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O império Tukulor

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 161-165)

Tal como a maior parte dos chefes africanos, Ahmadu, filho e sucessor de Al Hadj Umar, fundador do império Tukulor (ver fig. 6.1), estava decidido a defender o seu império e a preservar a sua independência e soberania. Para atin- gir esses objetivos, optou por uma estratégia de aliança e de confronto militar. No entanto, ao contrário da maior parte dos chefes da região, apoiava -se mais na aliança do que na resistência. De fato, veremos que, desde a sua ascensão ao poder até 1890, persistiu em procurar a aliança e a cooperação com os franceses e só nos dois anos subsequentes é que se decidiu ao confronto armado.

Dito isto, não surpreende que Ahmadu tenha adotado esta estratégia em particular, pois as realidades políticas e econômicas com que se defrontava poucas alternativas lhe deixavam. Desde o início do seu reinado, Ahmadu teve de se bater em três frentes políticas: contra seus irmãos, que lhe contes- tavam a autoridade, contra os súditos (Bambara, Mandingas, Peul e outros), que detestavam profundamente seu novo senhor tukulor e queriam recuperar a independência pela força, e contra os franceses. Para agravar as coisas, seu exército era numericamente mais fraco do que o exército que permitira a seu pai a criação do império, pois não contava mais de 4 mil talibes (estudantes de religião que formavam a ossatura do exército de Umar) e 11 mil sofas (infan- taria) em 18668 e, ademais, não exercia sobre a tropa a mesma autoridade que

o pai nem era capaz de motivá -la com a mesma força. Como era de esperar, Ahmadu deu portanto prioridade ao reforço de sua própria posição, fazendo um acordo com os irmãos – na verdade, alguns tentaram derrubá -lo em 1872 – e, depois, para garantir a sobrevivência do seu império, pondo fim às ativas

7 Ibid.

rebeliões dos diversos grupos avassalados, particularmente os Bambara. Para tanto, precisava de armas e munições, assim como dos recursos financeiros que lhe proporcionava o comércio, o que o obrigava a manter relações amistosas com os franceses. Além disso, a maior parte dos talibes se recrutava no Futa Toro, pátria de seu pai, e, como essa região estava sob a dominação francesa, tinha de obter a colaboração deles. Em face destes problemas de política interna, ainda surpreende que ele tenha aceito, pouco após a sua elevação ao poder, negociar com os franceses? Essas negociações decorreram entre Ahmadu e o tenente Mage, representante da França. Convencionou -se que, em troca do forneci- mento de canhões e do reconhecimento da sua autoridade, Ahmadu autorizaria os comerciantes franceses a operar no seu império9.

Embora este tratado não tenha sido ratificado pelo governo francês, Ahma du não tenha recebido nenhum canhão e os franceses não tenham cessado de ajudar os rebeldes (chegando até a atacar Sabusire, fortaleza tukulor de Kuasso, em 1878), Ahmadu não deixou de manter uma atitude amistosa com os franceses. Isso lhe foi muito útil, pois assim conseguiu sufocar as tentativas de rebelião dos irmãos em 1874, bem como as dos territórios de Segu e Kaarta no final da década de 1870. Por isso, concordou prontamente quando os franceses, que precisavam da sua cooperação para preparar a conquista da região situada entre o Senegal e o Níger, solicitaram a reabertura de negociações, em 1880. Essas negociações, conduzidas pelo capitão Galliéni, redundaram no tratado de Mango, pelo qual Ahmadu se comprometia a autorizar os franceses a construir e a manter vias comerciais no seu império e lhes deferia o privilégio de construir e fazer circular embarcações a vapor no Níger. Em troca, os franceses reconheciam a existência do seu império como Estado soberano, concediam -lhe liberdade de acesso a Futa, comprometiam -se a não invadir o seu território nem a levantar qualquer fortificação. Acima de tudo, os franceses concordavam em pagar um tributo de quatro peças de artilharia de campanha e de mil fuzis, mais uma renda anual de 200 fuzis, 200 barris de pólvora, 200 obuses de artilharia e 50 mil espoletas10.

O tratado era, manifestamente, uma grande vitória diplomática para Ahmadu; se os franceses o tivessem ratificado e respeitado com sinceridade, não há dúvida de que o império de Ahmadu teria sobrevivido. Mas, é claro, nem o próprio Galliéni tinha a intenção de cumpri -lo; aliás, o governo francês não o ratificou. Com o novo comandante militar do Alto Senegal, tenente -coronel Borgnis -Desbordes, os franceses começaram desde 1881 a invadir o império.

9 Ibid., p. 63 -4. 10 Ibid., p. 65.

Em fevereiro de 1883, ocuparam Bamako sem oposição, para em 1884 lançarem canhoneiras no rio Níger, sem que os Tukulor oferecessem resistência. A única reação de Ahmadu foi proibir todo comércio com os franceses11. Em 1884,

Ahmadu tentou remontar o Níger em direção a Bamako, à frente de imponente exército. Mas, ao contrário de tudo o que se podia prever, ele não quis atacar nem ameaçar as frágeis linhas de comunicação dos franceses para ir cercar Nioro, capital de Kaarta, a fim de depor o rei Muntaga, seu irmão, que ele achava muito independente em relação à autoridade central12.

Que Ahmadu tenha preferido atacar o irmão em vez dos franceses demons- tra bem que ele ainda não dominava plenamente a situação dentro do seu impé- rio e precisava do apoio dos franceses, sobretudo se levarmos em conta que os Bambara do distrito de Beledugu, próximo de Bamako, também estavam em dissidência. É isso, com certeza, que explica a reação de Ahmadu às invasões francesas entre 1881 e 1883. A cooperação francesa era tanto mais necessária quanto é certo que o cerco de Nioro enfraquecera ainda mais o seu potencial militar. Por sua parte, os franceses também tinham necessidade urgente de se aliar a Ahmadu. Entre 1885 e 1888, combateram a rebelião do chefe Soninke Mama- dou Lamine e estavam preocupados em evitar que ele se aliasse a Ahmadu. Dessa forma, embora ciente de que os franceses continuavam a ajudar os rebeldes Bambara, Ahmadu aceitou celebrar com eles o tratado de Gori, a 12 de maio de 1887. Nos termos do tratado, Ahmadu concordava em colocar seu império sob a proteção nominal dos franceses, que em troca se comprometiam a não invadir seus territórios e a revogar a proibição da venda de armas a Ahmadu.

Em 1888, porém, os franceses, sufocada a rebelião de Lamine e celebrado outro tratado com Samori Touré, como veremos adiante, já não precisavam da aliança com Ahmadu. Esta evolução do quadro e a agressividade do comando militar francês explicam a irrupção de novas hostilidades contra Ahmadu, cujo sinal foi o ataque, em fevereiro de 1889, contra a fortaleza tukulor de Kundian, “esse molesto obstáculo na estrada de Siguiri e de Dinguiray”13. A operação não

correu tão depressa como se esperava. O tata estava solidamente construído, com paredes duplas de pedra, e a guarnição tinha retirado o telhado de colmo, a fim de impedir a rápida propagação de um incêndio. Para abrir uma brecha, Archinard foi obrigado a fazer um bombardeio intensivo de oito horas contra a muralha, com suas peças de artilharia de montanha de 80 mm. Os Tukulor, que

11 SAINT -MARTIN, 1972, p. 301. 12 Ibid., p. 316.

tinham aguentado esse dilúvio de ferro e fogo, opuseram tenaz resistência aos franceses, ripostando aos bombardeios com salvas ininterruptas de mosquetão e defendendo o terreno casa por casa. Muitos defensores morreram de armas na mão14.

Ahmadu, às voltas com as dificuldades internas, transpôs então o conflito para o plano religioso, convidando todos os muçulmanos do império a pegar em armas para a defesa da lei. Remeteram -se cartas para Jolof, na Mauritânia, bem como para Futa, pedindo socorro15. Tais diligências não deram resultado satis-

fatório e Archinard, depois de preparativos minuciosos e de obter armamento adequado – que compreendia “duas peças de artilharia de campanha de 95 mm com 100 granadas de melinita, recentemente inventada”16 –, tomou a capital

do império em abril de 1890. De lá, marchou contra a fortaleza de Wesebugu, defendida por Bambaras fiéis a Ahmadu, que se deixaram todos matar, não sem ter infligido pesadas perdas aos assaltantes. Dos 27 europeus, dois foram mortos e oito ficaram feridos; dos soldados africanos, 13 foram mortos e 876 ficaram feridos. Prosseguindo na ofensiva, Archinard tomou Koniakary, após ter esma- gado a resistência dos Tukulor. Diante da obstinada resistência das guarnições tukulor, Archinard parou por algum tempo e incitou Ahmadu a capitular e a fixar residência numa aldeia de Dinguiray como simples indivíduo.

Foi então que Ahmadu decidiu renunciar à diplomacia para recorrer aos meios militares. Em junho de 1890, seus soldados atacaram a via férrea em Talaari e se envolveram com os franceses em diversas escaramuças entre Kayes e Bafulabe. Em uma delas, os franceses sofreram 43 baixas, entre mortos e feri- dos, numa força de 125 homens. Em setembro, aproveitando o isolamento de Koniakary pela cheia, procuraram conquistá -la, mas não conseguiram17.

Entretanto, Ahmadu também se preparava para defender Nioro. Dividiu as suas tropas em quatro grupos. O grosso delas estava concentrado em volta de Nioro, sob o comando do general Bambara Bafi e do ex -rei de Jolof, Albury Ndiay18. A 23 de dezembro de 1890, o exército de Bassiru foi disperso pelos

franceses, equipados com canhões de 80 e 95 mm, e, em 10 de janeiro de 1891, Archinard entrava em Nioro. A tentativa que Albury fez de retomar Nioro, em 3 de janeiro, resultou em fracasso e na derrota do exército Tukulor. O sultão

14 Ibid., p. 38l. 15 Ibid., p. 390.

16 KANYA -FORSTNER, 1971, p. 69. 17 Ibid., p. 70.

teve mais de 3 mil homens mortos ou capturados. Retirou -se para Macina, que deixou após o rude combate de Kori -Kori. Mesmo no exílio, no territó- rio dos Haussa, mantinha em relação aos franceses “uma independência sem compromisso”19.

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 161-165)