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A GUERRA DE MANOBRA

SUMÁRIO 1 ESTRATÉGIA

5. GUERRA DE ATRITO

A teoria da guerra de atrito está essencialmente preocupada com a destruição do inimigo, suas forças tangíveis. Ela busca destruir, de forma direta, o poder de onde emana a força, o centro de gravidade (CG). Por sua vez, é óbvio que o inimigo protegerá com todas a s suas forças o CG; o resultado do choque é puro atrito, causando desgaste des- necessário e exigindo superioridade numérica e de fogos. Os atricionistas perseguem a vitória pela tentativa de destruir as forças inimigas no campo, com foco na batalha – o evento tático onde as forças são engajadas e destruídas. A doutrina, a estrutura da força, a aquisição de meios, a educação do pessoal e o adestramento são condicionados à ba- talha decisiva, quando o inimigo é instado ao combate e derrotado.

A batalha é o método preferido para se ganhar a guerra. O conceito chave na guerra de atrito é aquele determinado por superioridades numéricas e materiais reais ou percebi- das no balanço de forças; estimativas de perdas em homens e material, simbolizadas al- gebricamente representam o parâmetro para a articulação de forças pelos adeptos desse estilo e a confirmação da taxa de perdas do inimigo como indicador de sucesso.

As características da teoria da atrição incluem uma ênfase na superioridade nu- mérica da força e foco na tecnologia e equipamento. A atenção primária por todos os comandos está centrada no nível de condução tático e na destruição das forças inimigas pelo impacto e o poder de fogo superior. Os atricionistas vêem a guerra como uma coisa científica, mensurável e definível. O foco é quantitativo, a abordagem é sistemática.

Militares atricionistas concentram-se nas capacidades de suas forças por ocasião do planejamento militar, identificando e selecionando os alvos inimigos mas dando pouca atenção e consideração às capacidades e possibilidades do inimigo. Dessa maneira, eles tendem a ser deficientes no que se relaciona ao apoio de inteligência, as estimativas da performance do inimigo e as predições de suas intenções. Nas cabeças dos atricionistas o inimigo é inanimado e impossibilitado.

Geralmente, os adeptos da atrição são reativos e não proativos; freqüentemente são previsíveis e dificilmente aceitam riscos. As organizações militares que apresentam características como ataques frontais em massa, grande dependência de fogos de artilha- ria e campanhas baseadas em bombardeamento estratégico estão associadas ao estilo de atrição.

Há vários exemplos de atrição aplicados nos níveis tático e operacional. Por exem- plo, o estilo de Napoleão; seu método de rapidamente emassar suas forças para buscar a completa destruição das forças inimigas tipifica um gênio da teoria de atrição. A invasão da Normandia, durante a Segunda Guerra Mundial, embora usando fintas e decepção quanto ao local de desembarque, foi uma maciça abordagem atricionista no nível operacional.

Cada desembarque sangrento nas ilhas do Pacífico Sul representou uma brutal atrição contra um inimigo determinado. As forças americanas no Vietnã podem ser categoriza- das como atricionistas, pois sempre buscaram o engajamento do inimigo no campo de batalha. Durante a operação “Tempestade no Deserto”, os americanos realizaram uma finta operacional por meio de uma demonstração anfíbia no litoral kuaitiano, fixando várias divisões iraquianas; em sincronia, lançaram um ataque terrestre incidindo nas posições à retaguarda e incapacitaram a estrutura de comando e controle iraquiana. Apesar disso, o efeito desejado maior era a destruição das forças militares iraquianas. Tipicamente, o modo de fazer a guerra dos americanos é atricional, dependendo do seu poder industrial para prover máquinas, pessoal, poder de fogo superior, massa e tecnologia.

As vantagens decorrentes da aderência à guerra de atrito depende da superiori- dade em meios e de um inimigo cooperativo. Com superioridade de meios e capacidade logística para pleno abastecimento, uma nação está em boa posição para se envolver em um conflito contra um oponente empregando um estilo similar (simetria), mas menos bem equipado. Outra vantagem intrínseca a esse estilo de combate é a possibilidade de redu- ção do número de baixas por meio do uso maciço do poder de fogo. Os adeptos da guerra de atrito tendem mais ao uso exagerado de munições e explosivos do que arriscar vidas.

A teoria da atrição conforma-se dentro da esfera de um controle militar centralizado, detentor de massiva quantidade de poder de fogo e de um poder tecnológico avançado e custoso em função dos imperativos políticos, financeiros e morais, reduzindo assim a iniciativa e a criatividade e podendo afetar a liderança. A previsibilidade e a lógica científica da teoria da atrição torna-a mais atrativa e fácil para aqueles encarregados de a porem em prática, pois é um estilo que envolve menos riscos. Há alguns críticos que até apregoam que esse é o estilo preferido dos militares que têm aversão ao risco e da linha da men- talidade do erro zero, o que pode ser considerado uma hipérbole. No entanto, infere-se que as características inerentes à guerra de atrito restringem as demandas por iniciativa, pensamento independente e inovação.

Nas operações de não-guerra, quando os militares se vêem envolvidos contra opo- nentes não militares, emergem as falhas do estilo da guerra de atrito.

Nessas situações não ortodoxas, o inesperado ou inopinado é a norma, exigindo, portanto, criatividade e inovação da liderança. Um oficial atricionista pode se tornar inca- paz de responder a esses desafios. Na tentativa de satisfazer a miríade de detalhes das leis envolvidas nesses casos, é muito mais difícil criar “regras de engajamento” para aten- der a cada situação envolvida do que incumbir um oficial com latitude mental que possa discernir apropriadamente sobre a decisão a ser implementada e que tenha flexibilidade

mental suficiente para se manter fiel ao efeito desejado maior.

A devoção ao estilo e características da guerra de atrito produz oficiais com dificul- dades em pensar de forma criativa, de se desfazer de paradigmas irrelevantes e de ter uma baixa percepção das necessidades futuras.

6. GUERRA DE MANOBRA

A guerra de manobra é tão velha quanto o primeiro ataque bárbaro realizado a re- taguarda do então Império romano. Sun Tzu captou a essência da guerra de manobra em sua obra “A arte da guerra”, mas quem melhor a explicou foi o falecido coronel da força aérea americana John Boyd em seu estudo sobre o sucesso da aviação de caça america- na sobre o oponente no dogfight, na Guerra da Coréia.

John Boyd foi o teorizador da guerra de manobra. Boyd era piloto e começou a estudar a sua teoria através da observação dos combates aéreos entre os MIG-15 e os caçadores F-86, durante a Guerra da Coréia. Ele identificou que durante os combates, o F-86 constantemente colocava fora de combate e de manobra o MIG-15, chegou, então, à conclusão de que a causa desta disparidade devia-se a uma série de fatores, desta- cando-se entre eles o melhor treinamento dos pilotos dos F-86, o fato de que o F-86 era uma aeronave mais poderosa e que o F-86 era mais fácil de ser controlado em vôo. Já os pilotos dos F-86 observaram que quanto mais rápidas fossem as transições realizadas com as aeronaves em combate, e combinadas com maiores habilidades suas, resultavam numa ação mais passiva dos MIG-15, até que caíssem.

Boyd atribuiu esta reação passiva dos pilotos de MIG-15 à superior habilidade dos pilotos de F-86 em realizar um ciclo de observação, orientação, decisão e ação (OODA) numa velocidade mais rápida que as dos pilotos de MIG-15.

Incapaz de superar o tempo do F-86 em combate, o piloto de Mig-15 perdia o con- trole de seu ambiente e era espancado psicologicamente antes de ser abatido.

O ciclo de decisão, e a velocidade através da qual ele era processado, foram a a chave para a compreensão da aplicação da teoria de Boyd. Este observou que era o ato de passar por este ciclo de decisão em um ritmo mais rápido do que o do seu inimigo, que causava uma série de eventos perturbadores no oponente. E é justamente esta ruptura de decisão do inimigo que Boyd acreditou ser a chave para a vitória e a essência do estilo que veio a ser considerado como guerra de manobra.

“O conflito pode, então, ser visto como um ciclo competitivo em termos de tempo de Observação - Orientação - Decisão - Ação. Cada parte em um conflito inicia sua observa- ção. Observa a si mesmo, ao contexto físico que o cerca e ao seu oponente. Baseado na percepção de sua observação, ele se orienta, o que quer dizer que ele captura a imagem

mental do momento de sua situação. Fundamentado em sua orientação, ele decide. Em seguida, ele implementa a decisão, isto é, age, transformando a dinâmica mental em ação concreta. Sua ação, por sua vez, muda a situação corrente; logo, ele realiza uma nova ob- servação, começando um novo ciclo dentro de uma ação tática, operação ou campanha.

Aquele que for capaz de realizar mais rapidamente o(s) ciclo(s) decisório(s) inter- ferirá no ciclo decisório do oponente, desorientando-o, tornando efêmera sua (re)ação e, portanto, quebrando a sua coesão mental e capacidade para decidir apropriadamente; a variedade de ações turbulentas e rápidas, apresentadas de forma distributiva no tempo e no espaço, induzirá o inimigo, inexoravelmente, a perder a vontade de lutar e resistirmate- rialmente, pois já foi derrotado sistêmica e mentalmente.

Em contraste com a guerra de atrito, a guerra de manobra intenta destruir a coesão da força inimiga, afetando sua estabilidade mental, moral e física. Transformar idéias em ações rápidas (velocidade) e em um ritmo (aceleração) que gere paralisia nos níveis de- cisórios do inimigo. Ser fluido como a água, que em seu caminho evita superfícies e corre pelas brechas. Fazer soçobrar sua vontade de lutar sem desembainhar a espada é o ápice da competência assegurada por essa filosofia.

Uma das características da guerra de manobra é a descentralização. Para uma força atuar de forma descentralizada, ela deve ser flexível, isto é, capaz de rapidamente se adaptar ao ambiente fluido do combate. A arquitetura de comando e controle deve ser ampla e dimensionada para reduzir os efeitos da fricção. Nos diversos escalões, todos os líderes devem conhecer os efeitos desejados dois níveis acima, os quais ficarão expres- sos na intenção do comandante. A rapidez e a velocidade das decisões e ações no tempo e espaço (Manobra), dentro de uma ambiência de grande iniciativa e confiança (Moral), serão os fatores que gerarão a sinergia que assegurará a agilidade dos ciclos decisórios, impondo um ritmo que irá degradar a capacidade sistêmica, moral e mental do inimigo para lidar com o aparente caos reinante. A guerra de manobra dá importância à qualidade, confiança e independência de pensamento e ação; por isso, a tarefa da missão é atribu- ída em termos do efeito desejado. Isto faz aumentar a legitimidade da autoridade e as demandas dos líderes subordinados, institucionalizando um processo pelo qual a norma é

os subordinados assumirem ampla iniciativa e flexibilidade. Por conseguinte, é impositivo que a liderança permeie todos os níveis e uma forte desvinculação a padrões e fórmulas.

A teoria da guerra de manobra é mais arte do que ciência; ela não oferece fórmulas para vitórias. Portanto, nem sempre é bem recebida em sociedades e organizações mili- tares orientadas tecnologicamente. A guerra de manobra emprega a tecnologia, mas não a tem como fator preponderante. Se uma nação é rica, avançada tecnologicamente e ma- terialmente superior aos seus inimigos potenciais, talvez possa assumir que a guerra de manobra não seja conveniente aos seus propósitos. Muitas nações ocidentais não vêem com bons olhos a busca por vulnerabilidades críticas do inimigo e a perseguição da vitória pelo menor custo, atribuindo tal conduta à covardia e à fraqueza. A guerra de manobra envolve riscos para os comandos mais elevados, pois as decisões críticas serão tomadas pelos comandantes presentes na cena de ação e devido à intangibilidade dos objetivos, oque, pragmaticamente, nem sempre é bem aceito.

O sucesso da implementação da guerra de manobra é dependente do nível de con- fiança existente em toda a cadeia e estrutura de comando, da liderança e da habilidade e competência dos oficiais em vislumbrar soluções criativas para os problemas. Indubi- -tavelmente, é necessário uma forte tradição militar, espírito de corpo arraigado e uma educação esmerada na arte militar para aqueles que optam pela guerra de manobra como estilo de combate.

7. NÍVEIS DE CONDUÇÃO DA GUERRA

A teoria da guerra não admite que haja uma partição da guerra por níveis ou por vertentes como se houvesse guerra estratégica, guerra operacional, guerra tática, guerra naval, guerra terrestre ou guerra aérea.

A guerra é uma totalidade. A natureza da guerra é imutável e está centrada no gê- nero humano, em que o racional e o irracional estão presentes e vêm à tona sob a forma de violência. A forma de se conduzir e de se fazer a guerra é que sofre alterações depen- dendo do estágio de evolução da sociedade e da tecnologia disponível.

Em dado momento da história, em função da especificidade dos meios empresta- dos à guerra moderna, o espaço de combate tornou-se de tal maneira complexo, gerando a necessidade de instâncias decisórias e de planejamento específicas de modo a realizar uma melhor gestão do combate. Nada mais, nada menos do que um arranjo pragmático. Assim, é lícito admitir que existam diferentes níveis na “condução da guerra”.

Os níveis de condução estratégico e tático estiveram presentes nas guerras durante o curso da história. Em tempos tribais e dinásticos, a raiz da guerra era representada pela sobrevivência, pela rivalidade e pela disputa por recursos. Chefes de clã, de tribos, reis, príncipes, nobres e bárbaros agiam como procuradores, legítimos ou ilegítimos, de seus grupos políticos e faziam a guerra, muitas vezes, até por interesses pessoais.

Os exércitos eram constituídos por tropas mercenárias ou por homens que eram atraídos pelos lucros dos saques e da pilhagem. Não havia organização logística e o cam- po de batalha era reduzido; usavam-se espadas e lanças e predominava o combate corpo a corpo. A tática era simples e dominada por formações lineares. A essa época, o condutor político era o próprio condutor militar e a guerra não afetava a população civil. A forma de se fazer a guerra refletia a sociedade de então, rudimentar e limitada. Nesse tempo havia dois níveis de condução: o estratégico e o tático.

industrial, geraram uma revolução nos assuntos militares. A criação do Estado-nação fez com que as pessoas partilhassem os mesmos valores étnicos e culturais.

As novas concepções de soberania nacional e o direito de autodeterminação, im- plícitos na Declaração dos Direitos do Homem e a subseqüente abolição dos privilégios feudais, bem como a substituição do homem pela máquina e a emergência do etnocentris- mo foram o combustível para as mudanças na forma de conduzir e de se fazer a guerra.

Um novo soldado, uma nova oficialidade e um novo exército surgiram e com eles uma nova forma de guerra. O soldado estava imbuído dos novos direitos e oportunidades, acreditava que defendia os interesses do Estado. A conscrição universal fora adotada. A oficialidade antes composta de nobres e mercenários, recebeu a classe média, o mérito passou a reger as carreiras.

A “performance” era caracterizada pelo zelo, atividade, inteligência, virtudes milita- res e bravura. Os exércitos passaram a integrar mais de 500 mil homens, o conceito de armas combinadas, o corpo de exército e a divisão foram criados. As ordens eram dadas pelo efeito desejado. Passaram a existir comandos intermediários e reservas estratégicas, bem como foram incrementadas a mobilidade estratégica e a logística. A linearidade do combate tornou-se obsoleta. As divisões e corpos de exércitos, integradas por tropas de infantaria, cavalaria artilharia e outros serviços, marchavam separados e se concentra- vam sobre o inimigo. A guerra de limitada passou a ser ilimitada, quando toda a população foi envolvida. Os espaços de batalha foram largamente ampliados. As opções operacio- nais se multiplicaram.

Nesse contexto, pode-se constatar a existência detrês níveis de condução da guer- ra: o estratégico, o operacional e o tático. Napoleão conduzia o nível estratégico-militar e, por vezes, acumulava a condução operacional no teatro principal; nos teatros, os ma- rechais manobravam a campanha e, no nível tático, os generais decidiam e planejavam as batalhas. Desde então, admite-se três níveis de condução em quase todas as forças armadas do mundo. Vejamos, agora, as particularidades desses três níveis.

O nível tático é o mundo do combate. Os meios da tática são os vários componentes do poder de combate à disposição. Suas formas são os conceitos pelos quais se aplica o poder de combate contra o oponente. Sua finalidade é a vitória: derrotar a força inimiga que se opõe. A esse respeito, pode-se afirmar que a tática é a disciplina de vencer bata- lhas e engajamentos.

O nível de condução tático inclui atividades de planejamento e decisões que dizem respeito a manobra de forças em contato com o inimigo para obter uma vantagem, a apli- cação e coordenação de fogos dos sistemas de armas, a sustentação de forças no com- bate, a exploração do sucesso para selar a vitória, a combinação de diferentes sistemas de armas, a coleta e a disseminação de informações de combate pertinentes e a aplicação técnica do poder de combate em uma ação tática, tudo para derrotar o inimigo. Embora os eventos no combate formem um contínuo, cada ação tática, maior ou menor, pode ser, genericamente, vista como um episódio em um espaço de combate e tempo limitados.

O nível operacional consiste nas atividades decisórias, de planejamento e referen- tes à logística dentro de um ou mais teatros de operações. Cabe a este nível conceber e explorar uma variedade de ações táticas, de modo a alcançar o objetivo estratégico. Na sua essência, o nível operacional governa o desdobramento de forças, a aceitação ou negação do combate e a seqüência de ações táticas a serem realizadas. A campanha é a forma e a ferramenta básica na qual o comandante operacional traduz ações táticas em resultados estratégicos. A finalidade do nível operacional é alcançar o fim estratégico.

Ambos, os níveis tático e operacional são preponderantemente de domínio militar. O nível estratégico-militar de condução da guerra envolve as atividades de plane- jamento e decisões que dizem respeito ao estabelecimento de objetivos militares estraté- gicos, a alocação de recursos, a imposição de condições sobre o uso da força e o desen- volvimento de planos de guerra. Nesse nível, buscam-se as respostas para as seguintes perguntas: “Quais são os objetivos da guerra? Quais as alternativas de ação? Quais as perspectivas de vitória? Quais necessidades devem ser atendidas?”.

É óbvio que este nível é representado pelo mais alto escalão militar, o qual vai dia- logar com o condutor político de modo que haja uma perfeita comunhão e convergência de esforços.