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2.2 Coesão

2.2.3 Instrumentos para mensurar a coesão

2.2.3.1 Group Environment Questionnaire (GEQ)

Em se tratando de definição e operacionalização do construto coesão, dentre os autores que mais contribuíram pode-se citar Albert V. Carron, por se tratar de um pesquisador que não apenas sozinho, mas também em conjunto com outros pesquisadores, trouxe grandes contribuições para a psicologia e para outras áreas que buscam estudar a coesão de equipes (CHANG; BORDIA, 2001).

Tal contribuição por parte de Carron e sua equipe de pesquisadores se deu pelo fato de que eles observaram que existia a possibilidade de classificar as várias definições de coesão através de duas categorias: integração do grupo e atração individual do grupo, sendo que a partir deste achado, pode ser desenvolvido por Carron, Widmeyer e Brawley (1985) o Group Environment Questionnaire (GEQ), que será apresentado nas subseções a seguir (CHANG; BORDIA, 2001).

Definição de coesão adotada

Embora observe-se definições de coesão amplas e simplificadas, deve-se ter em vista que este construto engloba aspectos mais complexos que fazem jus a uma definição mais abrangente. Sob este ponto de vista, o GEQ foi desenvolvido a partir de um modelo conceitual que considera o construto coesão como sendo multidimensional, incluindo aspectos sociais e relacionados à tarefa, sendo que cada

aspecto reflete tanto o indivíduo quanto o grupo a que ele pertence (CARRON; BRAWLEY, 2000) (CARRON; WIDMEYER; BRAWLEY, 1985) (BOYLE, 2002).

Antes do surgimento do GEQ, vários pesquisadores desenvolveram instrumentos com o intuito de mensurar a coesão das equipes, no entanto, segundo Boyle (2002), tais métricas não incluíam a análise da coesão da tarefa e, como resultados desta deficiência, foram constatadas inconsistências relacionadas à medição do índice de coesão das equipes, com a chegada do Group Environment

Questionnaire, em 1985, tal ponto fraco pode ser reparado, tendo em vista que o

GEQ aborda este aspecto da coesão em sua medição.

Segundo Carron e Brawley (2000), o modelo conceitual sobre o qual se baseia o GEQ deriva da literatura que trata da dinâmica de grupos, sendo que o procedimento de medição utilizado tem relação tanto com as crenças da equipe como um todo, quanto com as crenças individuais dos membros.

Este modelo conceitual é composto por duas constelações de percepções, uma relacionada às percepções sociais que cada membro desenvolve individualmente sobre sua própria equipe, e é definida como Integração do Grupo (IG); e outra constelação que diz respeito às percepções sociais, mantidas individualmente pelos membros, a qual associa-se ao modo como a equipe atende às necessidades e objetivos pessoais dos membros, denominada Atrações Individuais para o Grupo (AI). Outros elementos que compõem este modelo conceitual, e que são estabelecidos como focos fundamentais para a IG e AI são os interesses Sociais (S) e pelas Tarefas (T), onde o primeiro pode ser visto como uma orientação sobre o desenvolvimento e manutenção das relações sociais dentro da equipe, e o segundo faz alusão ao desempenho coletivo, metas e objetivos da equipe (CARRON; WIDMEYER; BRAWLEY, 1985) (CARRON; BRAWLEY, 2000).

Carron e Brawley (2000) alegam que o modelo conceitual de coesão, proposto em sua pesquisa, é consistente com a teoria da dinâmica de grupos, tendo em vista que vários autores têm destacado que em análises de dinâmica de grupos há a necessidade em se distinguir o indivíduo e o grupo, e em seu modelo conceitual há uma separação clara entre os interesses pessoais e coletivos (AI e IG, respectivamente). Do mesmo modo, eles destacam que “[...] O pressuposto de que

os interesses pela tarefa e pelo social são duas orientações principais das crenças do grupo também é consistente com a teoria da dinâmica de grupo. [...]” (CARRON; BRAWLEY, 2000, p. 90-91, tradução nossa).

Assim, de um modo geral, Carron e Brawley (2000) consideram que a coesão de equipes pode ser satisfatoriamente representada pelos quatro construtos de seu modelo conceitual: Integração do Grupo - Tarefa (IG-T), Integração do Grupo - Social (IG-S), Atrações Individuais para o Grupo - Tarefa (AI-T) e Atrações Individuais para o Grupo - Social (AI-S).

O modelo conceitual supracitado é definido como sendo de natureza multidimensional, tendo em vista que é composto por quatro dimensões indissociáveis. No entanto, vale ressaltar que embora possa-se adotar uma conceituação multidimensional, isso “[...] não envolve aceitar a premissa de que todas as dimensões estão igualmente presentes entre os diferentes grupos na mesma medida e ao mesmo tempo na vida de um grupo [...]”, pois deve-se considerar a dimensão da tarefa versus a dimensão social, e levar em conta as particularidades do grupo, visto que, contribuições consideráveis para a coesão em equipes de trabalho dependem de tais peculiaridades (CARRON; BRAWLEY, 2000, p. 96, tradução nossa).

Embora as quatro dimensões do modelo conceitual de Carron, Widmeyer e Brawley (1985) sejam independentes entre si, podendo cada dimensão apresentar- se com índices não igualitários aos demais, assume-se que elas sejam correlacionadas, pois tal relação se dá através da percepção sobre a interação entre as várias orientações para a tarefa e para o social, sob o ponto de vista dos membros sobre si mesmos e sobre a equipe. De tal modo que nesta abordagem apenas as percepções intragrupo são exploradas, não sendo consideradas, no entanto, as percepções extragrupo.

O Instrumento

O Group Environment Questionnaire (GEQ) foi desenvolvido como uma definição operacional para o modelo conceitual multidimensional de coesão de

equipes, proposto por Albert V. Carron, e seu grupo de pesquisadores, em seus estudos (CARRON; BRAWLEY, 2000).

O GEQ foi desenvolvido para ser aplicado na área desportiva, passando então a ser amplamente utilizado nesta área, e se firmado como um dos principais meios para analisar o nível de coesão das equipes. Anos depois, através do apoio de diversas outras pesquisas, Carron e Brawley (2000) passaram a sugerir que seu modelo fosse expandido, de tal modo que viesse a ser adaptado para equipes de outros contextos (CARRON, 1995 apud CHANG; BORDIA, 2001).

Ressalta-se que embora haja o incentivo quanto à utilização do GEQ em áreas diferentes da esportiva, Carron e Brawley (2000) deixam claro que fora do domínio esportivo não existem evidências suficientes que sustentem a suposição de que o modelo conceitual proposto tenha validade para equipes em outros contextos. Isso porque a análise do modelo de coesão de equipes com adaptações do instrumento para outras áreas, além da desportiva, ainda encontrava-se nos estágios preliminares, de modo que muitas questões ainda careciam ser esclarecidas, o que demandaria variadas investigações futuras com o intuito de aperfeiçoar o modelo como um todo.

Embora os pesquisadores estivessem cientes sobre a possibilidade do modelo conceitual de Carron e Brawley (2000) não ser válido para outras áreas, que não a esportiva, isso parece não ter influenciado quanto a expansão da quantidade de estudos com o foco na coesão de equipes. Sendo que tal fato tornou-se inclusive um fator encorajador para aplicar o modelo conceitual proposto por Carron em outros tipos de grupos, e isso ocorreu em diversas áreas, bem distintas da área desportiva, tais como equipes provenientes de organizações, como é o caso das equipes de desenvolvimento de software, que foram estudadas por Wellington, Briggs e Girard (2005a), tomando-se por base o modelo proposto por Carron et al.

O aumento no número de estudos a utilizar o GEQ ocorreu por conta de que diversos grupos de pesquisa passaram a utilizá-lo, e através dos resultados obtidos, tais pesquisadores puderam endossar a crença dos desenvolvedores do GEQ, ao constatar que este instrumento, através de seus componentes, é capaz de medir a coesão de maneira efetiva (BRANDON, 200-?).

Quadro 2.1 - Group Environment Questionnaire (GEQ) Group Environment Questionnaire - GEQ

The following questions are designed to assess your feelings about your personal involvement with this team. […]

1. I do not enjoy being a part of the social activities of this team 2. I am not happy with the amount of say I get.

3. I am not going to miss the members of my team at the end of the season. 4. I am unhappy with my team’s level of desire to win.

5. Some of my best friends are on this team.

6. This team does not give me enough opportunities to improve my personal performance. 7. I enjoy other parties more than team parties.

8. I do not like the style of play on this team.

9. To me this team is one of the most important social groups to which I belong.

The following questions are designed to assess your perceptions about your team as a whole. […] 10. Our team is united in trying to reach its goals for performance.

11. Members of our team would rather go out on their own, than together as a team 12. We will all take responsibility for any loss or poor performance by our team. 13. Our team members rarely party together.

14. Our team members have had conflicting aspirations for the team’s performance. 15. Our team would like to spend time together once the season is over.

16. If members of our team have problems in practice, everyone wants to help them so we can get back together again

17. Members of our team do not stick together outside of practices and games.

18. Our team members do not communicate freely about each other’s responsibilities during competition or practice.

Fonte: Boyle (2002, p. 318-319)

O GEQ é composto por 18 itens (Quadro 2.1), respondidos através de uma escala do tipo Likert, com legendas ancoradas nos extremos “concordo fortemente” (strongly agree) e “discordo fortemente” (strongly disagree). Suas questões referem- se a 4 subescalas, baseadas nas dimensões propostas no modelo conceitual que lhe deu origem (AI-T, AI-S, IG-T e IG-S). Cada subescala contém 4 a 5 questões, com o seguinte propósito (BOYLE, 2002) (CARRON; BRAWLEY, 2000) (CARRON; BRAY; EYS, 2002) (CARRON; WIDMEYER; BRAWLEY, 1985):

• Atrações Individuais para o Grupo - Tarefa (AI-T) [...] medem a percepção individual do membro do grupo sobre seu envolvimento pessoal com a produtividade das tarefas do grupo, metas e objetivos; [...]

• Atrações Individuais para o Grupo - Social (AI-S) [...] medem a percepção individual do membro do grupo sobre seu envolvimento pessoal, aceitação, e interação social com o grupo; [...]

• Integração do Grupo - Tarefas (IG-T) [...] medem a percepção individual do membro do grupo sobre a semelhança, proximidade e ligação dentro do grupo como um todo em torno de suas tarefas; [...]

• Integração do Grupo - Social (IG-S) [...] medem a percepção individual do membro do grupo sobre a semelhança, proximidade e ligação dentro do grupo como um todo em torno dos aspectos sociais. [...]

Aplicação do GEQ

No universo literário é possível encontrar os mais diversos tipos de críticas quanto ao GEQ, tanto positivas, quanto negativas, além disso, pode-se observar que foram desenvolvidas versões do GEQ para diversos idiomas, pois além do Inglês (que é o idioma em que o GEQ foi originalmente desenvolvido), identificou-se estudos que relatam a tradução e adaptação desta escala para o Francês, Grego, Espanhol, e até mesmo para o idioma Português.

Segundo Borrego et al. (2010) relevantes pesquisas têm se proposto a avaliar as qualidades métricas do GEQ, sendo que alguns estudos inclusive submeteram-no a análise fatorial confirmatória, com o intuito de analisar sua validade. Duda (1998 apud BOYLE, 2002), por exemplo, publicou uma pesquisa na qual são apresentadas críticas positivas quanto ao resultado da avaliação instrumental do GEQ para a psicologia do esporte. Outros resultados da avaliação quanto à operacionalização do GEQ podem ser observados no Quadro 2.2.

Com relação à área de Engenharia de Software, pode-se citar a pesquisa realizada por Wellington, Briggs e Girard3, que utilizaram o GEQ para avaliar o nível de coesão de equipes de Engenharia de Software, por acreditar que tal instrumento fosse altamente correlacionado com a percepção da coesão para a área para a qual ele foi desenvolvido, de equipes esportivas. No entanto, nesta pesquisa, embora o GEQ utilizado tenha sido aplicado em seu idioma original, o Inglês, os autores tiveram de fazer algumas modificações nas questões que compõem o instrumento para que desta forma ele pudesse refletir a realidade de equipes no contexto da ES (WELLINGTON; BRIGGS; GIRARD, 2005a; 2005b). ()

Após extensa análise de estudos que relatam o uso do GEQ nos mais diversos idiomas, e de seus próprios resultados, Borrego et al. (2010, p. 367) concluíram que tanto o GEQ quanto seu modelo conceitual, proposto por Carron et al. “[...] reveste-se de grande importância, uma vez que continua a ser a abordagem mais aceite, quer a nível internacional quer em Portugal para aceder à temática da dinâmica de grupo no contexto desportivo, do exercício e educação física. [...]”

3

Wellington, Briggs e Girard publicaram em 2005 dois artigos distintos sob diferentes títulos, no entanto observa-se que se trata de dois relatos de uma única pesquisa.

Quadro 2.2 - Análise da operacionalização do GEQ

Autores Ano Sobre a amostra Resultados das análises

Schutz, Eom, Smoll

e Smith

1994 Atletas com idades entre 13 e 19 anos

Os resultados não dão suporte ao modelo conceitual proposto por Carron, e nenhuma subescala obteve , que é o valor mínimo considerado aceitável. Li e Harmer 1996 321 atletas A solução que apresenta melhor adequação, é a que

corresponde ao modelo hierárquico proposto por Carron. Heuzé e

Fontayne4 2002 –

O GEQ possui propriedades psicométricas satisfatórias para medir a coesão em equipas desportivas.

Ntoumanis e

Aggelonidis 2004

Atletas de voleibol com idades entre 18 e 34

anos

O GEQ apresenta valores elevados de consistência interna, boa validade convergente e índices de ajustamento aceitáveis. No entanto, a validade discriminante é problemática, porque os fatores estão altamente correlacionados.

Calvo5 2006 Jogadores de futebol O modelo conceitual de quatro fatores, proposto por Carron, é adequado para mensurar a coesão de equipes. Leitão6 1999

Jogadores profissionais de futebol com idades

entre 17 e 35 anos

As medidas de ajustamento sustentam a adequação do modelo de quatro fatores aos dados.

Borrego, Leitão, Silva,

Alves e Palmi7

2010

Atletas homens, dos campeonatos nacionais, de handebol, basquetebol,

futebol e voleibol, com idades entre 14 e 21 anos

Obtiveram resultados inconclusivos quanto à validade do GEQ. No entanto, acredita-se que o GEQ é dotado de boas qualidades psicométricas, embora os autores acreditem que seja parcial a adequação deste instrumento ao modelo conceitual proposto por Carron.

Fonte: Textos reunidos de Borrego et al. (2010)

Sob este ponto de vista, Borrego et al. (2010, p. 367) ressaltam a importância de que sejam executados estudos complementares, com o intuito de avaliar o GEQ nas mais diversas configurações, além de analisar as qualidades métricas da versão portuguesa, utilizada por eles, seguindo as recomendações descritas por Cota, et al. (1995) e Carron e Brawley (2000), pois “[...] a validação de questionários é um processo continuado, existindo variáveis mediadoras que devem ser explorados. Nomeadamente factores como o idioma e questões culturais.”

4

Houve tradução, validação e reformulação da escala, pois há itens que não são originais do GEQ.

5

O instrumento era composto por doze itens, pois o autor eliminou seis itens durante suas análises.

6

Os resultados da análise da estrutural fatorial levaram a eliminar 7 itens do GEQ.

7