2. A Jordânia no contexto do Médio Oriente
2.2 Legado Hashemita, como fio condutor da Jordânia actual
mudar a sua atitude face ao governo central.
A segunda Guerra Mundial trouxe prosperidade à Transjordânia com uma procura robusta de mão de obra, quer no exército, na Legião Árabe, como na agricultura, tirando partido de condições meteorológicas favoráveis e de uma reforma agrícola implementada com sucesso pelos britânicos, com o apoio local do Emir Abdullah. Com o governo central a substituir-‐se ao poder tribal, associado ao forte momento económico, a Transjordânia sofreu um franco desenvolvimento traduzido na criação de mais e melhores serviços de saúde e educação, com o respectivo impacto junto das populações, que gradualmente transformam os seus modos de vida, determinando uma forte procura de escolas. O aumento da escolaridade teve um impacto substancial no desenvolvimento político e social do país, contribuindo para a sua transformação em estado moderno.
Na altura do fim do mandato britânico em 1946, as tribos, pese embora perfeitamente integradas no novo sistema político, mantinham um papel indispensável, através dos sheiks que pertenciam agora a uma elite social cultivada e organizada por Abdullah. “ Isto teve o efeito de criar um novo tipo de estrutura política – a que Toby Dodge se refere como ‘estado híbrido’, combinando aspectos modernos de governação de inspiração ocidental, com características de carácter tradicional”.16
Em 1946, na sequência do Tratado de Londres, o país ficou independente do Reino Unido, mudou o nome para Reino Hashemita da Jordânia e o Emir Abdullah tornou-‐se o rei Abdullah I.
2.2 Legado Hashemita, como fio condutor da Jordânia actual
Para entender as ambições e o papel do Emir e posterior Rei Abdullah I na criação do estado da Jordânia, importa analisar as origens da dinastia, a qual como já referido, tem uma ligação directa à família do profeta Maomé, através da sua filha Fátima. São assim, considerados ‘sharifs’ ou seja de ascendência nobre, ou membros da Ahl al-‐Bayt, a casa do profeta e no advento do Islão a sua tribo Quraysh era de
Meca, no território do Hijaz. Entre o século X e 1924, a família Hashemita assumiu dezenas de vezes o cargo de Sharif de Meca e Medina, cujas responsabilidades incluíam a organização da peregrinação anual, o fornecimento de bens às cidades santas e a garantia de segurança da passagem das caravanas pelos dois lugares sagrados.
Durante o período otomano o território do Hijaz passou a ser controlado por um ‘waly’ ou governador de província, que rivalizava com os sharifs. Mas no início do século XX, em 1916, o Sharif Hussein de Meca, com o apoio dos seus filhos e dos britânicos, liderou a Revolta Árabe contra o império otomano, contribuindo para a sua queda e em Junho de 1916 Hussein auto-‐proclama-‐se Rei dos Árabes. Contudo, apenas um mês antes, os governos francês e britânico, concluíam o acordo secreto Sykes-‐ Picot. Com a divisão dos territórios anteriormente sob controle otomano, o Sharif Hussein, contrariamente às promessas dos britânicos, apenas ficou com autoridade sob o Hijaz e não sobre o reino árabe como ambicionava. Posteriormente em 1917, a Declaração de Balfour, garante o apoio britânico aos sionistas, para o estabelecimento de um território para receber a população judaica, na Palestina, contendo porém a ressalva “desde que não prejudiquem os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas aí presentes”. Com estes acordos Inglaterra e França dividem grande parte do Médio Oriente na Conferência de São Remo, em 1921, ficando os britânicos com o controle sobre a Palestina e Iraque e os Franceses com a Síria e o Líbano. Em consequência as tropas britânicas retiram-‐se da Síria, dando lugar aos militares franceses que provocam a retirada do filho de Hussein, Faisal de Damasco. Os britânicos resolvem a questão, atribuindo-‐lhe o reino do Iraque.
O segundo filho de Hussein, Abdullah, tendo sofrido uma pesada derrota no Hijaz por parte das tropas de Bin Saud, e seguindo as ambições do pai de criar um império árabe, organiza as suas tropas para opor resistência aos franceses na Síria. De forma a honrar os acordos com os franceses e visando o estabelecimento da paz na região, os britânicos decidem apontar Abdullah como o responsável pelo governo da Transjordânia, região incluída no mandato da Palestina, mas ainda indefinida por via dos compromissos da Declaração de Balfour. Embora com um contrato inicial de seis meses, devido às dúvidas existentes sobre a sua competência, Abdullah acabou por
ficar à frente do destino do que seria a futura Jordânia, gerindo com habilidade o relacionamento entre a estrutura social tribal e o governo central.
Sem desistir das suas ambições de expansão territorial, Abdullah envolve-‐se na questão palestina que se agudizava perante a incapacidade dos britânicos em mediar o relacionamento entre os árabes locais e os judeus que continuavam a chegar, fugindo das crescentes perseguições na Europa. Contudo a interferência não era bem vista pelas comunidades árabes que duvidavam da sua imparcialidade, acusando-‐o de excessiva proximidade aos britânicos, acrescida do desagrado perante rumores de negócios menos claros de Abdullah com os judeus relativos à venda de terras para colonatos no Vale do Jordão. Esta percepção negativa sobre o Emir veio a confirmar-‐se quando a Palestine Royal Commission (comissão de inquérito criada pelos britânicos para investigar a Revolta Árabe na Palestina em 1936) propõe a solução de dois estados, à qual Abdullah se mostra favorável desde o início. A proposta da comissão unia a Transjordânia e a parte árabe da Palestina num mesmo estado árabe, o que de certa forma, ia ao encontro das ambições do Emir. Contudo, esta posição isola-‐o do resto do mundo árabe e cria cisões na própria Transjordânia.
Mesmo com o advento da segunda Guerra Mundial, Abdullah nunca abandonou as suas pretensões de criar um império Hashemita, compreendendo a Síria, Líbano, Palestina, Transjordânia e eventualmente o Iraque, mantendo uma activa participação política a nível internacional. Esteve presente nas discussões para a formação de uma Liga de Estados Árabes, pese embora lhe desagradasse a ideia de uma organização que reconhecesse as divisões dos territórios árabes existentes. A Liga Árabe (LA) foi concretizada em 1945, integrando a Arábia Saudita, Egipto, Iémen, Iraque, Líbano, Síria e Transjordânia, com vários objectivos na agenda, não descurando a oposição à criação de um estado judeu. Face à imagem negativa de Abdullah junto dos seus congéneres árabes a sua posição na Liga Árabe não foi pacífica, facto que terá contribuído para que o Emir suspendesse as suas ambições de expansão e se concentrasse em obter a independência do Império Britânico.
Embora um tratado de “paz perpétua e amizade”, tenha sido assinado em 1946 e a Transjordânia se tenha tornado um reino independente (com a designação de Reino Hashemita da Transjordânia e com a coroação de Abdullah em Maio), os britânicos continuaram a financiar o país e mantiveram a sua presença militar, o que
determinou a relutância de certos países em reconhecer a independência da Transjordânia.
Na mesma altura, a Palestina vivia um aceso confronto decorrente da decisão britânica de limitar a imigração de judeus no pós-‐guerra, com conflitos armados entre guerrilhas judias e as forças britânicas, agravados por desavenças com a população árabe. Em 1947, o recém criado Comité Especial da Palestina das Nações Unidas (UNSCOP) tinha avançado com uma proposta de divisão do território em dois estados um árabe e outro judeu, aceite pela Assembleia Geral. Na votação, os britânicos abstiveram-‐se e anunciaram a decisão de terminar o mandato em Maio de 1948, e os judeus proclamaram a criação do estado de Israel, provocando o agudizar dos conflitos entre estes e os árabes. Às tropas jordanas que já se encontravam na Palestina, juntaram-‐se efectivos da Síria, Líbano, Egipto e Iraque num esforço desconcentrado para defender os habitantes árabes da Palestina. Tirando partido da desorganização das tropas árabes, os israelitas conseguiram defender o seu recém criado território, com excepção do West Bank (Cisjordânia) e a parte Este de Jerusalém, para a Transjordânia e Gaza para o Egipto.
Na sequência da guerra quase um milhão de palestinianos, muitos destes concentrados na Cisjordânia, juntam-‐se ao meio milhão de transjordanos, fazendo triplicar a população e apresentando um enorme desafio à governação de Abdullah I, que não viveria o suficiente para lhe dar resposta, tendo sido assassinado em Julho de 1951. O seu filho Talal ascendeu ao trono, por um curto reinado, deixando porém o legado da criação da primeira Constituição em 1952, do então denominado Reino Hashemita da Jordânia. Devido a problemas de saúde, Talal abdicou do trono a favor do seu filho Hussein em 1953, com a idade de 18 anos. Num país com as relações diplomáticas com o restante mundo árabe deterioradas devido às políticas e ambições de Abdullah I, a subida ao trono de um jovem, não é vista de forma positiva. Hussein, para além de ter de provar as suas capacidades de governação de um país com um número de refugiados muito superior ao da sua população, teve de lidar com as pressões regionais de um Médio Oriente onde emergia o Panarabismo, encabeçado por Gamal Abd al-‐Nasser no Egipto. No espaço de três anos, no decurso dos quais teve de lidar com várias crises, incluindo uma tentativa de golpe de estado, Hussein legitimou as suas capacidades de governação com medidas drásticas que passaram por
impor a saída de Glubb e outros oficiais britânicos que comandavam o exército jordano, fazer várias substituições governamentais e mesmo elaborar várias emendas à Constituição de 52 no sentido de reafirmar a sua autoridade.
Seguindo os passos do seu avô Abdullah, envolve a nova elite política na qual se incluem os altos dignitários tribais e elementos da família Hashemita na governação através de assentos garantidos na Royal Court ou Diwan, um órgão de poder comum nas monarquias. Fortalece igualmente o exército dotando-‐o de chefias competentes recrutadas junto da elite militar.
Um dos maiores desafios ao reinado de Hussein prende-‐se com a decisão de participar na guerra contra Israel. Por um lado havia enormes pressões políticas regionais derivadas dos supostos secretos acordos de Abdullah I com a Agência Israelita no intuito de assumir a liderança da Palestina em troco de concessões territoriais, posição da qual o actual rei queria demarcar-‐se. Por outro lado, internamente sofria a extrema influência da larga comunidade de refugiados palestinianos. Consequentemente, a Jordânia junta-‐se ao Egipto e à Síria na investida militar contra o estado judeu em Junho de 1967. As consequências da Guerra dos Seis Dias foram devastadoras para o Reino que perdeu a Cisjordânia e Jerusalém oriental, e teve de receber uma nova vaga de refugiados palestinianos. Igualmente na sequência da guerra, a OLP transfere-‐se para a Jordânia dando origem à sequência de acontecimentos que marcaram o conflito do Setembro Negro relatado no início deste capítulo. “Em muitos aspectos os eventos de 1970-‐71 transformaram a tarefa de state-‐ building na Jordânia, deram nova forma ao debate sobre a identidade nacional e ainda limitaram as expectativas de um fim breve da autoridade crescente da oligarquia Hashesmita”.17
O restante reinado de Hussein atravessa a guerra Irão-‐Iraque, durante a qual a Jordânia se alia a uma força militar dos Estados Unidos, França e Estados Árabes do Golfo para defender o país vizinho combatendo o que clamavam ser pretensões expansionistas do Irão revolucionário. A guerra de oito anos, com efeitos devastadores, teve contudo o mérito de fortalecer os laços entre a Jordânia e o Iraque, em especial o relacionamento comercial, favorecido pelo acesso directo ao porto de
Aqaba no Mar Vermelho, fundamental para o Iraque uma vez que tinha cortado relações diplomáticas com a Síria, aliada do Irão na guerra.
Pese embora a posição tomada contra a OLP nos anos 70, o rei Hussein teve posteriormente um papel activo na mediação do conflito israelo-‐árabe, pautado por uma forte participação nas negociações de paz entre os dois países, quer directamente, quer através do trabalho efectuado junto das Nações Unidas. Em 1994, a Jordânia assina o Tratado De Paz com o estado judeu, tornando-‐se o segundo país árabe a estabelecer relações diplomáticas com Israel , depois do Egipto. Na altura da sua morte em 1999, o rei Hussein era visto interna e internacionalmente como um estadista experiente e o principal responsável pela modernização da Jordânia. “O compromisso do rei Hussein com a democracia, as liberdades civis e os direitos humanos ajudou a pavimentar o caminho que fez da Jordânia um modelo de estado para a região. O reino é reconhecido internacionalmente como tendo o recorde mais exemplar em termos de direitos humanos do Médio Oriente, enquanto as recentes reformas permitiram à Jordânia retomar o percurso irreversível para a democratização”.18
Em 1999 foi coroado rei da Jordânia Abdullah II, filho mais velho de Hussein, carregando a pesada herança dos seus antecessores pai e avô, os criadores da nação. Na década e meia de governação, Abdullah II tem procurado reafirmar a imagem da Jordânia internacionalmente, mantendo a neutralidade que lhe permite ter um papel activo na mediação do conflito israelo-‐árabe. Por outro lado tem desenvolvido e reforçado relações diplomáticas e comerciais com vários países, tendo sido a primeira nação árabe a assinar um acordo de comércio livre com os Estados Unidos. Internamente, a sua governação tem sido marcada por reformas políticas e económicas que passaram no primeiro ano da sua governação pela privatização de sectores públicos como as águas e as telecomunicações, visando a atracção de investimento estrangeiro, de forma a conduzir o país a uma modernização efectiva e reduzir a dependência de ajuda externa. O sector da educação tem sido uma prioridade para Abdullah II, denotando a sua afirmada aposta na imensa camada jovem da população. A progressiva modernização do estado está patente no
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King Hussein’s Biography, disponível online em: http://www.kinghussein.gov.jo/biography.html (consultado em 16 de Junho de 2014)
envolvimento regular e participação activa da mulher de Abdullah, a palestiniana rainha Rania, essencialmente nas questões das reformas educativas e sociais.
O principal desafio das primeiras décadas de governação da Jordânia era a transformação de uma sociedade nómada e tribal num estado viável e moderno. A família Hashemita, através das figuras de Abdullah e Hussein geriu com eficácia o relacionamento dos sheiks com o aparelho governativo, quer durante o protectorado, quer após a independência, criando os alicerces para a construção de um estado com características modernas, mas preservando os seus valores, tradições e identidade cultural. Desde a independência, a Jordânia tem continuado a ser regida pela dinastia Hashemita no âmbito de uma monarquia constitucional, que tem proporcionado à sua população e à região um clima de moderado desenvolvimento e segurança. Na actualidade conturbada do Médio Oriente e com excepção de manifestações contidas, resolvidas através de algumas cedências e alterações socio-‐políticas, o reino tem escapado incólume à contaminação das revoltas árabes e ao clima de conflito bélico vivido nos países adjacentes (Síria, Iraque, Israel/Palestina e recentemente Egipto), revelando uma equilibrada gestão da política externa e um adequado controlo securitário interno, num território marcado pela grande heterogeneidade geográfica.
2.3 Condicionantes geográficas, o domínio do deserto
O território jordano tem uma área de 91.880 km2 e consiste maioritariamente num planalto com uma altitude que não excede os 1.200 metros, dividido por vales e gargantas. A Este encontra-‐se uma extensa zona árida, parte do Grande Deserto Norte Arábico e a Oeste, o vale do rio Jordão e a depressão do Mar Morto, no centro da falha geológica que se prolonga até ao Golfo de Aqaba e ao Mar Vermelho. Nesta zona a Jordânia possui uma linha de costa de 28 km, que constituí o único acesso marítimo do país, com o porto de Aqaba através do qual entram e saem 65% das importações e 78% das exportações da Jordânia.
A Jordânia ocidental tem um clima temperado, com características mediterrânicas, constituído por Verões quentes e secos, Invernos húmidos e frios e duas estações intermédias, contudo cerca de 75% do país apresenta um clima