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3. POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E O SOFT POWER

3.2 Políticas Externas de governos recentes do Brasil: de Fernando Henrique Cardoso a

3.2.4 Política Externa no início do governo Jair Bolsonaro

Por fim, apesar da brevidade do mandato do presidente ultraconservador que tomou posse em 2019, Jair Messias Bolsonaro, procurou-se verificar indícios e sinalizações

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TEMER, Michel. Discurso do Presidente Michel Temer na abertura do Debate Geral da 73ª Sessão da

Assembleia Geral das Nações Unidas. Nova Iorque, 25 set. 2018. Disponível em:

http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/presidente-da-republica-federativa- do-brasil-discursos/19533-discurso-do-presidente-michel-temer-na-abertura-do-debate-geral-da-73-sessao-da- assembleia-geral-das-nacoes-unidas-2.

de sua orientação diplomática e rumos da política externa. O escolhido para o Itamaraty foi Ernesto Araújo, diplomata que se diz contra o “marxismo cultural” e fortemente alinhado ao presidente atual estadunidense Donald Trump.

Entre as mudanças sinalizadas está o comércio exterior brasileiro. Segundo as jornalistas Patrícia Campos Mello e Luciana Coelho (2018, n.p.), em artigo da Folha de S. Paulo, “o comércio deve ser o norte, e aliados à direita, os mais cortejados. A Europa e a Ásia passam para segundo plano, e EUA e Israel a amigos mais próximos”.

Sobre o multilateralismo, já tradicional da diplomacia brasileira, tanto Bolsonaro, como Araújo buscam seguir a tendência mundial antiglobalista e antimultilateralista, uma vez que “integrantes do governo são duros críticos do globalismo16

e da influência de instituições multilaterais” (MELLO; COELHO, 2018, n.p.). Isso pode ser constatado ainda pela decisão do Brasil não mais sediar a Conferência do Clima de 2019, rompendo com as estratégias adotadas, nos últimos anos, de projeção global e soft power. Retornando à matéria de Mello e Coelho, “é improvável que o país retome pleitos de governos passados como mediar conflitos, liderar negociações multilaterais como Doha (comércio) e Paris (clima) ou a busca pelo assento permanente no Conselho de Segurança da ONU” (MELLO; COELHO, 2018, n.p.).

Os primeiros noventa dias do governo Bolsonaro foram marcados por quatro viagens internacionais, sendo três a países com ‘governos amigos’, sendo eles Estados Unidos, Chile e Israel, e para participar do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça e, as Relações Exteriores se constituíram como um dos focos do presidente nesses dias (SILVA, 2019, n.p.), escolhendo esses países para atender a população que o apoia, baseado mais em questões ideológicas do que estratégicas, segundo Marco Aurélio Nogueira, e demarcar distanciamento em relação às diretrizes dos governos anteriores, de acordo com Flávia de Campos Melo, ambos em entrevista a Matheus Pimentel, do Jornal Nexo (NEXO, 2019, n.p.). Outro fato marcante dos primeiros dias de governo foi a sinalização da criação de um novo órgão multilateral sul-americano em substituição ao Unasul, o Prosul (Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul), junto a outros governos do subcontinente.

Na área ambiental, o governo Bolsonaro tem adotado medidas dignas de críticas internacionais, principalmente de governos europeus, que veem com preocupação sua postura em relação ao meio ambiente. Oito ex-ministros do Meio Ambiente, Rubens Ricupero, Gustavo Krause, José Sarney Filho, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc,

16 Globalismo é a ideia de que está se consolidando, em nível global, uma hegemonia cultural totalizante pautada por valores progressistas, seculares e cosmopolitas, que são usualmente identificados com a agenda sexual de minorias, pautas ambientalistas e discursos de igualdade racial e de gênero (ESTADÃO, 2017, n.p.).

Izabella Teixeira e Edson Duarte, se uniram e declararam de forma conjunto que “a governança socioambiental no Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição” (BODAS, 2019, n.p.). Entre as medidas efetivadas, além de ameaças já proferidas, pode-se destacar:

 Extinção das Secretarias de Mudanças do Clima, de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental e Transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) (GREENPEACE, 2019, n.p.);

 Enfraquecimento em Acordos Internacionais: retirada da candidatura para sediar o evento internacional COP25 (Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas) (GREENPEACE, 2019, n.p.).;

 Alterou a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), reduzindo de 96 para 23 integrantes, com ganho de poder do governo federal no conselho (TRISOTTO, 2019);

 Liberação acelerada de agrotóxicos: “Desde o começo do ano, já são 239 produtos novos liberados no mercado. Esse volume de aprovações é inédito e preocupante, sendo 43% altamente ou extremamente tóxicos e 31% são de agrotóxicos não permitidos na União Europeia. Além dos agrotóxicos já liberados, há 538 novos pedidos de registro acatados pelo novo governo” (GREENPEACE, 2019, n.p.);

 Redução na fiscalização: “De janeiro a maio [de 2019], o número de multas aplicadas pelo Ibama por desmatamento ilegal foi o mais baixo em 11 anos” (TRIGUEIRO, 2019);  Revisão de todas 334 Unidades de Conservação (TRIGUEIRO, 2019);

 FUNAI (Fundação Nacional do Índio): tentativa de transferir demarcação de terras indígenas ao MAPA e novo presidente Marcelo Augusto Xavier é ligado à bancada ruralista e defende a exploração de mineração em terras indígenas (PODER360, 2019).

Em recentes discussões sobre o Acordo Mercosul-União Europeia, alguns líderes fizeram declarações sobre isso, entre eles

o relator da ONU para Extrema Pobreza e Direitos Humanos, Philip Alston, declarou que as políticas de Bolsonaro são uma ameaça ao meio ambiente global. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, disse ver com “grande preocupação” a situação no Brasil, a qual descreveu como “dramática”, especialmente na Amazônia. O presidente francês, Emmanuel Macron, foi além e chegou a declarar que não assinaria um acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, caso Bolsonaro saísse do acordo climático de Paris (BODAS, 2019, n.p.).

Além das lideranças, outros atores também tem criticado a “agenda antiambiental” de Bolsonaro. Exemplo disso é que

cerca de 340 organizações pediram à União Europeia que interrompa as negociações sobre um acordo comercial com o Mercosul até que o governo ofereça garantias de não retrocesso em suas políticas socioambientais. Em abril, mais de 600 cientistas europeus pediram à União Europeia ações no mesmo sentido (BODAS, 2019, n.p.). Em suma, a postura adotada pelo governo Bolsonaro nos seus primeiros 200 dias em relação ao meio ambiente, direitos humanos e multilateralismo põem em questão a influência global adquirida pelo Brasil nas últimas décadas como protagonista nestas áreas, colocando em risco inclusive questões econômicas.

Ademais, com o exposto no capítulo, compreende-se que o Brasil segue uma linha histórica de estabilidade na política externa, assentada no respeito ao Direito Internacional, na solução pacífica dos conflitos, na soberania e na igualdade interestatal, o que alguns autores atribuem à qualificação do corpo diplomático brasileiro, regido sobre os ideais do Barão de Rio Branco. Tal situação de estabilidade pode ser verificada nos mais variados governos brasileiros, inclusive durante os rompimentos democráticos, com alguns matizes de alterações, como entre o “alinhamento automático” aos Estados Unidos, do governo Castelo Branco, o viés da “Política Externa Independente” de Jânio Quadros e João Goulart e a vertente multilateralista dos governos pós-Guerra Fria.

No final do século XX e início do século XXI, principalmente nos governos FHC e Lula, a política externa brasileira traça estratégias para alcançar maior inserção no cenário internacional baseada na participação de fóruns e regimes internacionais, destacando-se no protagonismo das questões sociais e ambientais, por meio da cooperação Sul-Sul e de ações como a liderança da Missão de Estabilização no Haiti. Essas estratégias visavam a projeção global de poder, utilizando-se de palanques internacionais, com a finalidade histórica de pleitear um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, possibilitando a ascensão do país como potência global. Entretanto, a reivindicação perdeu espaço durante os governos de Dilma Rousseff e de Michel Temer, por causa de crises internas e não há sinalizações de tal meta no governo de Jair Bolsonaro, uma vez que este busca se distanciar do multilateralismo e da tradição da Política Externa Brasileira.

4. ASSENTAMENTOS URBANOS NA AGENDA GLOBAL: UM OLHAR PARA AS. CONFERÊNCIAS HABITAT

O presente capítulo trata da evolução dos debates sobre os assentamentos urbanos na agenda global, incorporado junto a novas pautas, fortalecidas com o fim da Guerra Fria e o mundo bipolar. Como forma de análise dessa evolução, debruçou-se sobre a compreensão das três conferências Habitat, organizadas pela Organização das Nações Unidas. A importância dessas discussões multilaterais envolve seus reflexos políticos em todas as escalas de análise, perpassando pelo global, nacional, regional e local. Discorre-se ainda sobre os avanços, retrocessos e interesses envolvidos nos fóruns internacionais.

4.1 Novas Agendas Internacionais: a ONU e as pautas sociais e ambientais na escala