• Nenhum resultado encontrado

3. POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E O SOFT POWER

3.2 Políticas Externas de governos recentes do Brasil: de Fernando Henrique Cardoso a

3.2.2 O governo Luiz Inácio Lula da Silva e sua Política Externa

O ex-líder operário Luís Inácio Lula da Silva venceu as eleições de 2002 e assumiu a presidência de 2003 a 2010. Apesar do “tom conservador e cauteloso adotado na condução da política econômica, o governo Lula assume posicionamento mais agressivo na divulgação de sua política externa” (BARRETO, 2010, p. 327). Isso porque, contrariando o comportamento dócil e passivo de seus antecessores frente ao multilateralismo, “sua retórica internacionalista passa a cobrar maior assertividade e altivez na busca dos interesses nacionais em mundo ainda com poucos espaços para a periferia” (BARRETO, 2010, p. 327).

Comparativamente, Lula defendeu uma projeção do Brasil como líder no cenário mundial, enquanto FHC considerava a liderança primeiramente regional. Segundo Paulo Roberto de Almeida (2004),

o governo Fernando Henrique Cardoso foi caracterizado por um multilateralismo moderado e atribuiu grande ênfase ao direito internacional, mas também evidenciou uma aceitação tácita do princípio dos “mais iguais”, isto é, a existência de grandes potências e seu papel no sistema internacional. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ostenta um forte multilateralismo e defende a soberania e a igualdade de todos os países com maior ênfase retórica do que tinha sido o caso na anterior administração (ALMEIDA, 2004, p.166).

Vicente Barreto (2010, p. 327) explica que

Inspirada pelos parâmetros diversificadores inaugurados na Política Externa Independente de Jânio Quadros, mas sem deixar de reconhecer e instrumentalizar a nova dinâmica da interdependência econômica, a condução dos negócios externos pelo governo Lula salta de patamar na autodefinição nacional: o Brasil não podia ser apenas um coadjuvante no sistema internacional, mas um global player de papel protagônico e influenciador.

O autor complementa afirmando que a figura midiática de Lula ainda o lança como “porta-voz das iniquidades do mundo e pela reforma no funcionamento do sistema internacional, sua política externa conflagra um articulado movimento de ampliação das novas esferas de poder e de movimentação econômica” (BARRETO, 2010, p. 328).

A chegada de Lula ao poder ainda representou “a volta e aprofundamento do paradigma global-multilateral, agora sob uma nova dimensão de combinação dos eixos Sul- Sul e Norte-Sul (com predomínio do Sul-Sul)” (PECEQUILO, 2012, p. 11). O Brasil assume “posição assertiva e independente no cenário internacional, com a identificação do país como nação do Terceiro Mundo e periférico” (PECEQUILO, 2012, p. 11).

Na época de seu governo, há a ascensão dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China – com posterior incorporação da África do Sul), que juntos, passam a reivindicar a “remodelagem das estruturas decisórias relacionadas às grandes questões internacionais”

(BARRETO, 2010, p. 328). Outro fator marcante de sua política externa é a fuga do alinhamento automático às posições estadunidenses em diversas ocasiões, além da “tentativa de protagonizar um acordo nuclear com o Irã, a despeito da desconfiança das potências militares quanto às reais pretensões da república islâmica nesse diapasão” (BARRETO, 2010, p. 328).

Contudo,

é na seara das negociações multilaterais do comércio internacional que a atuação brasileira se dá com maior vigor e desenvoltura. Assumindo a liderança do movimento de defesa dos interesses do mundo em desenvolvimento e exportador de produtos primários, cujo emblema é a formação do G-20 em meio às negociações da Rodada Doha9 de liberalização comercial, a diplomacia brasileira protagoniza sucessivos embates pelo fim dos subsídios agrícolas concedidos pelas potências do Norte e realça as cores de sua retórica mais proativa (BARRETO, 2010, p. 328). O pleito pela reforma do sistema internacional permeia as ações estratégicas do governo Lula, com o objetivo final de garantir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Segundo Barreto (2010, p. 328), o Brasil de Lula

quer-se tomar parte de seu conjunto, mas sublinhando a necessidade de seu redesenho. A postulação por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU da atual chancelaria demonstra tal condição, associada a uma participação mais efetiva e de liderança em empreitadas como a Missão de Paz no Haiti – MINUSTAH10.

Ademais, de acordo com Hirst, Lima e Pinheiro (2010, p. 24),

Nos fóruns multilaterais internacionais, nas relações bilaterais, na diversificação dos temas em discussão – da saúde pública internacional à proliferação nuclear –, o governo Lula buscou posicionar-se. Esta maior projeção internacional, por um lado, criou expectativas sobre a presença e participação do país nos debates, aumentando ainda mais sua visibilidade. Por outro lado, implicou em maior diversidade e pluralidade de atores e de interesses relacionados aos temas internacionais, o que nem sempre ocorreu de forma convergente com os objetivos perseguidos pelo governo.

A cooperação Sul-Sul foi outro dos eixos principais do governo Lula. A promoção de programas sociais no âmbito interno acaba reforçando a “projeção de poder do país no

9 “Em novembro de 2001, em Doha, no Catar, foi lançada a Rodada de Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio), também conhecida como Rodada de Doha para o Desenvolvimento, por meio da qual os Ministros das Relações Exteriores e de Comércio comprometeram-se a buscar a liberalização comercial e o crescimento econômico, com ênfase nas necessidades dos países em desenvolvimento” (ITAMARATY, 2019).

10 “A Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH) foi criada por Resolução do Conselho de Segurança da ONU, em fevereiro 2004, para restabelecer a segurança e normalidade institucional do país após sucessivos episódios de turbulência política e violência, que culminaram com a partida do então presidente, Jean Bertrand Aristide, para o exílio. O Brasil sempre comandou o componente militar da Missão (2004-2017), que teve a participação de tropas de outros 15 países, além do efetivo brasileiro de capacetes azuis da Marinha, do Exército e da Força Aérea” (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2019).

sistema internacional e de cooperação com as demais nações emergentes e de menor desenvolvimento relativo” (PECEQUILO, 2012, p. 11). Cristina Soreanu Pecequilo afirma ainda que

não há uma tentativa de se distanciar do Terceiro Mundo, mas sim a reafirmação da identidade do país com este grupo, com base em um sentimento de orgulho e não de submissão ou subordinação. A autonomia é a regra de comportamento, com a defesa da agenda de modernização, crescimento e preocupações sociais que marcam o movimento Sul-Sul desde o seu nascimento (PECEQUILO, 2012, p. 12).

Ainda segundo Pecequilo (2012), o Brasil reafirma sua posição de liderança na América do Sul, dando continuidade aos projetos do Mercosul e da IIRSA (Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), lançando ainda o Unasul (União Sul- Americana de Nações), em 2007.

Nos primeiros anos do século XXI, de acordo com o relatório “Inserção Internacional Brasileira: temas de política externa”, do Ipea, o Brasil conseguiu extrair dividendos econômicos e políticos, demonstrado por

i) à redução de sua vulnerabilidade externa fruto do crescimento das exportações e da melhora dos termos de troca dos fluxos de comércio exterior, permitindo a acumulação de reservas internacionais, reduzindo as restrições externas ao crescimento e possibilitando a consecução de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento econômico e social; ii) a uma inserção internacional mais ativa vinculada à maior participação relativa nas arenas de deliberações globais (G-20 comercial, G-20 financeiro, reformas das instituições multilaterais, regras e normas ambientais etc.); iii) a uma maior articulação comercial, produtiva e política com os países que compõem o novo eixo Sul – Sul do desenvolvimento mundial (Ásia, África e América do Sul); e iv) à ampliação da cooperação técnica para o desenvolvimento, sobretudo com os países latino-americanos e africanos (CARDOSO JR, 2010, p. 16).

O ex-chanceler brasileiro Antonio Patriota, ministro das Relações Exteriores entre 2011 e 2013, no governo de Dilma Rousseff, apontou que, durante os anos das duas gestões de Lula,

uma vertente essencial da atual política externa, que se articula com o reforço das parcerias tradicionais, é a diversificação de parcerias. O Brasil tem desenvolvido diálogo político e fortalecido suas relações econômico-comerciais com países antes menos presentes em nossa agenda político-econômica, particularmente na África, na Ásia e no mundo árabe. Abrimos 35 novas embaixadas e, até o fim deste ano, teremos relações diplomáticas com todos os 192 membros das Nações Unidas (PATRIOTA, 2010, n.p.).

É importante destacar as diretrizes sobre a Política Externa no Plano Plurianual dos governos de Lula. No primeiro, que corresponde às metas para o período de 2004 a 2007, o relatório aponta que, na área do multilateralismo, ressaltada nessa pesquisa, há uma defesa

desse, bem como do direito internacional. Destacam-se ainda as diretrizes: Promoção da proteção ao meio ambiente e do desenvolvimento sustentável no plano internacional; Fortalecimento da atuação do Brasil nos foros multilaterais, com ênfase na promoção de uma cultura de paz e de direitos humanos; Divulgação dos acordos internacionais dos quais o País é signatário, monitorando o seu cumprimento, diretrizes com temas relevantes para essa pesquisa. Também defende a reforma do Conselho de Segurança da ONU, com a inclusão do Brasil (PLANEJAMENTO, 2003, p. 100).

Já no Plano Plurianual do segundo mandato (2007 – 2011) evidencia-se a Cooperação Sul-Sul, ao afirmar que

O Brasil procura dar impulso à cooperação Sul-Sul, diversificando suas parcerias. A criação do Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), o incremento das relações com a África e a aproximação com o mundo árabe são iniciativas importantes para o adensamento do diálogo político, do comércio e dos investimentos entre países em desenvolvimento (PLANEJAMENTO, 2007, p. 105). Além disso, destaca a atuação brasileira na MINUSTAH, a necessidade da reforma do Conselho de Segurança da ONU, a integração física com os países sul-americanos e o enfrentamento dos desafios globais, no qual se pode associar a questão urbana, por meio de uma postura ativa da diplomacia brasileira (PLANEJAMENTO, 2007, p. 105).

Cabe ressaltar ainda a atuação do diplomata de carreira Celso Amorim à frente do Ministério das Relações Exteriores durante todo o governo Lula (de 2003 a 2010), cargo ocupado por ele também durante a gestão de Itamar Franco, entre os anos de 1993 a 1995. O ex-chanceler denominou a diplomacia do seu período frente ao Itamaraty de ‘ativa e altiva’, e essa, segundo Almeida (2004, p. 162),

traz a marca de um ativismo exemplar, evidenciado em dezenas, ou mais propriamente centenas, de viagens e visitas bilaterais do chefe de governo [Lula] e seu chanceler, no Brasil e no exterior, ademais da intensa participação, executiva e técnica, em quase todos os foros relevantes abertos ao engenho e arte da diplomacia brasileira, conhecida por ser extremamente profissional e bem preparada substantivamente.

Celso Amorim foi um dos responsáveis pela ampliação do número de embaixadas brasileiras, especialmente nos países em desenvolvimento, em consonância com as políticas Sul-Sul. Segundo Paulo Roberto de Almeida (2012, p. 29), durante o período, “muitas embaixadas foram criadas na África e na América Latina, especialmente no Caribe, talvez com o propósito de contemplar interesses brasileiros na ONU ou em outras instâncias”.

Por fim, foi durante o governo Lula que foi realizado o 5º Fórum Urbano Mundial, fórum sobre as cidades realizado entre as Conferências Habitat, a cada dois anos, na

cidade do Rio de Janeiro. O fórum ocorreu em 2010, reunindo cerca de 10 mil participantes – representando governos, academia, ONGs e sociedade civil, de 171 países e 300 cidades e teve como tema “O direito à cidade: unindo o urbano dividido”. Contou “com a presença do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da Diretora-Executiva do ONU-Habitat, Anna Tibaijuka, e do Ministro das Cidades, Marcio Fortes de Almeida, entre muitas outras autoridades nacionais e internacionais” (UNIC RIO, 2010).

Em suma, a política externa do governo Lula enfatizou as questões de soberania e interesses nacionais, priorizando a cooperação Sul-Sul. A projeção internacional brasileira ampliou-se com o diálogo, comércio e cooperação com uma enormidade de países, com a abertura de embaixadas em todos os continentes, além da participação ativa em fóruns multilaterais, imprimindo voz ao Brasil, contribuindo para o pleito do país de requerer a reforma do Conselho de Segurança da ONU e se colocar como um representante das nações do Sul global.