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H ISTÓRIA U RBANA

No documento Dominios da Historia Ciro Flamarion Cardos (páginas 146-160)

Ronald Raminelli

O crescimento e proliferação de cidades marcaram profundamente a história européia do século XIX, quando se presenciou uma grande alteração da vida urbana em cidades como Londres e Paris. O caos urbano, favorecido pela Revolução Industrial, incen vou as primeiras tenta vas de planejamento urbano e de construção de uma cidade ideal. Os governantes europeus veram a tarefa de ordenar, higienizar e pensar em soluções possíveis para a vida urbana. Na época, alguns estudiosos começaram a refle r sobre o passado da cidade, sobre as formas de ordenamento e funções da urbe ao longo dos tempos. Fustel de Coulanges, Max Weber e George Simmel cons tuem alguns dos intelectuais que vivenciaram o co diano das metrópoles européias na segunda metade do século XIX e deixaram um testemunho valioso sobre a cidade e seu passado.

Este capítulo pretende analisar outras reflexões sobre a história da cidade. Para tanto, reuniu estudos de várias tendências elaborados por historiadores, sociólogos, filósofos e urbanistas. A escolha dos autores e dos temas obedeceu a duas perspec vas. Inicialmente, reuniram-se as teorias mais difundidas na historiografia, referenciais indispensáveis para uma análise mais apurada da literatura que, de alguma forma, aborda a história urbana. Portanto, nomes como Weber, Benjamin e Lewis Mumford não poderiam ser excluídos, apesar de não serem considerados historiadores stricto sensu. Por outro lado, há alguns temas clássicos entre os estudos sobre cidade. Elegeram-se, então, alguns deles, mesmo sabendo que outros de igual importância seriam omitidos.

Primeiras abordagens da história urbana

Fustel de Coulanges (1830-1889) pode ser considerado o primeiro historiador moderno a se dedicar ao estudo da cidade. A cidade an ga, publicado em 1864, causou grande polêmica nos meios acadêmicos. O historiador empreendeu uma pesquisa detalhada sobre a religião e a polí ca e seus vínculos com o modelo de Estado implantado no mundo greco-romano. Coulanges elegeu como tema a origem da propriedade privada, o surgimento do Estado e as “revoluções” capazes de explicar os ordenamentos polí cos destas sociedades. O estudo preocupou-se, antes de tudo, com a organização das cidades-estados, e não com a cidade propriamente dita. Neste sen do, o historiador traçou a evolução do ordenamento social desde a família, a aldeia, até a

comunidade perfeita, a pólis. A sociedade grega, portanto, se desenvolveu a par r da família e necessita da pólis para alcançar o estágio superior desta evolução. O “ser polí co” nasce na cidade e o espaço urbano é imprescindível para o seu desenvolvimento. O modelo teórico construído por Fustel de Coulanges expressa as preocupações da segunda metade do século XIX, época impregnada pela idéia de progresso e por teorias voltadas ao ordenamento e compreensão das etapas da história humana.1

Gustave Glotz, em A cidade grega, de 1928, apontou algumas limitações da obra de Fustel de Coulanges, ressaltando que as crenças próprias das organizações sociais primi vas, das famílias por exemplo, diferem daquelas capazes de ordenar o mundo da pólis. A polí ca e a religião evoluem com as sociedades humanas. “Não se trata”, disse Glotz, “de figuras geométricas, e sim de seres vivos, que só duram e só conservam a sua iden dade se se modificarem de maneira profunda.” A cidade grega, embora conservasse a ins tuição familiar, cresceu lutando contra os génos, contra os privilégios, em favor do fim da servidão patriarcal. Assim, a onipotência da cidade e a liberdade individual não cons tuem oposições como defendia Fustel de Coulanges. Segundo Glotz, o progresso do poder polí co e do individualismo tornaram-se o motor da mencionada evolução. Desta forma, ele contestou a teoria preocupada em explicar o surgimento e o desenvolvimento das cidades-estados a par r do ordenamento familiar. O individualismo crescente, concluiu, marcou a evolução polí ca e urbana no mundo grego.2

Uma outra vertente dos estudos urbanos procurou relacionar polí ca e economia, criando uma abordagem mais sólida do problema. Max Weber (1864-1920) recorreu ao método compara vo e à criação de “ pos ideais” para estudar a cidade. O passado da China, Índia e Grécia fornece subsídios para melhor compreender a Idade Média ocidental e o início do capitalismo, sendo o úl mo o centro de suas atenções. No entanto, o tempo histórico (a diacronia) pouco importa para Weber, pois sua metodologia prima por vasculhar o passado de diversas civilizações em busca de caracterís cas urbanas, para em seguida compará-las. O sociólogo empreendeu “um exame compara vo entre traços de um período e traços encontrados em outros, admi ndo-se a especificidade de cada um e a circunstância de que a comparação sempre incidirá sobre aspectos parciais e selecionados dos processos em confronto”. Neste empreendimento, a diacronia, ou a história da cidade, ocupa um espaço mínimo em relação à análise sincrônica. As funções econômicas e administra vas das cidades, em tempos e espaços os mais diversos, são incessantemente comparadas em suas similitudes e disparidades. Weber não considerou a possibilidade de um período histórico conter o “germe” da época seguinte, por isto despreza o que é comum a várias ou a todas as épocas e ressalta o que é peculiar a cada uma delas.3

Em “Conceitos e Categorias de Cidade”, trabalho de 1921, Weber dissertou sobre a natureza econômica da cidade, criando uma pologia des nada a relacionar a sua origem às funções econômicas. Assim sendo, a cidade cons tui um aglomerado humano caracterizado por trocas comerciais regulares, capazes de prover o sustento de seus habitantes. As origens deste mercado podem ser as mais diversas. Muitas vezes, o

espaço urbano provém de uma concessão ou de uma promessa de proteção de um senhor ou de um príncipe. Contudo, é preciso separar o conceito econômico do conceito polí co-administra vo de cidade. Pois, “a cidade tem que se apresentar como associação autônoma em algum nível, como um aglomerado com ins tuições polí cas e administra vas especiais”. Nesta pologia entrariam núcleos humanos que economicamente não seriam considerados cidades. O primeiro estágio de desenvolvimento delas seria as fortalezas, que apoiavam o burgo de um rei ou um nobre, recebendo apoio de uma guarnição de mercenários, vassalos ou servidores. Com a pacificação, a cidade ganhou outras funções, dedicando-se a a vidades econômicas. Weber comentou ainda que a cidade ocidental se destaca pela sua administração autônoma, pelo seu aspecto de comunidade, que originou o conceito de cidadania.4

A cidade urbana, com ênfase no aspecto econômico, difundiu-se, sobretudo, a par r dos trabalhos do historiador belga Henri Pirenne (1862-1935). Em As cidades da Idade Média, obra de 1927,5 Pirenne retornou a uma questão clássica da história urbana:

Qual é o sen do da palavra “cidade”? O historiador entendeu por cidade uma concentração humana portadora de personalidade jurídica, vivendo do comércio e da indústria. A par r destes pressupostos jurídicos e econômicos, Pirenne defendeu a tese do declínio acentuado da vida urbana na Europa Ocidental no decurso do século IX, como conseqüência das invasões germânicas, sarracenas e normandas. A quase ex nção das transações comerciais afetou duramente as cidades, tornando-se meras fortalezas, muitas vezes dominadas pelo poder religioso. Com o fim das invasões e do domínio muçulmano do Mediterrâneo, tornou-se possível a existência de rotas comerciais ligando o úl mo ao interior da Europa. As cidades medievais surgiram ao longo dos caminhos que uniam Veneza e Gênova aos portos do Bál co. A argumentação de Pirenne tende a relacionar o feudalismo à decadência da vida urbana; e procura associar o capitalismo ao renascimento das cidades. Deste modo, o sen do da palavra cidade para Pirenne está estreitamente vinculado a causas econômicas e sociais.

A historiografia registrou algumas crí cas às posições teóricas assumidas pelo historiador belga. Moses Finley ironizou a argumentação dizendo que as causas econômicas e sociais insistentemente apontadas por Pirenne tornaram-se um misterioso processo “natural” comandado pelos mercadores.6 Robert S. Lopez também contestou a

tese de Pirenne. Para tanto, sempre recorreu ao conhecimento empírico, mencionando o afluxo de famílias nobres do campo para a cidade, onde os membros deste estamento atuaram como comerciantes. Ou ainda quando o próprio rei da Espanha promoveu a construção de cidades-fortalezas cristãs, que, posteriormente, tornaram-se mercados.7

Uma crí ca clássica à tese de Pirenne encontra-se na obra de Maurice Dobb, quando ressaltou a origem feudal da maioria das cidades medievais. O comércio não foi o responsável pela difusão dos centros urbanos, como defendeu Pirenne. Dobb ainda desafiou a concepção teórica des nada a relacionar o capitalismo à cidade, enfa zando que o desenvolvimento comercial, em algumas ocasiões, representou o recrudescimento da servidão, ao invés da difusão da mão-de-obra assalariada. O renascimento das cidades promoveu, portanto, a reformulação do papel econômico e polí co exercido pela nobreza européia.8

Novas abordagens da história urbana

Nos úl mos anos, as pesquisas sobre a cidade tomaram um novo rumo, distanciado-se dos primeiros estudos realizados a par r de meados do século passado. Hoje os estudiosos lançam mão de uma massa considerável de dados, recorrendo a registros fiscais, livros paroquiais, livros de registro civil, licenças, censos, listas profissionais e telefônicas. Tal método de pesquisa tornou-se viável com o auxílio de computadores, capazes de agilizar a leitura deste volumoso material. Os estudos urbanos têm promovido o surgimento de equipes interdisciplinares, encarregadas de desenvolver inves gação de grande amplitude. Conseqüentemente, os objetos de pesquisa ampliaram-se, reconstruindo a complexidade da estrutura social, destacando as relações travadas entre os vários segmentos sociais do espaço urbano. Uma outra caracterís ca dessa “nova história urbana” está no emprego de teorias para poder ordenar a abundância do material empírico, pois os dados raramente se organizam espontaneamente em conjuntos inteligíveis. A recente historiografia dedicou-se a alguns problemas. David Herlihy apontou três núcleos principais: (1) as funções da cidade e seu vínculo com o fomento da urbanização; (2) os efeitos da vida urbana sobre os ciclos vitais dos indivíduos, sobre o trabalho e a família; (3) as mudanças espaciais e ecológicas na cidade, provocadas pelo desenvolvimento econômico e social.

Nesta perspec va, Herlihy comenta que as pesquisas recentes consideram a industrialização o maior fator de es mulo à urbanização. O pressuposto baseia-se no mesmo raciocínio encontrado nas teses de Weber e Pirenne, que consideram o desenvolvimento econômico como responsável pela vitalidade e a expansão das áreas urbanas. No entanto, o princípio nem sempre é comprovado. Cidades como São Petersburgo, Odessa e Washington foram criadas a par r de éditos. Hoje as cidades que crescem com mais rapidez não se encontram em regiões industrializadas, mas em países do Terceiro Mundo, onde a proliferação do espaço urbano não é acompanhada de industrialização. O mesmo fenômeno ocorreu no passado em Roma no século XVI, em Nápolis nos séculos XVII e XVIII. Os mencionados núcleos urbanos abrigaram uma soma considerável de arrendatários, administradores, mercadores, criados, artesãos e uma enorme quan dade de imigrantes parados ou subempregados. Geralmente, as cidades em rápida expansão localizam-se próximas a zonas rurais empobrecidas, sendo uma solução para a miséria vivida pela população. Em alguns casos, porém, a concentração populacional viabilizou o desenvolvimento industrial devido à disponibilidade de mão- de-obra.

Outras evidências ainda rela vizam a relação de causa e efeito entre industrialização e urbanização. Vários estudos comprovam que durante a etapa de proto-industrialização as manufaturas provinham de zonas rurais ou de aldeias. Muitas fábricas eram dispostas juntamente às correntes de água no meio rural, pois recorriam à força hidráulica para o seu funcionamento. A combinação de vários fatores viabilizou pouco a pouco o estabelecimento de indústrias na cidade, promovendo um novo industrialismo. A energia térmica, a concentração populacional e as estradas de ferro tornaram possível o desenvolvimento industrial da cidade. No entanto, Herlihy considera ilusória a urbanização dos séculos XIX e XX, pois não conseguiu transformar a mentalidade dos citadinos. Os imigrantes conservavam laços ín mos com os seus lugares

de origem, sendo a mobilidade entre o campo e a cidade um dado capaz de explicar as fortes raízes rurais dos homens da cidade industrial. Assim, os nexos entre urbanização e industrialização são mais complexos do que defendiam Weber e seus discípulos.

Outras pesquisas recentes procuraram explorar os efeitos da vida urbana sobre os ciclos vitais dos indivíduos, sobre o trabalho e a família. Sob esta perspec va, os historiadores analisaram os comportamentos matrimoniais, percebendo contrastes entre os enlaces ocorridos no campo e na cidade, durante a Idade Média e a Idade Moderna. No campo, os casamentos envolviam homens mais jovens, pois necessitavam da família para o cul vo da propriedade. Em contrapar da, na cidade, os homens contraíam casamento mais tarde, depois que tivessem oportunidade de manter a futura família. Em relação ao sexo feminino, os estudos demonstraram comportamentos curiosos. Durante a Idade Média, as mulheres das cidades casavam com pouca idade e, muitas vezes, com homens mais velhos. Em contrapar da, no século XVIII, o grupo casava-se mais tarde, em média por volta dos trinta anos. Uma explicação para o comportamento está na oportunidade de emprego para as mulheres. A partir do século XVI, as indústrias urbanas recorreram à mão-de-obra feminina, retardando o casamento. O perfil matrimonial moderno surgiu nas cidades européias somente nos séculos XVI e XVII e parece unir-se com o novo caráter da economia.

O estudo demográfico ainda permite afirmar que nas cidades tradicionais as taxas de mortalidade eram al ssimas, devido às condições de insalubridade e à grande concentração de pessoas pobres em um espaço pequeno. A cidade era o principal campo de atuação de epidemias, que acome am uma grande parte da população urbana. A situação de precariedade caracterizou as cidades européias até meados do século XIX, quando proliferaram os planos de modernização do espaço urbano. Desde então, as epidemias diminuíram de intensidade e as taxas de mortalidade decresceram. No fim do século XIX, ocorreu um novo fenômeno no espaço urbano europeu, o controle da natalidade. As classes altas foram as primeiras a limitar sistema camente a concepção, contudo outros setores da sociedade convergiram gradualmente para níveis baixos de natalidade.

Uma úl ma abordagem da história urbana preocupou-se com as fachadas e a estrutura urbana. A cidade tradicional cresceu em torno de um palácio, no interior de uma muralha ou a par r de um mercado, sendo circunscrita a um espaço fechado e de pequenas proporções. Nela havia uma ní da divisão social. Os artesãos, as famílias, os judeus e os estrangeiros ocupavam espaços dis ntos, cons tuindo uma comunidade socialmente heterogênea. No entanto, o sistema de transportes promoveu uma verdadeira reviravolta. Os trens e os automóveis permi ram a circulação rápida entre o centro e a periferia, criando uma nova concepção de cidade e de espaço. O transporte barato permi u o desenvolvimento de zonas ecológicas específicas, reservando um distrito central de negócios, uma área industrial e zonas residenciais. Por fim, os historiadores detectaram uma tendência à especialização, ou compar mentalização do espaço, junto a uma enorme “desconcentração” da comunidade urbana.9

A metrópole como fenômeno urbano provocou outras reflexões sobre a história da cidade. Lewis Mumford (1895-1990) acreditou que a metrópole dos dias atuais chegou ao seu clímax, marcando o término de uma experiência urbana. O regime metropolitano originou uma “guerra sem sen do, de extermínio total, cuja finalidade seria aliviar suas ansiedades e temores, produzidos pelo absoluto compromisso da cidadela com as armas de aniquilação e extermínio”. A supervalorização tecnológica dominou o ins nto animal de sobrevivência, profe zou Mumford, ocasionando uma corrida armamen sta sem precedentes. Para ele, a civilização atual é como um gigantesco veículo, movendo-se em uma via de mão única e em velocidade cada vez maior. O automóvel está desgovernado, sem freios, e o motorista, pensando em controlá-lo, resolve acelerar a máquina. O regime metropolitano vem conquistando adeptos em todas as partes do mundo, tornando os homens fascinados pela economia e tecnologia. “Esse estado de desamparada submissão aos mecanismos econômicos e tecnológicos que o homem criou é estranhamente disfarçado de progresso, liberdade e domínio da natureza pelo homem. Em conseqüência, tudo que é permitido passou a ser compulsão mórbida.”10

Lewis Mumford escreveu A cidade na história (1961) durante os primeiros confrontos da Guerra Fria. A obra foi publicada em plena crise diplomá ca envolvendo os mísseis de Cuba. Portanto, o tom apocalíp co do trecho citado torna-se, em parte, compreensível. No entanto, Mumford relacionou, de modo curioso, a metrópole capitalista às ameaças de uma guerra atômica, como se o regime metropolitano promovesse a corrida armamen sta. A concepção de metrópole defendida pelo urbanista fornece outras pistas para entender seu pessimismo. Lewis Mumford, durante as décadas de 1940 e 1950, envolveu-se em um debate acalorado com Robert Moses, considerado por Mumford como o czar de Nova York ou o Haussmann americano. O urbanista incen vou uma batalha contra os arranha-céus e as auto-estradas, pois descaracterizavam o centro (downtown) da maior parte das cidades, sendo este o local da origem da urbe e o espaço da memória urbana. Enfim, ele deflagrou um combate contra as inovações urbanas próprias da América, que na época estavam em plena moda.

E m A cultura das cidades (1938), Lewis Mumford caracterizou a cidade medieval como modelo urbano ideal, como produtora de uma vida cultural variada e rica, destacando-se no desenvolvimento de novas tecnologias. Neste sen do, o urbanista americano inaugurou um veio historiográfico, relacionando a cidade à tecnologia, ressaltando sobretudo as transformações ocorridas no espaço urbano como conseqüência do emprego de uma nova técnica.11 O uso de canhões como instrumento

de defesa provocou importantes alterações urbanas, pois: “Existe, na verdade, uma razão válida para julgar as plantas medievais como, em geral, mais informais que regulares. Isso ocorria porque mais freqüentemente se u lizavam sí os rochosos ásperos, pois apresentavam vantagens decisivas para a defesa, até que se tornou possível o fogo dos canhões, no século XVI.”12

As disposições de uma cidade medieval são um elemento capaz de caracterizá-la como orgânica e equilibrada. A rua con nuamente curva cons tuía linha natural de um caminhante, como as pegadas deixadas na neve ao longo de um espaço aberto. O núcleo permanece protegido em uma cidade cujas ruas obedecem a um sistema rádio-

concêntrico. Na cidade medieval, existe um bairro central, rodeado por anéis irregulares, des nados a rodear e proteger o núcleo, devido aos caminhos tortuosos que a ele se direcionam. “A planta resultante é gerada pelas duas forças opostas de atração e proteção: os edi cios públicos e as praças abertas acham segurança por trás de um labirinto de ruas, pelo qual os pés conscientes, não obstante, facilmente penetram.” Os urbanistas barrocos trabalharam contra esta disposição, concebendo ruas re líneas, guiando o fluxo diretamente ao centro da cidade.

Os novos interesses do capitalismo promoveram o surgimento de uma nova concepção de espaço. A mentalidade barroca organizou-o de modo que se tornasse con nuo, ordenado e infinito. Nesta alteração de conceito, os pintores renascen stas como Alber , Brunelleschi e Ucello deram grandes contribuições quando desenvolveram a noção de perspec va, criando a idéia de dimensão e, sobretudo, do ordenamento matemá co do espaço. Assim sendo, a disposição regular dos prédios com fachadas simétricas, cujas linhas horizontais tendiam ao infinito, promove o prazer esté co, prazer semelhante a andar a cavalo pelos campos ou através da floresta de caça.

Por outro lado, o traçado das cidades barrocas, quando comparado às ruas medievais, é excessivamente re líneo, tornando o centro da cidade o núcleo de um universo, pois a cidade centraliza as decisões, comanda os territórios e abriga o soberano, o deus da cidade, a divindade nacional. Daí a necessidade de grandes espaços vazios, de obeliscos, de arcos e monumentos capazes de representar os poderes dos reis absolu stas, do “Rei-sol”. O estabelecimento de regras rígidas para o traçado urbano e a difusão do tabuleiro de xadrez foram contemporâneos ao fortalecimento do Estado, à

No documento Dominios da Historia Ciro Flamarion Cardos (páginas 146-160)