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Samori Touré e os franceses

No documento HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA (páginas 165-172)

Ao contrário de Ahmadu, Samori Touré optou por uma estratégia de con- fronto e não de aliança. Embora recorresse igualmente à diplomacia, deu acima de tudo destaque à resistência armada. Em 1881 já tinha feito da “parte meri- dional das savanas sudanesas, ao longo de toda a grande floresta do oeste da África”, entre o norte da atual Serra Leoa e o rio Sassandra, na Costa do Mar- fim, um império unificado sob a sua incontestada autoridade20 (ver fig. 6.3).

Ao contrário do império Tukulor, o império Mandinga estava ainda numa fase ascendente em 1882, quando se deu o primeiro embate entre Samori Touré e os franceses. A conquista desta região também havia permitido a Touré criar um poderoso exército, relativamente bem equipado à europeia. Estava dividido em dois corpos: infantaria (ou sofa), que em 1887 contava com 30 mil a 35 mil homens, e cavalaria, que na mesma época não tinha mais que 3 mil homens. A infantaria estava dividida em unidades permanentes de 10 a 20 homens, conhecidas como sé (pés) ou kulu (turmas), comandadas por um kuntigi (chefe). Dez sé formavam um bolo (braço), colocado sob o comando de um bolokuntigi21.

A cavalaria estava dividida em colunas de 50 homens, chamadas sere. Os bolo, principal força ofensiva, deslocavam -se escoltados pelos sere. Como se tratava de unidades permanentes, estabeleciam -se laços de amizade entre os soldados e de lealdade para com o chefe local e Samori Touré. Este exército, portanto, não demorou a assumir “um caráter quase nacional, em vista da sua notabilíssima homogeneidade22. Mas o que sobretudo distinguia o exército de Samori era seu

armamento e seu treinamento. Ao contrário da maior parte dos exércitos da África ocidental, o de Samori era praticamente constituído por profissionais armados à custa de seu chefe. Até 1876, as tropas de Samori Touré estavam equi- padas com velhas espingardas, que os ferreiros locais eram capazes de consertar. Mas, a partir de 1876, Samori Touré tratou de procurar armas europeias mais

19 SAINT -MARTIN, 1972, p. 427.

20 Para um estudo detalhado da vida e das atividades de Samori Touré, ver PERSON, 1968-1975. 21 PERSON, 1971, p. 121 -6.

figura 6.2 Samori Touré (c. 1830 -1900), após a sua captura pelo capitão Gouraud (à direita), em setembro de 1898. (Foto: Harlingue-Viollet.)

modernas, essencialmente por intermédio de Serra Leoa, para examiná -las com atenção e decidir quais as que se adaptavam melhor às suas necessidades. Foi assim que, a partir de 1885, ele resolveu substituir as espingardas, cujos cartu- chos, por demais volumosos, estragavam depressa com a umidade da região, por fuzis Gras, mais bem adaptados ao clima local, com seus cartuchos mais leves, e por Kropatscheks (fuzis Gras de repetição). Ficaria fiel a esses dois modelos durante toda a década de 1880, de tal forma que acabou dispondo de turmas de ferreiros capazes de copiá -los nos menores detalhes. De 1888 em diante, também adquiriu alguns fuzis de tiro rápido e, em 1893, dispunha de cerca de 6 mil dessas armas, que empregou até a sua derrota, em 1898. Em compensação, nunca dispôs de peças de artilharia, o que constituía grave desvantagem nas suas campanhas contra os franceses. Essas armas foram adquiridas graças à venda de marfim e de ouro extraído dos velhos campos auríferos de Bure, ao sul do país, já explorados na época medieval, bem como à troca de escravos e de cavalos na região do Sahel e do Mosi. Bem equipado, o exército de Samori Touré estava igualmente bem treinado e disciplinado e caracterizava -se pelo esprit de corps e pela homogeneidade.

É evidente, então, que Samori Touré estava no ápice do seu poderio quando pela primeira vez entrou em contato com os franceses, em 1882. Em fevereiro desse ano, recebeu a visita do tenente Alakamesa, que lhe comunicou a ordem do comando supremo do Alto Senegal -Níger para que se retirasse de Kenyeran, importante mercado que barrava a Samori Touré o caminho das áreas mandinga. Como era de esperar, Samori Touré recusou. Isso provocou um ataque de sur- presa de Borghis -Desbordes, que teve de bater precipitadamente em retirada. O irmão de Samori, Keme Brema, atacou os franceses em Wenyarko, perto de Bamako, em abril. Embora vencedor a 2 de abril, Keme Brema foi batido dez dias mais tarde por tropas francesas bem menos importantes. Desde então, Samori Touré evitou o confronto com os franceses e dirigiu a sua ação para Kenedugu.

Em 1885, quando Combes ocupa Bure, cujas minas de ouro eram importan- tes para a economia do seu império, Samori Touré compreendeu a amplitude da ameaça e resolveu desalojar os franceses pela força. Três exércitos, o de Keme Brema, o de Masara Mamadi e o dele próprio, foram encarregados da execu- ção da tarefa. Graças a um vasto movimento de tenazes, Bure foi facilmente retomado e os franceses tiveram de sair precipitadamente para não se verem cercados. Samori Touré decidiu então cultivar relações com os britânicos de Serra Leoa. Depois de ocupar Falaba em 1884, enviou emissários a Freetown, propondo ao governador colocar todo o país sob a proteção do governo britânico.

Tal oferta era apenas uma manobra de Samori Touré, que não pensava de forma alguma em alienar a sua soberania, mas em obrigar os franceses a respeitá -la, aliando -se a um governo poderoso23.

Falhando a manobra, Samori Touré assinou com os franceses, em 28 de março de 1886, um tratado em virtude do qual aceitava recuar as suas tropas para a margem direita do Níger, embora mantendo seus direitos sobre Bure e os Mandingas de Kangaba24. Em outro tratado com os franceses, assinado em

25 de março de 1887, que alterava o do ano anterior, Samori cedia a margem esquerda do rio e até aceitava colocar seu país sob o protetorado francês.

Samori Touré talvez tenha assinado este novo documento pensando que os franceses o ajudariam contra Tieba, o faama (rei) de Sikasso, que atacou em abril de 1887, com um exército de 12 mil homens. Ora, os franceses imaginavam apenas impedir qualquer aliança entre Samori Touré e Mainadou Lamine, seu adversário na ocasião. Quando Samori percebeu que, em vez de se comportarem como aliados e ajudá -lo, os franceses encorajavam a dissidência e a rebelião nas regiões recentemente subjugadas, procurando ainda impedir que ele se reabaste- cesse de armas em Serra Leoa, levantou o cerco em agosto de 1888 e preparou -se para o combate contra o invasor25. Reorganizou o exército, concluiu em maio de

1890 com os britânicos, em Serra Leoa, um tratado que o autorizava a comprar armas modernas em quantidades cada vez maiores durante os três anos seguin- tes, e treinou suas tropas à moda europeia. Foram criadas seções e companhias. No plano da tática militar resolveu optar pela defensiva. Claro, não se tratava de se pôr ao abrigo das muralhas dos tatas, pois a artilharia não lhe daria a menor possibilidade de êxito. A estratégia dele consistia em imprimir grande mobili- dade às suas tropas, para melhor surpreender o inimigo, infligindo -lhe pesadas perdas antes de desaparecer26.

Archinard, que tomara Segu em março de 1890, atacou Samori em março de 1891, na esperança de o derrotar antes de entregar o comando do Alto Senegal -Níger a Humbert. Achava que, ao primeiro choque, o império de Samori Touré viria abaixo. Mas, embora a sua ofensiva resultasse na tomada de Kankan em 7 de abril e no incêndio de Bisandugu, teve efeito contrário, pois constituiu para Samori Touré um aviso salutar que o incitou a prosseguir nas ofensivas contra os franceses

23 HARGREAVES, 1969, p. 207 -8. 24 Ibid., p. 208.

25 Ibid., p. 209.

em Kankan, o que lhe permitiu derrotá -los na batalha de Dabadugu, em 3 de setembro de 1891.

O principal confronto entre os franceses e Samori Touré se deu em 1892. No desejo de pôr fim à questão, Humbert invadiu a parte central do império em janeiro de 1892, à frente de um exército de 1300 atiradores de elite e 3 mil carregadores. Samori Touré comandava em pessoa um exército de 2500 homens escolhidos para enfrentar o invasor. Embora seus homens “se bates- sem como diabos, defendendo pé a pé cada milímetro do terreno com feroz energia”, para repetir as palavras de Person27, Samori foi batido e Humbert

tomou Bisandugu, Sanankoro e Kerwane. Salientemos, porém, que o próprio Humbert devia achar o resultado bem magro, em vista das pesadas perdas que sofreu. Além disso, Samori ordenara à população civil que abandonasse o local à chegada dos franceses.

No entanto, Samori Touré já não alimentava ilusões. Os violentos combates travados contra a coluna do coronel Humbert, que lhe haviam custado um milhar de combatentes de elite, enquanto os franceses não perderam mais que cem homens, tinham -no convencido do absurdo de outro confronto. Portanto, não lhe restava senão render -se ou retirar -se. Recusando capitular, decidiu aban- donar a pátria e refugiar -se a leste, para criar aí um novo império, fora do alcance dos europeus. Prosseguindo na política de terra queimada, iniciou a marcha para leste em direção aos rios Bandama e Comoe. Se bem tivesse perdido em 1894, com a estrada de Monróvia, a última via de acesso ao fornecimento de armas modernas, nem por isso abandonou o combate. No começo de 1895, encontrou e rechaçou uma coluna francesa vinda do país Baule, sob o comando de Monteil, e, entre julho de 1895 e janeiro de 1896, ocupou o país Abron (Gyaman) e a parte ocidental de Gondja. Por essa época, já lograra formar um novo império no hinterland da Costa do Marfim e do Ashanti (ver fig. 6.2)28. Em março de

1897, seu filho Sarankenyi -Mori encontrou e bateu, perto de Wa, uma coluna britânica comandada por Henderson, enquanto o próprio Samori Touré atacava e destruía Kong em maio de 1897 e prosseguia avançando até Bobo, onde se deparou com uma coluna francesa comandada por Caudrelier.

Entalado entre os britânicos e os franceses, depois de tentar em vão mal- quistar uns com os outros, cedendo a estes o território de Bouna, cobiçado por aqueles, Samori Touré resolver regressar à Libéria, para junto de seus aliados Toma. Já a caminho, foi atacado de surpresa por Gouraud em Gelemu, no dia

27 Ibid., p. 135. 28 Ibid., p. 138.

28 de setembro de 1898. Capturado, foi deportado para o Gabão, onde morreu em 1900. Sua captura pôs termo àquilo que um historiador moderno chamou de “a mais longa série de campanhas contra o mesmo adversário em toda a história da conquista do Sudão pelos franceses”29.

Daomé

Behanzin, o rei do Daomé (Abomey), tal qual Samori, decidiu recorrer a uma estratégia de confronto para defender a soberania e a independência do seu reino30. Na última década do século XIX, o Daomé entrou em conflito aberto

com a França, que havia imposto seu protetorado a Porto Novo, vassalo de Abo- mey (ver fig. 6.1). Era um sério golpe nos interesses econômicos de Abomey. Em 1889, o herdeiro do trono, príncipe Kondo, informou ao governador das Rivieras do Sul, Bayol, que o povo Fon jamais aceitaria semelhante situação. Em fevereiro de 1890, Bayol ordenou a ocupação de Cotonou e a detenção dos Fon notáveis que lá se encontrassem. O príncipe Kondo, que tomara o poder em 1889 com o nome de Behanzin, reagiu mobilizando as suas tropas. Abomey possuía então um exército permanente de 4 mil homens e mulheres, em tempo de paz. Em tempo de guerra, todos os homens tinham de cumprir o serviço militar, apoiados pelas Amazonas, guerreiras muito temidas.

A guarnição francesa foi atacada ao crepúsculo, ao mesmo tempo que uma parte do exército fora destacada para a região de Porto Novo, para destruir as palmeiras. Segundo Behanzin, estas represálias econômicas levariam os fran- ceses a pedir logo a paz. Em 3 de outubro, o padre Dorgere apresentava -se em Abomey com propostas de paz. Os franceses comprometiam -se a pagar a Behanzin uma renda anual de 20 mil francos, em troca do reconhecimento de seus direitos sobre Cotonou, onde poderiam arrecadar impostos e estabe- lecer uma guarnição. O rei aceitou as condições e o tratado foi assinado em 3 de outubro de 1890. No entanto, preocupado com a defesa do restante de seu reino, tratou de modernizar o exército, adquirindo de empresas alemãs de Lomé, entre janeiro de 1891 e agosto de 1892, “1700 fuzis de tiro rápido, seis canhões Krupp de diversos calibres, cinco metralhadoras, 400 mil cartuchos sortidos e uma grande quantidade de granadas”31.

29 WEISKEL, 1980, p. 99 -102. 30 Ross, 1971, p. 144. 31 Ibid., p. 158.

Mas os franceses, decididos a conquistar o Daomé, aproveitaram o pretexto de um incidente ocorrido em 27 de março de 1892; nesse dia, com efeito, sol- dados Fon abriram fogo contra a canhoneira Topaz, que descia o Weme com o residente francês de Porto Novo a bordo. A missão da conquista foi confiada a um mulato senegalês, o coronel Dodds, que chegou a Cotonou em maio de 1892. Porto Novo, onde os franceses concentravam 2 mil homens, tornou-se o centro dos preparativos. Dodds fez os seus homens remontarem o rio Weme e, a 4 de outubro, tratou de marchar contra Abomey. Reunindo as três divisões do seu exército, com um efetivo de 12 mil homens, os Fon cuidaram de cortar o cami- nho ao invasor entre o rio e Abomey. Não pouparam esforços, lançando mão de seus recursos tradicionais (ataques de surpresa ao amanhecer, emboscadas, defesa em linha, tática de fustigamento e outras formas de guerrilha); mas, apesar das grossas perdas, não conseguiram deter os franceses e muito menos fazê -los recuar. Calcula -se que os Fon tiveram 2 mil mortos (entre eles quase todas as Amazonas) e 3 mil feridos, enquanto os franceses só perderam 10 oficiais e 67 homens32. Mas

o que mais prejudicou o plano militar dos Fon foi a destruição das colheitas pelos escravos Ioruba, libertados pelo exército de Dodds. Abomey teve de enfrentar um agudo problema de provisões. Alguns soldados, para não morrer de fome, tiveram de correr para seus lares em busca de alimento e em defesa de suas aldeias, que estavam sendo pilhadas pelos escravos Ioruba libertados.

Com a desintegração do exército Fon, a única solução, claro está, era a paz. Dodds, que se achava acampado em Cana, aceitou as propostas de Behanzin, mas exigiu o pagamento de pesada indenização de guerra e a entrega de todo armamento. As condições de Dodds eram evidentemente inaceitáveis para a própria dignidade do povo Fon. Em novembro de 1892, Dodds, que prosseguia na sua marcha inexorável, fazia entrada em Abomey, que Behanzin mandara incendiar antes de seguir para a parte setentrional do seu reino, onde se fixou. Em vez de submeter -se ou de ser deposto por seu povo, como os franceses esperavam, ele cuidou imediatamente de reorganizar o exército, com irrestrito apoio popular. Em março de 1893, conseguira reagrupar 2 mil homens, que realizaram vários ataques de surpresa contra as zonas mantidas pelos franceses. Em abril de 1893, os notáveis fizeram novas propostas de paz. Estavam prontos a ceder à França a parte meridional do reino, mas não aceitavam a deposição de Behanzin, encarnação dos valores de seu povo e símbolo da existência de seu Estado independente. Os franceses lançaram então, em setembro, outro

corpo expedicionário, sempre sob o comando de Dodds, promovido a general; a expedição acabou por conquistar o norte do Daomé. Goutchilli foi nomeado e coroado rei em 15 de janeiro de 1894 e, quanto a Behanzin, foi preso em consequência de uma traição no dia 29 de janeiro de 189433.

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