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Hassan Ahmed Ibrahim

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 101-108)

por sua total subserviência às potências europeias, que se aproveitavam de sua fraqueza e do endividamento do Egito para controlar as finanças e o governo do país. Logo se tornaria impossível às autoridades egípcias proceder a reformas administrativas ou econômicas sem a prévia e unânime autorização de catorze paises europeus. Enquanto os egípcios sofriam toda esta miséria, os residentes estrangeiros viviam confortavelmente. Estes sequer estavam sujeitos à lei egípcia, pois tinham leis e tribunais próprios. Aproveitando -se desta posição privilegiada, enriqueciam à custa das massas autóctones, muitas vezes por meios corruptos e imorais. O desejo de erradicar essa humilhante e odiosa dominação estrangeira viria a ser o principal motivo da irrupção da revolução urabista, movimento de resistência dirigido pelo coronel Ahmad Urabi1.

Um outro motivo seria o amadurecimento de ideias políticas liberais entre os egípcios como consequência do desenvolvimento da educação e da imprensa no século XIX. Esse amadurecimento político foi responsável, em grande parte, pelo movimento constitucional que irrompeu no país nos anos de 1860, sobretudo entre os egípcios de educação ocidental, que se opunham à dominação estran- geira e ao despotismo do quediva. Esse movimento encontrou importantíssimo apoio nas ideias revolucionárias dos reformadores muçulmanos Djamal al -Din al -Afghani e Muhammad Abduh. Dirigidos por Muhammad Sharif Pasha, cognominado Abu al -Dastur (o pai da constituição), aqueles nacionalistas cons- titucionais exigiam a promulgação de uma constituição liberal e a formação de um governo parlamentar2. Alguns deles talvez até ansiassem pela derrubada da

dinastia de Muhammad Ali, que reinava no país desde o começo do século. A principal causa direta do desencadeamento da revolução, todavia, foi o descontentamento e o sentimento de frustração experimentados pelos mili- tares egípcios. Não só as tropas recebiam um soldo muito baixo (20 piastras por mês)3, como os oficiais egípcios não podiam aceder a patentes elevadas, na

realidade monopolizadas pelos oficiais turco -circassianos, que menosprezavam e maltratavam os subordinados egípcios. Para pôr fim a essa posição de inferio- ridade e responder às exigências da população, os militares egípcios interferiram ativamente na arena política pela primeira vez na história contemporânea do país, desencadeando em começos de fevereiro de 1881 uma revolução contra o colonialismo europeu e o quediva Tawfik.

1 AL -RAFI, 1966, p. 82 -5 2 VATIKIOTIS, 1969, p. 126 -30.

75 e resistência afr ic anas no nor deste da Áfr ic a

O líder dessa revolução, coronel Ahmad Urabi (1839 -1911), era uma perso- nalidade sedutora, de origem fellah (ver fig. 4.1). Embora “simples, desprovido, de sutileza e de refinamento político4”, Urabi era homem corajoso e um orador

eloquente que muitas vezes intercalava em seus discursos passagens do Alco- rão, “o que o tornava popular junto às massas”. Essas qualidades de líder logo o tornaram o dirigente inconteste da revolução, tendo desempenhado importante papel na formação do al -Hizb al -Watani, o Partido Nacionalista, cujos membros eram um misto de homens de origem fellah e alguns notáveis turcos, unidos todos na oposição à autocracia quediva.

No começo, a revolução obteve grande sucesso. Uthman Rifki, o famoso minis- tro da Guerra, circassiano inspirador da política de discriminação praticada no exército, foi demitido e substituído por um político revolucionário e distinto poeta, Mahmud Sami al -Barudi. Formou -se um gabinete inteiramente urabista, e o próprio Urabi veio a tornar -se ministro da Guerra5. Tawfik ficou tão assustado

que ordenou a formação de uma assembleia popular e promulgou a 7 de fevereiro de 1882 uma constituição relativamente liberal. Sabendo que esse passo em dire- ção ao constitucionalismo nada tinha de sincero, os urabistas estavam dispostos a derrubar Tawfik e até pensavam em declarar o Egito uma república. Como esta situação ameaçasse os privilégios e interesses estrangeiros, a revolução viu -se diretamente confrontada com as potências europeias (ver fig. 4.2).

Entretanto, o quediva conspirava em segredo para esmagar a revolução. A fim de provocar uma intervenção estrangeira, afirmam certos historiadores egípcios, o quediva e os ingleses organizaram o massacre de Alexandria de 12 de junho de 1882, em que numerosos estrangeiros foram mortos, e muitas propriedades danificadas6. Verdadeira ou não, a acusação não importa: de fato, o quediva tinha

solicitado a intervenção dos ingleses, e estes responderam com grande rapidez e entusiasmo. O gabinete egípcio, por unanimidade, decidiu repelir a invasão e rejeitou o ultimato inglês para desistir da fortificação das defesas costeiras e desmantelar as posições de artilharia em torno de Alexandria. Isso deu à esqua- dra inglesa o pretexto para bombardear a cidade em 11 de julho de 1882 (ver fig. 4.3). O exército e o povo do Egito, embora oferecessem corajosa resistência aos invasores, foram vencidos por forças superiores. Cerca de 2 mil egípcios encontraram a morte nessa batalha.

4 AL -SAYYID, 1968, p. 9. 5 SHIBAYKA, 1965, p. 604. 6 AL -MURSHIDI, 1958, p. 58.

Áfr ic a sob do mina çã o colo nial, 1880-1935

Após a queda de Alexandria, o exército egípcio recuou para Kafr al -Dawar, a alguns quilômetros da cidade. Urabi declarou a djihad contra os ingleses, numa proclamação que foi distribuída ao povo. Vários combates se travaram perto de Kafr al -Dawar em agosto de 1882. A firme resistência do exército e da população tornava muito difícil aos invasores a ocupação do Cairo a partir de lá. Os ingleses decidiram então ocupar o canal de Suez e lançar em seguida uma grande ofensiva contra a capital.

As massas egípcias prestaram apoio financeiro ao exército, e milhares de jovens ofereceram -se como voluntários. Mas todas as probabilidades estavam contra a causa nacionalista. Urabi só dispunha de 16 mil soldados treinados e mesmo esse pequeno efetivo estava disperso em torno de Kafr al -Dawar, Dimyat (Damietta) e a zona do canal. Além disso, faltavam ao exército egípcio treinamento, armas modernas, munições e meios eficientes de transporte. Com um exército de 20 mil homens, comandados por sir Garnet Wolseley, os ingleses transpuseram rapidamente o canal, ocuparam Ismailia, esmagaram o grosso das forças revolucionárias na batalha de Tell al -Kebir em 13 de setembro de 18827

e ocuparam o país. Embora os britânicos tivessem prometido rápida evacuação, na verdade ocuparam o Egito por 72 anos.

O malogro da revolução urbanista, que não conseguiu libertar o país da influência europeia e da dominação dos turcos, tem explicação fácil. Muito embora a revolução tivesse recebido o apoio da massa do povo, não teve tempo suficiente para mobilizá -lo. Ademais, uma grave cisão verificou -se na frente nacionalista, devido ao crescente conflito que opunha os militares e os civis cons- titucionalistas. Estes últimos recusavam por princípio a intervenção do exército no domínio político, enquanto os militares afirmavam que a revolução estaria melhor salvaguardada se eles controlassem o governo. O movimento sofria com as intrigas do quediva e de seus adeptos circassianos, que traíram a revolução e facilitaram a ocupação britânica.

O próprio Urabi cometeu vários erros. Não quis depor o quediva desde o início da revolução, pois receava que a medida provocasse a intervenção estran- geira e mergulhasse o país no caos – o que deu tempo ao quediva para conspirar contra a revolução. Urabi cometeu outro erro fatal: apesar dos avisos de alguns de seus conselheiros militares, recusou -se a bloquear o canal, na esperança – que se mostraria vã – de que a França não permitisse que a Inglaterra o utilizasse

para invadir o Egito. Em última análise, porém, a derrota da revolução urabista deveu -se à superioridade militar britânica.

Reação e formas de resistência do Egito à

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