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3. POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E O SOFT POWER

3.1 Caracterização Geral da Política Externa Brasileira nos Séculos XX e XXI:

3.1.1 Valores, tradições e continuidades da Política Externa Brasileira

A política externa brasileira apresenta razoável regularidade, ou uma “continuidade relativa”, de acordo com Valença e Carvalho (2014), mesmo com as alterações de governo, o que contribui para a imagem externa positiva do país, além da reputação de confiabilidade e de cumprimento da palavra empenhada. Segundo Rocha (2006),

não é raro o governo brasileiro receber o reconhecimento de outros governos pela previsibilidade de seu comportamento no plano internacional e pela boa vontade associada a suas posições, sempre cautelosas e tendentes a estabelecer diálogo com todas as partes e a manter portas pelo menos entreabertas. Também são frequentes os elogios a diplomatas brasileiros, cuja formação é considerada densa, seguramente mais profissional do que a que se observa, na média, entre os países em desenvolvimento. Isso não apenas lhes confere prestígio, mas também reafirma sua característica profissional de solucionadores de litígios internacionais por meios pacíficos” (ROCHA, 2006, p. 96).

E para Celso Lafer, ex-chanceler brasileiro,

a visão do mundo e do papel do Brasil nas relações internacionais é fruto de circunstâncias históricas que foram definindo nossa identidade internacional [...]. Neste processo, certos valores foram se afirmando. Entre eles o da autonomia possível para uma potência média de escala continental situada na América do Sul. Este valor, com seus desdobramentos, passou a integrar o mapa da ação diplomática brasileira” (LAFER, 2001, p. 114).

Conforme dito acima, entre os valores orientadores da política externa brasileira, destacam-se a “autodeterminação dos povos, não intervenção em assuntos internos, solução pacífica de controvérsias, respeito às normas e instituições do Direito Internacional, entre outros” (ROCHA, 2006, p. 108), inspirados em valores liberais ocidentais.

O Brasil se apresenta ao longo da história como país defensor da justiça e do Direito Internacional. De acordo com Rocha (2006),

O País também se apresenta, tradicionalmente, como portador de valores de tolerância e de respeito a países mais frágeis, como uma espécie de liderança que se constrói por sua capacidade de articulação de interesses contraditórios e de

construção de consensos. Entre as evidências desse comportamento, estariam as participações do Brasil nas organizações internacionais e na solução de litígios, bem como sua “natural” indicação, por seus pares, para exercer a liderança em grandes negociações internacionais (como foi o caso do Grupo dos 77, do auxílio – não obstante tardio – ao processo de independência dos países africanos e da formação do G-20 no âmbito da OMC) (ROCHA, 2006, p. 111).

Com sua reafirmação no plano internacional, o Estado brasileiro tem defendido transformações no ambiente internacional, com o seguimento de normas, contrastando com a alternativa do uso da força, caracterizando a busca pelo poder brando ou soft power.Além disso, “o Brasil tradicionalmente mantém uma política externa que defende não apenas um mundo governado por regras, mas, pelo menos desde os anos 1960, a promoção da justiça e da igualdade no âmbito internacional” (ROCHA, 2006, p. 104). A preferência da persuasão à força e coerção, garantiu respeitabilidade à diplomacia brasileira, de acordo com Rocha (2006) e, assim, “não surpreende que sejamos o país em desenvolvimento que mais vezes foi escolhido para ocupar assento rotativo no Conselho de Segurança das Nações Unidas” (ROCHA, 2006, p. 100).

Em diversas ocasiões,

a política externa brasileira utiliza o argumento moral para tentar expandir sua capacidade de influir nos processos políticos internacionais. Afinal, se é verdade que em política externa o discurso é ação, a política externa brasileira caracteriza-se não apenas por usar intensivamente o discurso, mas também por imprimir à sua retórica um tom marcadamente normativo e legalista (ROCHA, 2006, p. 101).

A reclamação dessa autoridade moral, de acordo com Rocha (2006), serve de base para o pleito do assento permanente no Conselho de Segurança da ONU pelo Brasil. Como consequência da intensa participação na definição das estruturas internacionais, “mais profundamente ele se envolve nesses processos, favorecendo alguns interesses e contrariando outros” (ROCHA, 2006, p. 104).

Tiago dos Reis Rocha (2012) reafirma o explicado por Rocha (2006), dado que o uso do capital político obtido por meio de uma política externa equilibrada e do soft power da credibilidade, mencionada por Lafer, adquirida historicamente pela diplomacia do Brasil favoreceria o pleito de assegurar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Nas palavras do autor,

o Brasil fazendo uso de um capital político acumulado principalmente por meio de um histórico de resolução pacífica de conflitos, através de sua diplomacia, o ideário do desenvolvimento, o vigor de sua economia, e um legado de multilateralismo, a se projetar como um pleiteante a um ator destacado nas grandes decisões internacionais, que, grosso modo, pode se resumir a materialização desses anseios por meio da conquista de um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, cuja candidatura o país já até apresentou.

Complementa a ideia afirmando que

as últimas décadas tem testemunhado de maneira evidente, o crescimento de iniciativas diplomáticas brasileiras que demonstram um incremento em tal interesse de pró-atividade na arena decisória internacional. No entanto, os meios utilizados nessa investida brasileira se apresentam praticamente todos orientados na dinâmica de uma inserção internacional através de formas brandas de poder, o que demonstra certo paradoxo, haja vista a intenção ser a de se atingir as instâncias arbitrais de questões que envolvem diretamente a segurança do sistema, o que nesse caso demandaria também no mínimo a apresentação de credenciais coercitivas, caso tais ações tornem-se algum momento necessárias (ROCHA, 2012, p.70).

Entretanto, segundo Lima et al. (2015), os problemas internos de ordem social e econômica “comprometem a projeção do interesse brasileiro no sentido de um maior protagonismo no cenário internacional, onde a diplomacia brasileira tenta compensar através de políticas de soft power” (LIMA et al., 2015).

Sobre os princípios básicos que regem historicamente a política externa brasileira, elencados por Paulo Vizentini (1999) são: pacifismo, igualdade das nações, independência nacional e solidariedade coletiva. No que diz respeito ao pacifismo, Vizentini (1999, p. 333) afirma que “desde que o Brasil se transformou em um Estado independente, portanto, soberano, passamos a advogar a solução pacífica dos conflitos internacionais. Valorizamos o diálogo, a negociação e outros meios suasórios preconizados pelo Direito Internacional”.

Já sobre a ideia de igualdade entre as nações, era preconizada pelo Brasil antes da incorporação à Carta da ONU, sendo defendida na Conferência de Haia (1907) por Rui Barbosa. Além disso, “O Brasil o tem defendido em várias outras oportunidades, como nas conferências internacionais da ONU e da OEA, nas reuniões realizadas entre países ricos e pobres, e dos países do chamado Terceiro Mundo” (VIZENTINI, 1999, p. 334).

A soberania e a independência estatal são premissas básicas do Direito Internacional e também constituem os princípios básicos da diplomacia brasileira. Segundo Vizentini (1999, p. 335),

O Brasil sempre defendeu o princípio da não intervenção, quer em relação à sua política interna ou externa, quer no que concerne à situação da política de qualquer outro Estado. E, a prova mais evidente disso, são os veementes protestos do Itamarati nos casos de violação de direitos ou intervenções em Estados pequenos ou fracos, por nações mais fortes militar ou economicamente.

Por fim, a solidariedade coletiva é expressa pelo Brasil a partir da defesa do ideal de pan-americanismo. O pan-americanismo se traduz nos ideais e interesses comuns dos povos do continente americano, unidos geográfica e historicamente, alicerçado, desde 1948, na Organização dos Estados Americanos (OEA) (VIZENTINI, 1999, p. 336).

Valença e Carvalho (2014, p. 69) também apontam para os dois “grandes empreendimentos” sobre os quais se alicerça a Política Externa Brasileira: a construção da autonomia política e econômica em nível internacional e encontrar um papel substancial na política internacional.