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3. POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E O SOFT POWER

3.1 Caracterização Geral da Política Externa Brasileira nos Séculos XX e XXI:

3.1.5 Regimes internacionais e Questão Ambiental

O Brasil tem procurado, ao longo da história, se adequar aos regimes internacionais, discutidos no Capítulo 3 da presente dissertação, bem como ao Direito Internacional. Antonio da Rocha (2006) defende a tese de que

o Brasil utiliza sua participação em diferentes regimes internacionais como uma forma de aumentar sua influência sobre estruturas, agentes e processos políticos internacionais. Na maioria das vezes, a política externa brasileira obteve êxito nesse processo e ampliou sua capacidade de interferir na evolução dos eventos internacionais, tanto ao propor quanto ao associar-se a regimes internacionais (ROCHA, 2006, p. 76).

Contudo, de acordo com o autor, há limitações nessa estratégia e algumas decisões foram contraditórias aos valores e padrões brasileiros, indo contra os interesses nacionais, na visão de Rocha (2006), como a adesão ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

Sobre a adesão brasileira aos regimes internacionais, Rocha explica que contribui para fortalecer a ordem internacional e nacional, de forma representativa e legitima algo que outros países podem interpretar como ameaça a soberania.Assim,

com razoável frequência, a política externa brasileira obteve êxito nesse processo e ampliou sua capacidade de interferir na evolução dos eventos internacionais, ora participando da construção, ora associando-se a regimes internacionais já razoavelmente institucionalizados (ROCHA, 2006, p. 120).

A inserção cada vez maior da sociedade brasileira em ambiente internacional impõe ao governo maiores expectativas dessa sociedade, isto porque, a “intensificação do envolvimento em assuntos globais aporta maior volume de informação e fornece aos agentes sociais condições de se tornarem mais exigentes” (ROCHA, 2006, p. 106).

Um exemplo elucidado pelo autor da imersão do Brasil nos regimes internacionais é

a mudança de comportamento do governo brasileiro com relação ao meio ambiente, especialmente a partir da realização da Rio-92, talvez seja o caso mais notório em que, ao aderir a um conjunto de regimes internacionais, o Brasil mudou a imagem que projetava no exterior. Com efeito, até fins da década de 1980, o país era visto como uma espécie de vilão ambiental, um destruidor da natureza, particularmente da floresta amazônica – à qual muitos se referiam, sem qualquer fundamento científico, como “o pulmão do mundo”. A gradual adesão aos regimes ambientais trouxe, de pronto, excelentes resultados em termos da imagem externa do País. E, pouco a pouco, abriu espaço para que o governo brasileiro atuasse como líder na área, adquirindo a capacidade de participar ativamente da formulação da agenda, como se pôde observar ao Protocolo de Quioto (ROCHA, 2006, p. 93).

O país se colocou como líder na área dos regimes ambientais internacionais, principalmente a partir da década de 1990, buscando modificar a imagem internacional do país, antes considerado vilão ambiental, imagem diplomática que nem sempre reflete a realidade interna, principalmente no que tange ao desmatamento da Floresta Amazônica e outros biomas brasileiros. Leandro Dias de Oliveira corrobora essa ideia ao afirmar que “o Brasil dispunha de um forte apelo simbólico, pela riqueza amazônica e pelos graves problemas os quais era acusado de ser responsável, e que assim necessitava oferecer uma resposta incisiva” (OLIVEIRA, 2011, p. 102).

Com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio-92), a imagem do país se consolidou no cenário internacional como líder na área. Sobre a Rio-92, Arraes (2006) explica que

a Conferência optaria, por influência dos países subdesenvolvidos, por consagrar o desenvolvimento como um direito dos Estados, de forma que lhes preservasse a soberania e, ao mesmo tempo, fixasse suas responsabilidades, sendo, portanto, tarefas dos graus de desenvolvimento material e exaustão de recursos naturais” (ARRAES, 2006, p. 11).

Acrescenta ainda que “a Rio-92, ou a ECO-92, estabeleceria, por meio de sua forma de tratamento do tema, que havia sido congraçar tópicos afins, que ‘[...] o conjunto das grandes conferências iria configurar uma espécie de sistema, em que as decisões de cada uma afetariam as demais’” (ARRAES, 2006, p. 12). Ou seja, compreende-se que o Brasil, organizando e regulando a conferência Rio-92, a primeira da série de conferências da década de 1990, lançou bases para o modelo de conferências temáticas da ONU.

Para o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores),

o Brasil assumiu postura ambiciosa nas discussões e teve papel determinante na aprovação de documentos cruciais, como a Agenda 21, a Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração de Princípios sobre Florestas e as Convenções sobre Biodiversidade, sobre Mudança Climática e sobre Desertificação (ITAMARATY, 2018a).

Segundo Rocha,

participar de regimes internacionais é uma maneira de se constituir a própria identidade no ambiente internacional. No caso do Brasil, essa participação desempenhou papel extremamente relevante, inicialmente, na afirmação da identidade nacional, e, progressivamente, na inserção internacional do País (ROCHA, 2006, p. 92).

Ademais, “a própria identidade do País se constitui, pelo menos em parte, por meio da utilização do que se pode chamar de argumento moral, isto é, o apoio do Brasil a instituições e sua adesão a regimes internacionais em defesa de uma ordem internacional

regida por normas” (ROCHA, 2006, p. 93). Dessa forma, “a política externa brasileira obtém êxito nesse processo e amplia sua capacidade de interferir na evolução dos eventos internacionais, quer quando propõe, quer quando se associa a regimes internacionais vigentes” (ROCHA, 2006, p. 93).

Entretanto,

os regimes sempre beneficiam alguns agentes em detrimento de outros, e, por isso mesmo, a cada decisão de aderir ou não às normas, devem os agentes ter presente o fato de que, se o fizerem, estarão contribuindo para conservar, junto com as regras, um determinado estado de coisas; se não o fizerem, estarão reduzindo as expectativas generalizadas de comportamento conforme as normas, logo, para enfraquecer os regimes internacionais vigentes (ROCHA, 2006, p. 110).

Outra área que o Brasil vem se destacando é a do desenvolvimento como parte integrante da defesa dos direitos humanos, que assim como visto no caso ambiental, pode não se refletir na realidade interna nacional. Defendendo que os países desenvolvidos desfaçam barreiras comerciais, favorecendo a produção econômica e as condições para a promoção dos direitos humanos nos países em desenvolvimento (ROCHA, 2006, p. 94). O governo brasileiro deixou de se calar e reconheceu a existência desses problemas no país. Dessa forma, o país se tornou defensor dos direitos humanos e, admite também as dificuldades em afirmar esses direitos num contexto de desigualdades econômicas e sociais.

Seguindo os preceitos da Rio-92, por fim, o desenvolvimento sustentável pautou outro foco brasileiro na questão ambiental. De acordo com o Itamaraty, “o Brasil desempenha papel de crescente importância no tema, tanto pelos recentes avanços domésticos nos aspectos ambiental, social e econômico quanto por sua consistente atuação nos foros internacionais” (ITAMARATY, 2018a). Novamente ressalta-se que o discurso diplomático exposto nem sempre se refletiu em políticas públicas e mudanças estruturais na realidade interna brasileira, discussão ampla e complexa para tratamento completo no âmbito dessa pesquisa, mas que caberá reflexão no capítulo final da futura dissertação no que tange aos reflexos dos objetivos acordados internacionalmente sobre a questão urbana na concretude do território nacional.

Como discutido anteriormente nessa dissertação, em 2015, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ou Agenda 2030, definem a agenda de desenvolvimento pós- 2015, e “reflete os novos desafios de desenvolvimento e está ligada ao resultado da Rio+20 – a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável – que foi realizada em junho de 2012 no Rio de Janeiro, Brasil” (ONUa, 2018).

o Brasil participou de todas as sessões da negociação intergovernamental. Chegou- se a um acordo que contempla 17 Objetivos e 169 metas, envolvendo temáticas diversificadas, como erradicação da pobreza, segurança alimentar e agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, energia, água e saneamento, padrões sustentáveis de produção e de consumo, mudança do clima, cidades sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura e industrialização, governança, e meios de implementação (ITAMARATY, 2018b).

Por meio de trabalhos de seminários com representantes da sociedade civil, de oficinas com representantes das entidades municipais organizadas pela Secretaria de Relações Institucionais/PR e pelo Ministério das Cidades, e das deliberações do Grupo de Trabalho Interministerial sobre a Agenda Pós-2015, que reuniu 27 Ministérios e órgãos da administração pública federal foi elaborado o documento “Elementos Orientadores da Posição Brasileira”. Entre os princípios defendidos pelo documento, como forma de exemplificação, está que “o Brasil considera que a erradicação da pobreza, em todas as suas manifestações, deve constar como primeira prioridade nas iniciativas para o desenvolvimento sustentável” e que “os ODS devem ser de natureza global e universalmente aplicáveis a todos os países, levando em conta as diferentes realidades nacionais, dinâmicas sociais, capacidades e níveis de desenvolvimento, e respeitando políticas e prioridades nacionais” (ITAMARATY, 2014, p. 7; 8).

Concluindo, constata-se que nas últimas décadas, o Brasil tem dado foco à questão ambiental como estratégia na política externa, buscando desvincular seu passado de “vilão ambiental” e associar sua imagem, no cenário internacional, a um território biodiverso e de defensor das temáticas ambientais no plano diplomático, sediando duas das grandes conferências das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Rio- 92 e Rio+20).

3.2 Políticas Externas de governos recentes do Brasil: de Fernando Henrique Cardoso a