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O período 1890-1929/

No documento Dominios da Historia Ciro Flamarion Cardos (páginas 83-86)

Pluralidade disciplinar e conceitual Da história das idéias à história intelectual e/ou cultural

1. O período 1890-1929/

1914 para a compreensão da história intelectual do século XX.

Contrariamos assim a tendência atual dos historiadores das idéias e da cultura de par rem do primeiro “pós-guerra” e recapitulamos os traços principais da riqueza da Belle Époque no campo da história intelectual e cultural.

O período que se inicia aproximadamente em 1890 tem sido rotulado de maneiras as mais variadas: Hughes,17 de olho no conjunto da vida intelectual de então, denomina-

o de época da “revolta an posi vista”; o já mencionado Topolsky, atento exclusivamente às “formas de reflexão historiográfica”, associa-o ao advento do “modelo de reflexão estrutural ou integral”.

“Revolta an posi vista”. Esta expressão traduz, na opinião de Hughes, o elemento comum presente nas diversas correntes intelectuais de então. Outras denominações criadas com o mesmo fim — “neo-roman smo”, “neo-historicismo”, “an intelectualismo”, “irracionalismo” etc. — seriam menos precisas e abrangentes, já que estão presas às caracterís cas das tradições histórico-culturais de ambientes intelectuais específicos. O caráter “an posi vista”, pelo contrário, indica que o alvo comum, acima dessas diferenças, eram sempre as “teorias filosóficas e sociais picas dos séculos XVIII e XIX”, quer dizer, em síntese: o “pensamento iluminista”.

Hos lizar o posi vismo era recusar o cien smo então reinante, ou melhor, era rejeitar uma certa forma de posi vismo cujo erro fundamental, segundo seus crí cos de então, era o de pretender tratar as “ciências do homem”, ou do “espírito”, segundo analogias derivadas do paradigma das ciências naturais. Ignorantes das diferenças essenciais entre matéria e espírito, ou entre natureza e história, os posi vistas tentavam aplicar à esfera social humana suas categorias explica vas, sicas ou biológicas, como: materialismo, evolucionismo, mecanicismo, naturalismo, determinismo etc.

Todavia, a crí ca an posi vista não era necessariamente “irracionalista”. Para a maioria desses crí cos, ela era exatamente o oposto: a razão é que precisava ser defendida e resgatada, tanto quanto o livre-arbítrio, a vontade, o papel do indivíduo, o valor da consciência etc., em face dos determinismos de todo po. Mais uma vez, não era a razão, en dade abstrata, que se rejeitava mas sim um certo po ou concepção de razão — a razão iluminista.

A “revolta an posi vista”, sublinha Hughes, foi levada a cabo por intelectuais, burgueses em sua grande maioria, que rejeitavam um “posi vismo materialista” cuja expressão aberrante e perigosa era com toda a certeza o marxismo — “a úl ma e a mais perigosa de todas as ideologias abstratas e pseudocien ficas que desde princípios do Setecentos fascinaram os intelectuais europeus”.18

O panorama intelectual dessa “revolta” compreende: (1) as críticas endereçadas ao marxismo de então por autores como G. Durkheim, V. Pareto, B. Croce, J. Sorel etc.; (2) a “descoberta” do “inconsciente” — Freud, Jung, Bergson; (3) o retorno neo-idealista de Kant e/ou Hegel, Dilthey, Rickert, Simmel, Croce, Meinecke, Troeltsch; (4) as releituras de Maquiavel, Pareto, Mosca, Michels; (5) a tenta va de superar/conciliar posi vismo (cientismo) e idealismo (historicismo), de que Weber dá o melhor exemplo.

Das inúmeras idéias expostas ou discu das por esses pensadores, as principais foram provavelmente as seguintes: (a) o problema da consciência e o da natureza e papel do inconsciente; (b) os significados complexos das noções de “tempo” e “duração”;

(c) as especificidades reais do conhecimento na esfera das “ciências do espírito”, ou ciências humanas, e seus problemas para a teoria da ciência; (d) a introdução de novos conceitos, como “representações cole vas”, “mitos polí cos”, “derivações”, “elites políticas”, “visões de mundo”, “espírito de época” etc.

Cremos que é fácil perceber agora, dada a complexidade do pano de fundo intelectual anteriormente esboçado, nossas próprias dificuldades em relação ao panorama da história das idéias nesse período. É provável que esta história tenha sido mais favorecida que prejudicada por um clima intelectual “genericamente idealista” e sensível à recuperação da antiga tradição ocidental tendente a hipervalorizar o papel das idéias na história. É o que se deduz, por exemplo, da interpretação de Krieger, segundo a qual teria sido então que “a história das idéias finalmente emergiu, como história intelectual, no campo da historiografia”. Talvez um tanto exagerada, esta afirmação pode ser útil para sublinhar um possível ponto de partida historiográfico.

Todavia, é suficiente comparar as perspec vas desenhadas por Burke19 e Krieger

para perceber a pluralidade de concepções já então existentes no âmbito da historiografia.

Burke considera o horizonte mais amplo da história cultural — na qual presumivelmente se inclui a história das idéias. Segundo este autor, no período entre- guerras, na geração posterior a Huizinga, foram propostas cinco alterna vas ao modelo vigente cujos expoentes eram Burckhardt e o próprio Huizinga: (1) o modelo marxista representado, por exemplo, por Frederick Antal, Arnold Hauser e Francis Klingender; (2) o modelo francês de “história de mentalidade”, exemplificado por Marc Bloch e Lucien Febvre; (3) o modelo norte-americano de “history of ideas” associado a Arthur Lovejoy e seus discípulos; (4) a abordagem de Warburg em termos de tradição, exposta pelo professor Trapp; (5) a abordagem de Norbert Elias sobre o processo de civilização.

Krieger,20 por sua vez, escreve que a “história intelectual moderna corresponde a

cinco escolas” (na primeira metade deste século): (1) a historicista germano-italiana; (2) a sociointelectual dos historiadores dos Annales; (3) a corrente da “história das idéias” de A. Lovejoy; (4) a da New History, de I.H. Robinson; (5) a de historiadores de “teorias variadas ou setoriais” (filosóficas, ar s cas, literárias, polí cas), a exemplo de J.B. Bury, os quais ajustaram seus objetos especiais ao “novo padrão de pesquisa histórica, podendo-se agrupá-los em “historicistas” e “sociointelectuais”“.

Como se pode ver, existem alguns pontos comuns a estas duas classificações e, o que é mais importante, verifica-se a dificuldade (já então) de se pensar uma história das idéias ou intelectual distinta da história cultural. O próprio Krieger, por sinal, reforça esta impressão quando, depois de comparar as escolas européias e norte-americanas, conclui que havia, na verdade, somente duas tendências básicas — a historicista (reunindo a primeira, terceira e parte da quinta) e a sociointelectual (englobando a segunda e a outra parte da quinta).

Uma das objeções que temos à aproximação excessiva efetuada por Krieger entre a New History norte-americana e os Annales franceses, sob o rótulo de sociointelectuais, é o fato de ela não considerar que a New History atribuiu grande importância à história das idéias, como o demonstram os trabalhos de C. Brinton, C. Becker e H.E. Barnes, ao passo que os Annales condenaram, em princípio, a “história das idéias” tradicional e

admi ram sua abordagem somente em contextos mais amplos, a par r de teorias psicossociais ou lingüísticas.

Até 1929/30, ao lado da historiografia “posi vista” dedicada à produção de múl plas “histórias das idéias”, setorizadas de acordo com as variadas disciplinas especializadas então existentes, expandiu-se o pres gio do historicismo, quer na sua vertente germânica, quer na italiana, em função da difusão dos textos de Dilthey e Croce, com destaque também para as obras do espanhol Ortega y Gasset.

No documento Dominios da Historia Ciro Flamarion Cardos (páginas 83-86)