2. A Jordânia no contexto do Médio Oriente
2.1 Herança histórica, das tribos ao estado moderno
A Jordânia é percepcionada por muitos como “uma criação colonial artificial. Segundo esta percepção, a Jordânia é essencialmente o pedaço de terra árida que sobrou da divisão da Palestina, Síria, Líbano e Iraque. Este ‘reino desértico’, uma área de acampamento para tribos nómadas dispersas, rudes por natureza, foi criado para satisfazer as ambições pessoais de um príncipe árabe, deixado sem território para governar, depois da primeira Guerra Mundial”.14
O território que compreende a actual Jordânia foi designado a ficar sob controlo do Reino Unido na sequência da divisão do Médio Oriente entre ingleses e franceses após a derrota do império otomano na primeira mundial. Na Conferência do Cairo em 1921, Winston Churchill, então Secretário Britânico para as Colónias, em conjunto com especialistas no Médio Oriente, formalizou o envolvimento na governação dos seus protectorados, de uma poderosa família que na Grande Revolta Árabe de 1916, liderou a libertação dos territórios árabes da ocupação otomana, a família real Hashemita, concedendo o trono do Iraque ao Emir Faisal ibn Hussein e o do Emirado da Transjordânia ao seu irmão Abdullah ibn Hussein.
Com efeito, antes do estabelecimento do Emirado da Transjordânia, os habitantes da região estavam organizados segundo linhagem tribal, seguindo os seus valores e tradições. Os chefes tribais (sheiks) governavam a região, tendo consolidado a sua autoridade através do apoio de poderes externos, e constituíam um forte desafio à criação de um estado centralizado.
As principais tribos eram Bani Sakhr no Norte, Adwan no Vale do Jordão e Huwaytat que dominava a vasta região de Kerak até Aqaba. Os nómadas Rwala dos arredores de Damasco, estabeleceram-‐se em torno ao Wadi Sirhan. Beni Khaled, Beni Hassan, Sirhan, Sardiye, e Isa eram pequenas tribos da região de Amã e do Vale do Jordão, que se aliaram contra os ataques de Beni Sakhr. A tribo Bani Sakhr estava em permanente conflito com os Adwan (cuja origem remonta ao século XVI), os Ghazaoui e os Beshtawi do Vale do Jordão.
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Yoav Alon, The Making of Jordan. Tribes, Colonialism and The Modern State, (2007) p. 3
Nos anos que precederam o estabelecimento do Emirado, assistiu-‐se na região a uma mobilização geral das populações e a um recrudescimento do poder dos sheiks. Este facto determinou o relacionamento britânico-‐transjordânico inicial, com os ingleses a modificar as hierarquias e alianças estabelecidas, através obrigatoriedade de sedentarização, da proibição de investidas, ou raids entre tribos e acabando com o "imposto de protecção" cobrado às populações e a principal fonte de rendimento das tribos, causando uma insatisfação geral. Gradualmente a administração britânica foi definindo o território de cada tribo. No sentido de construir a unidade do vasto mosaico de poderes tribais instituídos, os britânicos apostaram na figura de Abdullah bin Hussein, confiando na hábil herança Hashemita de conseguir estabelecer alianças entre tribos, como verificado na Revolta Árabe. A personalidade de Abdullah, a experiência política que foi adquirindo, mas sobretudo a reputação Hashemita na política árabe do pós-‐guerra e a sua legitimidade como líderes islâmicos, assegurada pela directa descendência do profeta Maomé, contribuíram para que os sheiks o vissem como um forte aliado, marcando uma viragem no relacionamento com os britânicos. A gestão do relacionamento de Abdullah com as tribos e com os britânicos não foi pacífica e levou vários anos a consolidar-‐se. “No fim da década (1930) o governo ainda dependia da boa vontade dos sheiks. Governava através deles e não em vez deles, frequentemente delegando alguma da sua autoridade para manter a lei e ordem, cobrar impostos ou resolver disputas. A liderança tribal mantinha-‐se a principal unidade política e em muitos aspectos, a autonomia tribal mantinha-‐se intacta. A interferência do governo nos assuntos internos era mínima e muitas das suas iniciativas nunca foram implementadas. Logo, estas iniciativas eram vistas apenas como aspirações das autoridades, especialmente nas áreas mais remotas”.15
A década seguinte foi marcada por profundas reformas sociais e políticas. Em grande parte devido ao trabalho de John Glubb, um inspector administrativo responsável por pacificar os conflitos tribais no Iraque, e comissionado na Transjordânia com a mesma missão, a administração britânica consegue controlar a zona desértica e submeter as tribos aí reinantes às regras do governo central. Por outro lado, a crise económica que se instalou na região entre 1929 e 1934, fruto de desastres naturais e de mudanças nos mercados regionais e mundiais, afectou
seriamente a população, enfraquecendo o poder das tribos, que foram obrigadas a mudar a sua atitude face ao governo central.
A segunda Guerra Mundial trouxe prosperidade à Transjordânia com uma procura robusta de mão de obra, quer no exército, na Legião Árabe, como na agricultura, tirando partido de condições meteorológicas favoráveis e de uma reforma agrícola implementada com sucesso pelos britânicos, com o apoio local do Emir Abdullah. Com o governo central a substituir-‐se ao poder tribal, associado ao forte momento económico, a Transjordânia sofreu um franco desenvolvimento traduzido na criação de mais e melhores serviços de saúde e educação, com o respectivo impacto junto das populações, que gradualmente transformam os seus modos de vida, determinando uma forte procura de escolas. O aumento da escolaridade teve um impacto substancial no desenvolvimento político e social do país, contribuindo para a sua transformação em estado moderno.
Na altura do fim do mandato britânico em 1946, as tribos, pese embora perfeitamente integradas no novo sistema político, mantinham um papel indispensável, através dos sheiks que pertenciam agora a uma elite social cultivada e organizada por Abdullah. “ Isto teve o efeito de criar um novo tipo de estrutura política – a que Toby Dodge se refere como ‘estado híbrido’, combinando aspectos modernos de governação de inspiração ocidental, com características de carácter tradicional”.16
Em 1946, na sequência do Tratado de Londres, o país ficou independente do Reino Unido, mudou o nome para Reino Hashemita da Jordânia e o Emir Abdullah tornou-‐se o rei Abdullah I.
2.2 Legado Hashemita, como fio condutor da Jordânia actual
Para entender as ambições e o papel do Emir e posterior Rei Abdullah I na criação do estado da Jordânia, importa analisar as origens da dinastia, a qual como já referido, tem uma ligação directa à família do profeta Maomé, através da sua filha Fátima. São assim, considerados ‘sharifs’ ou seja de ascendência nobre, ou membros da Ahl al-‐Bayt, a casa do profeta e no advento do Islão a sua tribo Quraysh era de