• Nenhum resultado encontrado

O PROCESSO IMIGRATÓRIO BRASILEIRO E A CONFORMAÇÃO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA CATARINENSE

1. OS PRIMÓRDIOS DA PRODUÇÃO FAMILIAR EM SANTA CATARINA E NO MUNICÍPIO DE SÃO LUDGERO

1.1 O PROCESSO IMIGRATÓRIO BRASILEIRO E A CONFORMAÇÃO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA CATARINENSE

Ao longo do século XIX era grande o contingente populacional que procurava sair do continente europeu e se aventurava cruzar os oceanos em busca de novas oportunidades de vida e de trabalho na América.

As razões que levavam os indivíduos a abandonarem a pátria natal estavam correlacionadas ao processo de expansão do capitalismo europeu e às mudanças socioeconômicas originadas pela Revolução Industrial que, em seu conjunto, implicaram no surgimento de problemas que atingiam tanto os trabalhadores do campo quanto os da cidade. Embora as modificações técnicas ocorridas no meio rural europeu não tenham tido a mesma ressonância do verificado nos centros urbanos, as transformações sociais ao contrário foram profundas. O crescimento das indústrias provocou uma série de mudanças na vida dos campesinos, passando pela desarticulação do artesanato doméstico, a privatização das terras comunais e a quebra de antigos vínculos de subordinação. 23

A possibilidade de sobrevivência via produção agrícola tornava-se cada vez mais difícil para os camponeses europeus, uma vez que era aguda a escassez de terras no meio rural, pois as mesmas haviam sido excessivamente retalhadas ou, então, estavam concentradas nas mãos de uns poucos. A expansão demográfica pressionava a emergência de postos de trabalho. Por sua vez, o crescente uso de máquinas nas indústrias exercia um efeito contrário, eliminando o trabalho humano em várias etapas do processo produtivo. O desemprego se generalizava, afetando principalmente os homens do campo, face a implacável e crescente ociosidade de mão-de-obra, em decorrência do progressivo avanço da Revolução Industrial. Não tendo onde trabalhar, boa parte da população européia passou a vislumbrar na emigração uma saída para seus problemas. Assim, para fugir das dificuldades que encontravam em seus países, uma grande massa de trabalhadores europeus decidiu emigrar para a América, vista como a terra das oportunidades.

23

MACHADO, Paulo Pinheiro. A política de colonização do Império. Porto Alegre/RS: Ed. Universidade/UFRGS, 1999, p. 44.

Decisão difícil deve ter sido esta, pois, como bem observa Dall’Alba,

Ninguém deixa a Pátria, com suas tradições, história, língua, costumes, cultura, por motivos fúteis. Tudo isto, mais laços de família, de parentesco, sentimentos afetivos, ligam profundamente cada cidadão à terra onde nasceu. Só motivos dos mais ponderáveis levam a abandoná-la, em busca de outras paragens. Na Alemanha de meados do século passado havia esses motivos. 24

Paulilo frisa que “a colonização foi um processo de mão dupla.” 25 Ou seja, se havia o interesse dos países europeus em diminuir a densidade demográfica de parte do seu território em função do crescimento populacional não estar sendo acompanhado pela expansão de postos de trabalho, bem como porque a escassez de terras (gerada pela concentração das propriedades nas mãos de uma parcela reduzida da população) estava provocando grandes problemas de ordem social, no Novo Mundo, ao contrário, existiam terras de sobra para serem ocupadas e havia o interesse no povoamento da América pelos povos conquistadores (principalmente pela Espanha, Inglaterra e Portugal). Portugal, por exemplo, estava empenhado em atrair contingentes populacionais para povoar o extenso território de sua maior colônia de forma a garantir a sua posse.

Cabe lembrarmos, contudo, que de acordo com os registros históricos, as correntes imigratórias para o Brasil ocorreram desde a sua descoberta, aumentando o ritmo de ingresso de indivíduos conforme as conveniências da coroa portuguesa e, posteriormente, do governo brasileiro.

Durante o período colonial – que vigorou até 07 de setembro de 1822, quando o Brasil tornou-se independente de Portugal – o contingente populacional que ingressava no país era essencialmente proveniente de colônias portuguesas e da mão-de-obra escrava oriunda da África. 26 Com a proibição do tráfego negreiro o governo brasileiro passa a incentivar a imigração como forma de obter mão-de-obra para trabalhar nas lavouras de café e outras que tinham por base o trabalho escravo.

A imigração portuguesa no Brasil esteve correlacionada a dois objetivos fundamentais: primeiro o povoamento, necessário e imprescindível para o processo

24

DALL’ALBA, João Leonir. (a) O Vale do Braço do Norte. Orleans/SC: edição do autor, 1973, p. 27.

25

PAULILO, Maria Ignez Silveira. (b) Terra a vista ... e ao longe. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1996, p. 81.

26

Até o ano de 1850, quando sob pressão internacional o governo brasileiro proíbe o tráfico de escravos, ingressaram no país aproximadamente 3,5 milhões de africanos cativos. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Abolicionismo_no_Brasil

de ocupação das terras interiores a fim de garantir a posse do território e, segundo, como formação de uma força de defesa, sobretudo da Região Sul, que era alvo de cobiça e vivia sempre sob ameaça de ocupação pelos países vizinhos.

Com relação à presença de portugueses em Santa Catarina, esta já é observada logo após o descobrimento do Brasil, quando as primeiras expedições exploradoras utilizavam o litoral do Estado como ponto de parada para abastecimento de água e coleta de alimentos para os navegantes. “Que as terras de Santa Catarina eram bastante freqüentadas atesta o historiador catarinense Walter F. Piazza. Ele fala de onze expedições que por aqui passaram entre 1504 e 1549.”

27

Em 1504 é fundada São Francisco do Sul, sendo esta a terceira cidade mais antiga do país. Em 1514 a expedição realizada pelos portugueses Nuno Manuel e Cristóvão de Haro ao sul do Brasil, atribuem o nome de Ilha dos Patos à atual cidade de Florianópolis (também conhecida pelo nome de Ilha de Santa Catarina). 28

Diante a marcante e crescente presença de espanhóis no cone sul americano, a Coroa Portuguesa se dá conta que corria o sério risco de perder as terras já conquistadas, porém não ocupadas, e desperta para a posição estratégica que o estado catarinense representava para a defesa de seus interesses na porção meridional do país. Por isto, em 1637 é fundada a Ermida de Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis) por Francisco Dias Velho. Com a mesma preocupação, em 1676 é fundada Laguna, por Domingos de Brito Peixoto. De certa forma pode-se dizer que Santa Catarina emergiu no cenário nacional em função de tornar-se uma base de apoio aos conflitos militares contra as forças espanholas.

Após a assinatura do Tratado de Madri (janeiro de 1750), através do qual Portugal e Espanha pactuam uma solução pacífica para as suas desavenças em relação ao território americano, a Coroa Portuguesa ficou convencida que a melhor maneira de garantir a posse da terra era povoá-la. Com esta visão, passou a incentivar a imigração açoriana não só para ocupar o território das antigas Missões espanholas, mas também como forma de dar um maior impulso ao povoamento de todo o Brasil meridional.

Cabe destacar que em 31 de agosto de 1746, portanto quatro anos antes da assinatura do Tratado de Madri, o rei Dom João V de Portugal já havia publicado

27

PAULILO, Maria Ignez Silveira, (b), op. cit., p. 33.

28

um edital através do qual oferecia uma série de vantagens aos casais das ilhas dos Açores que decidissem se deslocar para o litoral sul brasileiro. Neste edital estava definido que os casais açorianos deveriam ser inicialmente estabelecidos na Ilha de Santa Catarina ou nas suas vizinhanças, dado que neste local a terra era fértil, havia grande quantidade de gado e o litoral bastante piscoso, o que facilitaria em muito a instalação dos colonos na nova terra. Neste processo, milhares de colonos ilhéus do arquipélago dos Açores emigraram para o Brasil.

A imigração açoriana se estendeu até o século XX. Deve-se aos açorianos o povoamento das zonas litorâneas da porção meridional do país, particularmente dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde, em conjunto com as demais etnias européias que ali se instalaram, imprimiram um estilo de relações socioeconômicas peculiares a Região Sul brasileira.

Particularmente em relação ao estado catarinense, há que se registrar que houve uma nítida diferenciação na ocupação de seu território pelos imigrantes, sendo que esta diferença é tanto mais sentida quando se compara o espaço litorâneo em relação às demais áreas interioranas. Nesse sentido Corrêa aponta que,

A ocupação do território catarinense deu origem a um Complexo Rural diferenciado. No litoral predominavam pequenas propriedades, culturas diversificadas, artesanato e pesca. No Planalto, as atividades foram centralizadas na criação extensiva de gado em grandes propriedades. Contudo, o desenvolvimento da agricultura ou da pecuária não interessava para a Metrópole do ponto de vista econômico. Por isso, em Santa Catarina, nenhum produto foi destaque em termos de produção e comercialização, tal como ocorreu com o açúcar, o algodão e mais tarde com o café, produzido em outras províncias do país. De qualquer forma, no Estado catarinense as atividades desenvolvidas no litoral e no planalto se complementaram e formaram a base de um povoamento mais efetivo, que ocorreu com a imigração açoriana. 29

Como mencionamos, havia grande interesse da Coroa portuguesa em povoar as terras meridionais brasileiras, uma vez que estas eram alvo de cobiça e estavam sempre ameaçadas de ocupação pelos espanhóis. Ocorre que o sul ainda não apresentava uma importância comercial que justificasse a transferência de

29

CORRÊA, Walquíria Krüger. Transformações sócio-espaciais no município de Tijucas (SC): o papel do grupo USATI-PORTOBELLO. Tese de Doutorado, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Campus de Rio Claro, UEP, 1996, p. 60.

contingentes populacionais de outras regiões mais “desenvolvidas” do país, com o objetivo da ocupação e defesa. Por isto, mesmo diante a concreta possibilidade de perda de boa parte do seu território pelo assédio conquistador dos países vizinhos, houve resistências dos segmentos que controlavam o capital comercial em liberar a mão-de-obra escrava que estava envolvida com o Complexo Rural exportador para ser utilizada na defesa do território sulino. A estes era mais conveniente que o governo brasileiro promovesse a ocupação e povoamento da região sul por meio de colonos-soldado, através dos quais simultaneamente poderiam ser atendidas tanto as necessidades militares de defesa do território quanto ao abastecimento alimentar das tropas e da administração. Com isto se evitaria a retirada da mão-de-obra utilizada no setor produtivo destinado à exportação, possibilidade esta que ia contra os interesses do capital comercial. 30

Mediante esta conjuntura, desejoso em atrair uma parcela da população que abandonava a Europa em busca de nova vida na América, em 25 de novembro de 1808 D. João VI assina um Decreto através do qual concedia aos cidadãos estrangeiros o direito de terem acesso à propriedade da terra no Brasil, estimulando com isso o processo imigratório europeu no país.

As primeiras colônias de imigrantes europeus foram instaladas na Região Nordeste e eram constituídas principalmente por alemães. Em 1812 foi fundada a colônia Santo Agostinho, no Espírito Santo e em 1818 a colônia Leopoldina, na Bahia. Em 1819, frente à crescente dificuldade na obtenção de gêneros alimentícios para abastecer a corte instalada no Rio de Janeiro 31, este mesmo monarca patrocina o estabelecimento de colonos suíços nas imediações da capital, em Nova Friburgo (RJ). O número de colonos assentados varia de 1.800 32 a 2000. 33 Nos anos seguintes houve outras tentativas de instalação de colônias com imigrantes europeus nos Estados do nordeste brasileiro, como é o caso da colônia de São Jorge dos Ilhéus, fundada em 1822, no sul da Bahia.

30

CORRÊA, Walquíria Krüger, op. cit., p. 53.

31

Em 1808 a Corte Imperial portuguesa teve que refugiar-se no Brasil para fugir das tropas napoleânicas que invadiram Portugal.

32

KREUTZ, Lúcio. O professor paroquial: magistério e imigração alemã. Porto Alegre/RS: Ed. da Universidade/UFRGS; Florianópolis: Ed. da UFSC; Caxias do Sul: EDUCS, 1991, p. 45.

33

BEOZZO, José Oscar. Brasil: 500 anos de imigrações. São Paulo: Ed. Paulinas: Centro de Estudos Migratórios, 1992, p. 84.

Em função da pouca adaptabilidade dos imigrantes ao ambiente em que foram estabelecidos, principalmente com o clima e com o tipo de solo dessa região, fizeram que as colônias fundadas no nordeste não obtivessem sucesso.

A partir de 1824 as correntes imigratórias européias passam, então, a se estabelecerem no Estado de São Paulo e principalmente na Região Sul, onde o clima e o solo eram bastante propícios às lavouras e a criação de animais. Para os imigrantes estes fatores tinham uma importância significativa dado que facilitaria em muito sua adaptação ao ambiente em que estavam se instalando. Para o governo brasileiro, ao contrário, o que menos importava era que a terra destinada aos imigrantes fosse agricultável. De acordo com Paulilo, “precisava-se mesmo era de soldados”, razão pela qual “segundo Piazza, contratavam-se mercenários ‘sob a capa de lavradores’”. 34

Além dos portugueses e açorianos (e dos africanos que forçosamente ingressaram no país), foram os alemães e italianos que contribuíram com um maior número de imigrantes no processo de colonização do Brasil, fundando várias colônias isoladas nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina a partir de 1824. Entretanto, o processo imigratório só vai se intensificar a partir de 1850, quando os governos provinciais assumem a responsabilidade pela colonização e são abertas oportunidades para que a iniciativa privada participe deste evento.

Em Santa Catarina foram fundadas várias colônias de origem alemã, que com o passar do tempo proporcionaram o estabelecimento de um grande número de municípios. Em se tratando dos imigrantes alemães que colonizaram o Vale do Braço do Norte (no qual o município de São Ludgero está inserido), Alves registra que “os relatos condicionam a extrema pobreza e a falta de terras para cultivar na Alemanha como os principais motivos pelos quais essas famílias resolveram emigrar.” 35 Na tabela 1 estão relacionadas algumas das colônias alemãs fundadas no Estado a partir de 1829.

Além destas etnias (portugueses, alemães e italianos) o Estado também recebeu outras importantes correntes imigratórias, que contribuíram significativamente para a conformação do perfil socioeconômico de Santa Catarina,

34

PAULILO, Maria Ignez Silveira, (b), op. cit., p, 75.

35

ALVES, Elza Daufenbach. (a) Discurso religioso católico e normatização de comportamentos (São Ludgero – SC, 1900-1980). Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em História, UFSC, 1998, pp. 16-17.

tais como: poloneses, russos, espanhóis, franceses, ingleses, holandeses, japoneses, entre outros.

Fica evidenciado que, ao contrário do ocorrido em outras áreas do território brasileiro, a colonização do Sul do país foi efetivada principalmente por meio de imigrantes das mais diversas nacionalidades o que imprimiu uma característica peculiar à região, sobretudo em função da heterogeneidade dos povos (e respectivas culturas) que ali se instalaram.

Tabela 1: Relação dos principais núcleos de colonização alemã em Santa Catarina

(1829 – 1900)

Nome da Colônia Extensões ou subdivisões da

colônia

Ano de

Fundação Cidade/Município

São Pedro de Alcântara

Sede da Colônia 1829 São Pedro de Alcântara Santa Filomena 1830 São Pedro de Alcântara Colônia Itajahy 1835 Gaspar e Brusque Vargem Grande 1837 Águas Mornas

Leopoldina 1848 Antônio Carlos

Santa Isabel Sede da Colônia 1847 Águas Mornas e Rancho Queimado

Piedade Sede da Colônia 1847 Governador Celso Ramos Blumenau

Sede da Colônia 1850 Blumenau e Região Rio do Testo 1860? Pomerode

Indaial 1866 Indaial

Benedito - Timbó 1869 Timbó Dona Francisca

Sede da Colônia 1851 Joinville e Região São Bento do Sul 1873 São Bento do Sul Jaraguá 1876 Jaraguá do Sul Colônia Militar Santa

Teresa

Sede da Colônia 1853 Alfredo Wagner Itajahy – Brusque Sede da Colônia 1860 Brusque e Região

Teresópolis Sede da Colônia 1860 Águas Mornas e São Bonifácio Quadro Braço do

Norte

1873 São Ludgero e Região Colônia Nacional Angelina Sede da Colônia 1860 Angelina

Grão-Pará --- 1882 Grão-Pará Hansa-Humbold Sede da Colônia 1897 Corupá

Hansa-Hamônia Sede da Colônia 1897 Ibirama e Região Fonte: Toni Vidal Jochem (c). 36 (Tabela adaptada)

Muito embora existissem significativas diferenças culturais entre os colonos (decorrentes sobretudo da heterogeneidade dos povos imigrantes) assim como grande disparidade com relação as características físicas dos espaços para onde estes foram encaminhados, é notório que o processo de distribuição e

36

JOCHEM, Toni Vidal. (c) Relação dos principais núcleos de colonização alemã fundados no período de 1829 a 1900 no Estado de Santa Catarina – Brasil. Dados obtidos na rede Internet: http://www.tonijochem.com.br. Acesso em 04/08/2006.

ocupação das terras seguiu algumas regras básicas, podendo-se até dizer que houve certa padronização no modo como as colônias foram constituídas. Sob o nosso ponto de vista, em pelo menos três aspectos é possível identificar um comportamento semelhante no que diz respeito à forma como ocorreu a constituição das colônias instaladas na Região Sul brasileira:

1) O tamanho dos lotes disponibilizados para uso individual por cada família de imigrantes variou entre 25 e 75 hectares. Abordando este assunto, Seyferth refere que o tamanho das áreas de terras concedidas aos imigrantes europeus chegou até o limite de 75 hectares, porém destaca que isto só ocorreu isoladamente na colônia de São Leopoldo/RS e, mesmo assim, somente na primeira fase da colonização daquele Estado. Acrescenta ainda que, em meados do século XIX, ocorreram mudanças significativas na política de imigração, ocasião em que o tamanho dos lotes foram reduzidos primeiro para 50 e depois para 30 e 25 hectares, e o acesso à terra perdeu o seu caráter de gratuidade. Dessa forma, os imigrantes que desejassem possuir um lote de terra necessariamente deveriam pagar pelo mesmo. 37

Com base no que foi dito, excetuando-se o caso isolado de São Leopoldo, fica evidenciado que nas demais colônias a área de terras concedida aos imigrantes podia chegar até 50 hectares o que leva a compreensão que, em termos absolutos, a diferença no tamanho dos lotes entre uma colônia e outra podia ser equivalente a 100%.

Contudo, apesar da desigualdade no tamanho dos lotes, entendemos que isto de certa forma não se constituía num fator de grande diferenciação entre as famílias colonizadoras e nem mesmo numa grande vantagem para os maiores aquinhoados uma vez que, devido às precárias condições de trabalho na época, a área efetivamente utilizada pelos pioneiros era muito pequena, não passando de poucos hectares de terra. Se havia alguma vantagem, esta se revelaria um tanto mais tarde, seja quando os colonos se depararam com a necessidade de desmembrar parte das terras para acomodar as novas famílias constituídas pelos filhos que iam casando, como também quando o avanço tecnológico permitiu a expansão da atividade agrícola, proporcionando aos seus descendentes a

37

SEYFERTH, Giralda. (b) Imigração e cultura no Brasil. Brasília/DF: Editora Universidade de Brasília, 1990, p. 22.

possibilidade de utilizar mais intensivamente o solo, inclusive das áreas que inicialmente eram consideradas como impróprias para uso com atividades agropecuárias.

2) A configuração dos lotes tinha por base a forma retangular, sendo estes predominantemente demarcados a partir de rios e córregos, ficando a frente voltada para o curso d’água e os fundos posicionado em direção aos aclives. Esta forma de demarcação era privilegiada por vários motivos, sendo o principal facilitar o acesso dos colonos à água, tanto para uso doméstico quanto para saciar a sede das criações. Mas, além desta, existiam outras vantagens: conforme o tamanho do curso d’água este poderia ser utilizado como via de transporte (navegação), permitindo e facilitando o intercâmbio entre os colonos, sobretudo numa época em que não haviam estradas e o uso de picadas através da mata fechada apresentava seus inconvenientes (acesso mais difícil; temor dos índios que habitavam a região; perigo que representavam as feras e animais peçonhentos; dificuldade no transporte de mercadoria; etc.); as terras de várzea tendem a ser mais férteis devido o depósito de material orgânico por ocasião das cheias; além do que, os cursos d’água propiciavam uma fonte alternativa de alimentação aos colonos, não só pelos peixes que ali proliferavam mas também pelos demais animais silvestres que para ali se dirigiam para saciar a sede, tornando-se presas fáceis de serem abatidas pelos caçadores;

3) Na Região Sul do Brasil, apesar da política republicana passar a exigir a formação de colônias mistas, ou seja, que fossem compostas por imigrantes de etnias diferentes (a justificativa era de que colônias formadas por uma só etnia tendiam a formar núcleos isolados o que não era interessante ao governo, que desejava não só o povoamento, mas também a integração das várias etnias de imigrantes entre si, bem como entre estas e os brasileiros que já ocupavam a Região Sul do país), via de regra as colônias era fundadas com pessoas oriundas de um mesmo país, quase sempre de uma mesma região e, não raro, até mesmo de uma mesma comunidade, motivo pelo qual era bastante comum a constituição de colônias com indivíduos que apresentavam grau de parentesco e de amizade tal a