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H ISTÓRIA DAS P AISAGENS

No documento Dominios da Historia Ciro Flamarion Cardos (páginas 160-171)

Francisco Carlos Teixeira da Silva

História das paisagens

Embora aparente ser uma disciplina nova, com uma densidade teórica ainda frágil e poucos exemplos prá cos, a história das paisagens é um campo an go — mais an go ao menos do que a história social ou a história demográfica — com uma tradição assentada em trabalhos de fôlego. Mesmo antes da maré montante das preocupações ecológicas, de sua poli zação e idealização, estudiosos alemães, franceses e ingleses — desde o início do século e, especialmente, na década de 1930 — produziram obras que delimitaram, entre a geografia humana ou histórica e a história agrária, um campo novo.1

Definição do campo

Ao olharmos as encostas vazias, com profundas voçorocas, das velhas regiões cafeeiras; os campos arredondados da Bretanha, com suas elipses em torno de um castelo com caminhos que vão dar no bosque; as vastas florestas de castanheiras da Amazônia; o fantás co perfil das megalópoles ou os campos de cereais do Meio-Oeste norte-americano, pon lhados de granjas, vemos sempre o resultado da ação do homem.

Desde o final do século XVIII há, entretanto, uma sólida tendência de se pensar a natureza em oposição ao homem ou à “cultura”. Par cularmente o idealismo e o roman smo alemães, no século XIX, forçaram uma distância absoluta entre Natur e Kultur, Tal visão contaminou fortemente a história, como as demais ciências sociais, de forma a estabelecer uma periodização em que ambos os termos aparecessem como pontas opostas de um processo. Especialmente na história econômica a dis nção assumiu aspecto absoluto. Aí a paisagem que envolvia os homens foi percebida como um dado da natureza, anterior e autônoma em relação ao homem. Somente o olhar mais treinado — do agrônomo, do geógrafo ou do historiador — pôde, aos poucos, perceber o continuum existente entre a aldeia (Dorf ou Village), seus campos, pastos, e o bosque ao fundo. Mesmo o “olhar treinado” não percebia, de imediato, em paisagens ditas naturais — como na floresta equatorial úmida ou na savana — a decisiva ação do homem.

A dis nção entre paisagem sica e paisagem cultural, como feita na história,2 e

recaia nos resultados da ação do homem sobre o meio ambiente. Devemos entender a natureza, nesta visão, não mais como um dado externo e imóvel, mas como produto de uma prolongada a vidade humana: “... a natureza virgem não é mais do que um mito criado pela ideologia de civilizados sonhadores de um mundo diferente do seu”.3

Pretende-se, assim, superar a visão tradicional das ciências humanas de considerar as “forças naturais” como um fator externo ao processo histórico: “...[é necessário] integrar a aparente dicotomia homem/natureza num quadro de referência histórico mais vasto”.4 O fulcro deste processo de percepção da natureza reside nas transformações

sofridas pelas paisagens, que surgem como reflexo, como forma aparente e resultado da interação do homem com a natureza. Tal processo é complexo, se inscreve na longa duração e é, em larga escala, involuntário. Se as terras de pôlderes, nos Países Baixos, são talvez o exemplo mais claro da ação consciente do homem em criar paisagem, os efeitos mais amplos e marcantes — como por exemplo a transformação da floresta em savana — são involuntários. Não só resultaram da fuga ao controle de uma técnica precária — a queimada — como ainda se deram sem a percepção imediata do agente transformador.

Desde seus primeiros trabalhos Roger Dion, Marc Bloch ou Robert Gradmann destacaram o campo, a aldeia e o bosque como os temas centrais da história das paisagens. A cons tuição dos campos abertos, o significado dos cercamentos e a u lização das “estepes” e dos bosques europeus dominaram as grandes obras dos anos 30 e marcaram, assim, seu campo. Entretanto, trabalhos mais recentes como os de Jean- Robert Pi e e a vigorosa Histoire de la France urbaine, de G. Duby (surgida em 1983), ampliaram o campo de inves gação em direção à história urbana. Desenvolvimento esperado e natural, Bloch e Gradmann já se ocupavam com a “aldeia” e o habitat rural: as casas, os cottages e os chateaux estavam sempre presentes no con nuo composto pelas paisagens.

A incorporação das grandes massas de adensamento humano e seu peso sobre o meio ambiente impõem-se como tema ao historiador. Neste sen do, dever-se-á ir além da análise dos processos de urbanização e buscar uma pologia das cidades como biomas ou paisagem.

O diferencial importante que devemos reter na percepção da história da paisagem é a noção de conjunto, sistêmica, marcada por padrões passíveis de comparação. Não se trata de uma história econômica de uma região ou seu retrato — como na geografia —, nem tampouco de um processo de urbanização ou de esvaziamento de uma cidade, embora estes elementos devam estar presentes. Trata-se de uma visão de conjunto, do enlace de múl plas variáveis, em uma duração sempre longa. Impõe-se para tal uma abordagem holís ca, de conjunto, uma síntese para além das histórias par culares, como veremos a seguir.

Os suportes teóricos

O tratamento das relações homem/natureza é o campo próprio da ecologia humana. Suas origens remontam ao século XIX e ao mesmo impulso cien ficista que cons tuiu outros ramos do saber. Coube ao sábio alemão Ernst Haeckel (1834-1919)

formular pela primeira vez, em 1869, seu campo de interesse: “a soma de todas as relações amigáveis ou antagonistas de um animal ou de uma planta com o meio inorgânico ou orgânico, neste incluindo outros seres vivos”.5

O ponto de par da de Haeckel foi o trabalho de Charles Darwin, publicado em 1859, Origem das espécies. A permanente compe ção dos seres vivos — o homem, insetos ou uma planta — pelos recursos naturais, culminando com a vitória dos mais aptos e a eliminação de outros, norteia teoricamente a abordagem inicial da ecologia. O principal instrumento de análise será, nessa ó ca, a idéia de cadeia alimentar, mecanismo pelo qual a busca por energia vital se traduz claramente na luta pela existência.

Na verdade, ambos — tanto Darwin quanto Haeckel — estavam sob influência direta do profundo pessimismo de Malthus. A luta pela existência com a exploração até a exaustão dos recursos naturais apontaria para um futuro de permanente escassez. O quadro esboçado, sempre tendo como base uma expansão ilimitada da base demográfica, ameaçaria o equilíbrio existente até então e aconselharia a abstenção de qualquer intervenção contrária ao funcionamento das leis da natureza. Dever-se-ia evitar um crescimento demográfico incontrolável baseado em medidas sociais de proteção que, contrariando a natureza, levaria à total dilapidação dos recursos planetários. O argumento malthusiano foi conver do, como vários axiomas filosóficos do século XVIII, em uma questão de termos binários e progressão linear que dava à teoria um caráter científico e fácil percepção.6

Da mesma forma, a contribuição da geografia acentuava o domínio da natureza através do determinismo geográfico. Assim, surgem, então, as noções profundamente etnocêntricas de ecúmene e anecúmene, como limites “naturais” e intransponíveis para o homem. Ao mesmo tempo, as condições naturais assumem o papel explica vo da civilização.

A geografia e a antropologia, que acompanham o grande rush imperialista entre 1880 e 1910 — em especial a antropologia inglesa —, ao entrar em contato com os povos africanos e asiá cos, originam um modo etnocêntrico de apreciar a diferença social e cultural. Entre os vários preconceitos culturais da Europa imperialista avolumava-se uma visão reducionista da natureza: uma percepção u litarista, claramente ancorada na idéia de função econômica.7 A unificação econômica do mundo e seus vetores — o guano do

Peru, o café do Brasil, a carne da Argen na ou o algodão do Egito — cons tuem os elementos centrais de análise das possibilidades do planeta. A ênfase recaía na racionalidade das relações homem/natureza, entendida como o mização do uso dos recursos disponíveis (adoção do vapor, da estrada de ferro etc.). A não-u lização, em seus limites, de recursos naturais ou seu uso cerimonial — como no potlacht — implicava obviamente a irracionalidade do não-europeu. Em especial, a análise funcionalista não conseguia perceber a questão da comparação entre sistemas sociais diferentes, com lógicas próprias. Impunha-se, assim, a lógica que melhor se conhecia — a do capitalismo — como padrão de análise, seja face ao entendimento do crescimento demográfico, seja face aos recursos naturais e seu uso. Daí decorriam dois movimentos similares, embora opostos: (1) o reconhecimento da lógica de mercado em qualquer sociedade (mesmo em noções aproxima vas, como de mercado imperfeito); e (2) a qualificação de irracional,

ou não-lógico, a todo comportamento que, tendo a oportunidade de maximização de lucros, não o faça.

A superação de tal análise, etnocêntrica e reducionista, se dá, em larga escala, pelo contato com o marxismo. Caberá a um marxismo de cunho não-stalinista pensar diferenças sociais, econômicas e culturais, diversificando, no tempo e no espaço, o po de organização da produção da vida material. O destaque dado pelo marxismo às forças produ vas, ao lado da variabilidade das relações sociais, abria caminho para uma abordagem diferenciada dos níveis de desenvolvimento de cada sociedade e do correspondente “nível técnico” disponível. Em especial, coube à antropologia marxista a recuperação dos variados sistemas de relacionamento entre o homem e a natureza e a explicitação de lógicas autônomas, com sua eficácia própria. Ao mesmo tempo, pôde negar a afirmação da análise substan vista, como em Karl Polanyi, de que apenas as sociedades altamente mercan lizadas seriam capazes de estratégias de o mização do uso dos recursos naturais.8 Ora, vários processos de adaptação e u lização do meio

ambiente por grupos humanos não-ocidentais comprovam uma exploração racional da natureza. Demonstrar-se-ia, assim, que “... cada sistema econômico e social determina um modo específico de exploração dos recursos naturais e de valorização do trabalho humano”.9

Contra um reducionismo econômico baseado numa visão ideologizada do progresso poder-se-ia pensar esquemas múl plos de racionalidade na apropriação da natureza e, logo, esquemas não-lineares e não-paradigmá cos. Começa-se, assim, a abandonar a matemática social linear, de Malthus e Darwin.

A tal visão mul linear das relações homem/natureza somar-se-ia, na década de 1980, uma nova visão da (auto)regulação dos sistemas. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, sob o influxo de Von Neumann, pensaram-se os sistemas em termos de retroação — o feedback. Mesmo sendo um avanço em relação às noções newtonianas de sistema, ao admi r contradições internas, restringia-se a uma noção de sistema autônoma em relação à existência dos seus componentes internos e às condições externas de funcionamento. Em suma: dadas algumas condições iniciais, os sistemas funcionavam linearmente; cessadas tais condições, cessava seu funcionamento. Assim, os mecanismos de retroação posi va ou nega va — alimentadoras ou não do próprio sistema — compunham equações lineares. O traço fundamental residia, de um lado, na negação do organicismo de po funcionalista — que negava as contradições em favor da funcionalidade — e, de outro lado, no caráter regulado dos sistemas, ou seja, sua estabilidade provisória.

Ora, foi exatamente esta estabilidade linear que começou a ser colocada em questão nos anos 80. A reprodução linear dos sistemas estava, em verdade, calcada na constante recusa em se considerar os fenômenos aleatórios, tomados como desprezíveis. Mas, exatamente no campo que nos interessa, verificam-se alterações constantes e aperiódicas, como na variação climá ca ou nos movimentos de populações. São pequenos movimentos aleatórios que, ao fim de um tempo, resultam em mudanças de padrão de largas proporções. Na verdade, o que se começava a perceber, na linha de raciocínio de Feigenbaum e Lorenz, é que qualquer mínima alteração ou perturbação das condições iniciais de funcionamento de um sistema produzirá um novo padrão. Assim,

dada a mutabilidade permanente das condições naturais, as possibilidades de alteração no padrão de um sistema, de forma não-linear, são permanentes.10 Ao tratarmos de

amplos sistemas apenas provisoriamente estáveis — como as paisagens — deveríamos levar em conta não só a mul lateralidade de processos de desenvolvimento mas também, fundamentalmente, a imprevisibilidade de resultados a par r de pequenas alterações, turbulências ou intervenções aleatórias no seu funcionamento. No caso da análise histórica das paisagens, consideradas como um determinado bioma, dever-se-ia considerar que são sistemas abertos, subme dos permanentemente a fatores aleatórios — entre os quais os variados pos de ação humana — cujos resultados não são previsíveis.

As condições sensíveis iniciais e a interveniência de uma série de fatores, bem como seus resultados, são o objeto básico de investigação da história das paisagens.

As abordagens históricas

Witold Kula no seu clássico manual de metodologia da história definiu paisagem como “o reflexo exterior do meio geográfico, o qual nos informa sobre muitos aspectos desse meio geográfico”.11 Em seguida, Kula afirma que a paisagem se divide

“cientificamente em paisagem natural e paisagem cultural”.

O critério de dis nção de uma para outra residirá em ter sido, ou não, transformada pela ação do homem. Por fim, conclui que na prá ca só a paisagem cultural é objeto de estudo do historiador.12 Tal postura foi, por longo tempo, não só

dominante como paradigmá ca no campo da história. Entretanto, a antropologia, com sua larga experiência extra-européia, adver a que, na prá ca, uma dis nção formal entre “natural” e “cultural” era bastante di cil de estabelecer e, talvez, prejudicial. Na sua apreciação, a paisagem surgia como produto de dois conjuntos complexos de fatores: as técnicas e o direito.13 De um lado, estaria o conjunto de recursos técnicos,

materiais ou não, capazes de garan r a sobrevivência do homem, seja no âmbito de uma fazenda, de uma vila ou de uma cidade; de outro lado, estariam as normas e exigências estabelecidas pelos grupos humanos e que definem as regras de divisão e apropriação do produto resultante da u lização das técnicas existentes. Assim, em um exemplo clássico, a aldeia pica da Lorena, no centro de uma área composta por afolhamento trienal, pastos comunais e, por fim, o bosque, configura uma paisagem resultante de condições técnicas e de normas jurídicas.14 Da mesma, forma, os grandes canaviais

envolvendo “sertões” — ilhas de matas na vas — e pon lhados de roças compunham uma típica paisagem da área litorânea do Rio de Janeiro no século XVIII.15

Ora, em ambos os casos combinam-se plenamente os fatores técnica e direito para definir e fixar uma paisagem. As possibilidades técnicas, o nível de disponibilidade demográfica do trabalho e o direcionamento da produção impunham um sistema de uso dos recursos naturais. Em ambos, normas, escritas ou não, garan am os direitos de uso da terra e as normas de conservação do bosque/”sertão”. O impera vo de se dispor de energia — em uma época em que a lenha era a fonte básica — regulava e detalhava o uso da floresta. Ora, a aparente polarização campo/floresta mostrar-se-ia, desta forma, como complementaridade: mesmo que nunca houvesse sido cul vada, na Lorena ou no

Rio de Janeiro, a floresta era produto das normas então vigentes. A sua própria existência, em meio a áreas agriculturáveis, já era, em si, um resultado do direito. Além de tudo, a ação constante do homem catando gravetos, recolhendo frutos, caçando animais ou controlando incêndios — para só citar trabalhos “leves” no interior do bosque — alterava em profundidade o comportamento das populações vegetais. Tudo somado implicava que a floresta já não era, desde há muito, “natural”. Assim, a distinção formal entre paisagem natural e paisagem cultural mostra-se, agora, bastante prejudicial a um amplo entendimento da relação homem/natureza.

G. Geertz, em um trabalho pioneiro, mostrou como na Indonésia uma população na va transformara a floresta úmida em uma floresta recoletável, preservando, ao mesmo tempo, o ecossistema e evitando a colonização de qualquer vegetal exótico.16

Fanshawe defende que a Guiana, área considerada de cobertura original, dificilmente teria qualquer mata primária, dada a longa e disseminada a vidade horticultural indígena.17 Prance & Schubart puderam comprovar, através dos ves gios de

carvão e cacos de cerâmica, que as campinas abertas do rio Negro, na Amazônia brasileira, seguidamente consideradas produto de solos específicos, eram, em verdade, o resultado de sucessivas queimadas que teriam sincopado defini vamente o processo de sucessão ecológica há mais de mil anos.18 Outro exemplo pico de perturbação

resultante de ação involuntária são as matas de bambu da Amazônia. Representando cerca de 85.000 km2, aparecem como resultado de queimadas num período pré-

colombiano bastante recuado.19 Ao contrário, a mata de apête (o cerrado em língua

caiapó) no sul do Pará, no Tocan ns e norte do Mato Grosso surge como produto direto do plan o indígena.20 Da mesma forma, as imensas matas de castanhais, a Bertholletia

excelsa, com cerca de 8.000 km2, em torno de Marabá, no Pará. Talvez a mais larga

paisagem homogênea criada intencionalmente sejam as matas de babaçu — cerca de 196.370 km2 da Amazônia legal.21

De amplitudes ainda mais largas são as alterações involuntárias. Dois exemplos são significa vos: (a) intrusão e colonização de várias áreas por espécies rús cas e nômades, como nas matas de cipó, e (b) alterações permanentes, como a formação de campos abertos, em São Paulo, ou savanas, no Centro-Oeste, em função de queimadas sucessivas. Algumas espécies, com mecanismo criptogeal — germinação para baixo —, tornar-se-ão dominantes nessas áreas.

William Ballé propõe, provisoriamente, o seguinte quadro de algumas matas alteradas na Amazônia:22

Tipo de Mata Área (km2)

Cacau1 196.370

Bambuzal2 85.000

Castanhal3 8.000

Mata de cipó4 100.000

Área total 389.370 km2

Fonte: (1) May et al., 1985; (2) Braga, 1979; (3) Kitamura & Muller, 1984; (4) Pires, 1973. A extensão destas paisagens falsamente naturais e já iden ficáveis a nge hoje

11,8% das terras firmes de toda a Amazônia — uma área equivalente à da Alemanha e Suíça juntas! Tais bosques são bons exemplos de perturbações em sistemas estáveis que geram mudanças de padrão em direções não-previstas. Os novos sistemas daí decorrentes tornam-se, por sua vez, estáveis e formam ecossistemas passíveis de novas intervenções perturbadoras e que não mais guardam relações com as condições sensíveis iniciais. Assim, a dis nção entre paisagem natural e paisagem cultural, tão ao gosto do romantismo do século XIX, deve ceder lugar a uma abordagem em termos de continuum.

Um outro aspecto que também altera fundamentalmente a abordagem tradicional da paisagem é o interesse de novos historiadores por paisagens “vazias”. Um exemplo, talvez o melhor, entre muitos, é o recente livro (1988) de Alain Corbin, La Vision du vide. Trata-se de um vigoroso inventário analí co da postura do homem frente à praia. Todo um universo, tão revolto e fugidio como o mar, é levantado por Corbin para analisar o imaginário popular ocidental sobre as praias. Solidão, melancolia, fúria, placidez, recolhimento e extroversão espor va são algumas das possibilidades — que, aliás, Proust já anotara — de uma febre que arrasta milhões de pessoas através de centenas de quilômetros e movimenta milhões de dólares.23

No caso, quanto mais “natural” for a paisagem, maior será seu apelo de sedução. Nem por isso o historiador se deteve face ao novo objeto — bem ao contrário, foi capaz de “inventar” seu objeto, a paisagem marinha, e relacioná-lo, de forma cria va, a conjuntos sociais, econômicos e mentais maiores.

As grandes temáticas em busca de uma metodologia

Par ndo do aporte fornecido pela antropologia e atentos a uma postura não- funcionalista da natureza, e contrária a qualquer reducionismo geográfico, propomos uma análise holís ca da questão. Assim, a paisagem, longe de se cons tuir em um dado da geografia, aparece — tal como na abordagem antropológica — como uma resultante de variados fatores, todos fundamentais na organização do espaço: (1) os dados da geografia sica; (2) os dados do direito; (3) a tecnologia disponível; (4) os dados da demografia; e (5) os dados da sociologia. Desde logo, duas caracterís cas básicas destacam-se no que, por exemplo, Garcia de Cortázar denomina de “esquema de análise

No documento Dominios da Historia Ciro Flamarion Cardos (páginas 160-171)