

(...) regiões desfavoráveis à intensificação da agricultura e à instalação das grandes explorações capitalistas, como as zonas de montanha, por exemplo, são tradicionalmente espaços abertos à prática de atividades complementares não-agrícolas. Elas são exercidas tanto por parte de pequenos produtores marginalizados pelo processo de modernização – como os operários-camponeses – quanto por parte daqueles que pretendem desenvolver uma

285

produção alternativa ao modelo produtivista instaurado pela Quinta República. Para estes, a renda proveniente de atividades associadas à exploração turística ou à comercialização de “produtos da fazenda” (queijos, iogurtes, geléias, sucos de fruta, congelados, etc.) permite a permanência no campo e a continuidade da agricultura em regiões até então ameaçadas pela desertificação. 286

A estes agricultores se associavam outros que, mesmo possuindo melhores condições financeiras, optavam por uma agricultura alternativa ao modelo de desenvolvimento agrícola dominante, sendo esta decisão tomada por razões que transcendem a esfera econômica e se conectam a questões de ordem social, como por exemplo: uma maior independência dos filhos em relação à autoridade dos pais, e da esposa em relação ao marido; busca de realização profissional; participar mais ativamente da vida social urbana; etc.

Com base no exposto, chega-se a conclusão que a estrutura agrária na CEE é constituída tanto por unidades agrícolas em que se desenvolve uma agricultura altamente modernizada, especializada e imbuída de uma racionalidade empresarial, quanto por unidades agrícolas que, por não terem condições de assimilar o modelo produtivista ou por optarem não se submeterem a ele, conciliam o exercício da agricultura a uma outra atividade não-agrícola, se confrontando com os parâmetros associados ao “métier de agricultor”. Neste sentido, parece-nos que o comentário efetuado por Carneiro quando infere que “a especialização profissional é um fenômeno universal na sociedade francesa (...)” 287 precisa ser avaliado com muito cuidado, pois dá margem a interpretação de que a especialização agrícola abrange todos os produtores rurais franceses, o que não se constitui em realidade.

Aliás, este é um ponto importante no exercício que a referida autora faz com o intuito de demonstrar que o uso do termo “pluriatividade” para designar a prática do trabalho agrícola com outros não-agrícolas está associado a um recorte temporal, cujo marco delimitador está relacionado à política agrícola que estimulou a especialização da produção e do trabalho. Carneiro utiliza as seguintes palavras para traduzir o seu ponto de vista sobre este assunto:

Como resultado de um processo historicamente datado, que começa com o estabelecimento de um modelo único de exploração agrícola, sustentado na especialização da produção (e do trabalho) e em produtividade e rentabilidade crescentes, a pluriatividade de hoje se distingue daquela que era praticada durante o período da proto-

286

CARNEIRO, Maria José, (b), op. cit., p. 150.

287

industrialização. Nesses termos, o recurso às práticas não-agrícolas é uma recriação de uma parte da população rural para afrontar as crises geradas pela política de modernização agrícola implantada pela Quinta República.288 (grifo nosso)

Assim, ainda conforme a autora, ao admitir-se que a noção de pluriatividade designa fenômenos de qualidades diferentes na medida em que são respostas a questões distintas e historicamente datadas, torna-se compreensível porque os historiadores não se dedicaram ao estudo da pluriatividade de forma específica. A razão para o desinteresse desses estudiosos em relação à pluriatividade ocorria porque o trabalho não-agrícola não se constituía num fenômeno à parte, uma vez que tais atividades confundiam-se com as numerosas práticas cotidianas do mundo camponês. Ou seja, somente após a especialização da produção e do trabalho é que foi possível a emergência de sociedades mais ligadas, dedicadas e aperfeiçoadas na produção agropecuária stricto sensu. 289 Tal situação se tornou possível basicamente por dois fatores: primeiro, pela intervenção do capital industrial na esfera produtiva campesina, onde as indústrias assumiram praticamente todas as atividades anteriormente exercidas pelos produtores rurais no que diz respeito a confecção dos bens de consumo duráveis, bem como grande parte das tarefas relacionadas as demais formas de produção artesanal caseira (confecção de pães, doces, bolachas, queijos, sabão, banha, lingüiça, torresmo, charque, entre vários outros produtos); segundo, pela crescente especialização do trabalho nas unidades de produção agrícola, o que acabou refletindo na ocupação da mão-de-obra familiar. Assim, se antes da especialização da produção e do