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Hierarquização de objectivos e valores na relação com os alunos – sentidos construídos individual e colectivamente

CAPÍTULO III – O Processo Formativo: Apresentação e Discussão de Resultados

Sessão 13 – Desenvolvimento moral dos alunos e finalização da formação

2. Apresentação e análise das perspectivas dos actores acerca do processo formativo

2.4. Hierarquização de objectivos e valores na relação com os alunos – sentidos construídos individual e colectivamente

Para a identificação de eventuais mudanças nos objectivos e valores na relação com as crianças serão objecto de estudo as reflexões/avaliações das formandas e as reflexões da formadora em relação aos “muros” individuais de objectivos e valores na relação com as crianças, actividade realizada na 2.ª e última sessões.

Antes de mais importa explicar brevemente em que consistiu esta actividade, inspirada na actividade “The Wall” descrita por Korthagen et al. (2001). Assim, a cada formanda foram entregues seis tiras de papel em branco para escreverem os seis valores que consideravam mais importantes na relação com as crianças e seis tiras de papel, duas das quais em branco e cada uma das outras quatro com um objectivo educacional retirado da LBSE. Na hierarquização dos objectivos e valores individuais mais

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importantes na relação com as crianças, as formandas podiam usar todas as tiras de papel de objectivos e valores ou apenas algumas, sendo que as duas tiras em branco serviam para, se quisessem, escreverem outros objectivos para si importantes. A hierarquização era feita de baixo para cima, isto é, na base, objectivos e valores mais importantes.

Análise das reflexões/avaliação das formandas

No final da sessão, as educadoras teceram reflexões avaliativas escritas individuais nas quais salientam:

 Em termos das hierarquizações individuais propriamente ditas, as formandas focaram não apenas sob a forma escrita, mas também oral, a importância da explicitação de aspectos que normalmente permanecem implícitos, isto é, ao realizarem esta actividade tomaram maior consciência e verbalizaram os objectivos e valores que para si são mais importantes na relação com as crianças. De registar que poucas formandas alteraram o objectivo considerado como o mais importante na primeira vez que realizaram a actividade.

A dimensão colaborativa foi a dimensão processual mais referida pelas formandas em relação às duas sessões em que se realizou esta actividade. Esta dimensão de colaboração é assinalada por referência à partilha de experiências, de valores, de conhecimentos e informações “a partilha de experiências e o encontro com os princípios e realidades individuais”; “a partilha das experiências de cada colega que está directamente relacionada com as vivências do seu local de trabalho”, “a partilha de valores individuais foi muito importante para mim”; “a explicação dessa hierarquia”. Com efeito, aprender sobre o ensino é uma actividade colaborativa e a formação de professores é melhor conduzida em pequenos grupos e redes com partilha e discussão de ideias e experiências (Korthagen, 2001).

Associada à dimensão colaborativa está, pois, a dimensão reflexiva sobre a acção de “reflectir sobre a minha prática pedagógica e formas de actuar”. Também na discussão oral realizada na última sessão em torno desta actividade foi pelas formandas evidenciada a forte dimensão de reflexão. Uma reflexão que é prática e ética e que se prevê vir a prolongar-se para fora do tempo da formação, apontando assim para efeitos da formação em termos de desenvolvimento de competências reflexivas e para mudanças do conhecimento daí decorrentes. Reflexão e conhecimento de si próprio,

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dos seus valores e da forma como estes se organizam hierarquicamente “vou reflectir sobre a minha hierarquia de valores e objectivos”; “o facto dos objectivos/valores terem a ver com a realidade de cada um fica para minha reflexão”. Reflexão e conhecimento sobre o modo como os valores se operacionalizam nas situações concretas: “para reflexão a forma de operacionalizar os valores na relação com adultos/crianças”. Conhecimento e reflexão em torno das semelhanças e diferenças de hierarquias, e suas causas, entre as diversas educadoras “Que existe uma certa uniformidade na forma como nós, educadoras, pensamos. Apesar da hierarquia de objectivos e valores serem diferentes. Estas pequenas diferenças talvez se devam ao facto das suas vivências pessoais e sociais serem diferentes”; “pude constatar que de maneiras diferentes passamos todas pelos mesmos problemas/dilemas na nossa vida profissional”. Conhecimento que é, para alguns, uma forma de comprometimento mais interiorizado numa convicção; “foi observar e ver que não nos podemos afastar da nossa realidade do dia-a-dia”. Para outros, assinala-se um comprometimento com a própria reflexão “que existe necessidade de reflectir sobre o tema”; “reflexão sobre temas que estão à superfície mas que precisam de ser relembrados”; “fica-me a importância de explicitarmos os valores”.

No que respeita aos conteúdos referidos nestas reflexões predominam, pois, os conteúdos éticos (valores, suas hierarquias e operacionalizações) e os conteúdos práticos (“formas de actuar”e objectivos). Os conteúdos contextuais, relativos à realidade do dia-a-dia, aos adultos e crianças, e os conteúdos pessoais (vivências pessoais) são entendidos como fonte de diferenciação de valores, suas hierarquias e operacionalizações (“o facto dos objectivos/valores terem a ver com a realidade de cada um”, parecendo estar subjacente uma ética contextual a este tipo de reflexões.

Reflexões da formadora a partir da observação participante das sessões

O exercício de explicitação nas duas sessões de formação referidas de objectivos e valores da relação com as crianças que normalmente estão implícitos, possibilitou um melhor conhecimento de si próprias e o aprofundamento da reflexão sobre a acção, pois a pessoa não pode colocar um tijolo no topo de outro sem manifestar certas ideias sobre os vários objectivos e valores (Korthagen, 2001).

A partilha oral das organizações hierárquicas individuais permitiu a reflexão conjunta sobre as diferentes hierarquizações e, por sua vez, o questionamento e compreensão das

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razões subjacentes às diferentes opções de organização tomadas, a partilha dos pontos de vista, associados às experiências de cada uma das formandas no contexto em que trabalha.

É de destacar a forte relação com a prática que surgiu na 2.ª sessão, no momento da discussão quando as formandas enunciaram algumas situações dilemáticas/problemáticas, como sendo, por exemplo, a descontinuidade que consideram existir entre o seu trabalho enquanto educadoras morais das crianças e o dos professores do 1.º ciclo afirmando que muito dos valores/princípios que tentam incutir nas crianças acabam por perder-se quando estas vão para o 1.º ciclo. Afirmaram que a articulação com o 1.º ciclo é tanto mais importante quanto facilita uma melhor interiorização dos valores veiculados no pré-escolar permitindo, assim, um trabalho contínuo e de desenvolvimento pessoal dos alunos. Além disso, a importância desta articulação é explicitamente referida no Regulamento Interno do agrupamento, o que faz dela não só uma intenção, mas um dever dos educadores e professores.

O aumento do conhecimento de si próprias dado pela organização e formalização dos objectivos e valores individuais potenciou, nas duas sessões, a reflexão sobre a acção e sobre as diferentes realidades específicas de cada jardim-de-infância entre o grupo de formação, para além de ter permitido uma reflexão sobre os conceitos de conduta ética, do papel do educador enquanto educador moral e de conceitos éticos gerais.

Na 2.ª sessão, primeira em que se realizou o muro de objectivos e valores na relação com os alunos, tomou-se nota dos objectivos considerados mais importantes por cada uma das formandas e, embora nem todas tenham colocado o mesmo objectivo em primeiro lugar, a maioria considera que o mais importante é contribuir para a estabilidade e segurança afectiva da criança, o que nos pode indicar a presença de uma mesma “cultura” escolar do agrupamento, o que é confirmado pela permanência deste objectivo na base da hierarquia, na opinião da grande maioria das formandas e vai ao encontro de algumas finalidades/funções, nomeadamente, as de contribuir para a felicidade e bem-estar das crianças, referidas nas entrevistas semi-directivas realizadas a quatro educadoras que posteriormente integraram este grupo de formação.

Os valores identificados como sendo os fundamentais na relação com as crianças foram apontados no quadro, o que nos permitiu uma melhor compreensão da dificuldade, também verbalizada pelas formandas, em nomear e hierarquizar os valores que estão na base da sua relação com as crianças.

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Na última sessão de formação, sessão em que se realizou esta actividade pela segunda vez mobilizou-se sobretudo uma aprendizagem em termos de competências reflexivas e colaborativas e o desenvolvimento de um conhecimento sobre si próprio em termos éticos – no sentido da explicitação e formalização de um conhecimento tácito, de uma organização conceptual desse conhecimento, de uma compreensão do papel dessas dimensões éticas nas situações práticas.

Pensamos poder afirmar que as mudanças ocorridas da primeira vez em que realizaram esta actividade (no início da formação) para a última (final da formação), houve mudanças na medida em que no final as formandas já revelara maior disponibilidade para a concretização da actividade, pelo maior conhecimento que tinham do tema e pelas discussões e trabalhos que foram desenvolvendo ao longo da formação. Não foi, no entanto, menos morosa a hierarquização, precisamente, pela dificuldade de escolher o que consideram mais importante pois, na sua opinião, todos os objectivos e, principalmente, os valores são importantes.

Apreciação global das sessões dedicadas à construção dos “muros” de objectivos e valores na relação com os alunos

Nas sessões em torno da análise dos objectivos e valores da relação com as crianças e respectivas hierarquias, como seria de esperar, os conhecimentos construídos foram sobretudo de ordem pessoal – em termos de auto-conhecimento – um conhecimento onde o tácito se formaliza e organiza, mas também um conhecimento promotor de um aprofundamento e desenvolvimento da reflexão sobre a acção, sobre os contextos da acção e sobre a própria reflexão.

Pensamos poder afirmar a presença de uma “cultura” escolar do grupo de formação, dada a recorrência do objectivo “contribuir para a estabilidade e segurança afectiva da criança”. Além disso, a existência do que pensamos poder chamar de “cultura” escolar é também veiculada no Regulamento Interno do agrupamento, que apela à articulação entre os diferentes níveis de ensino.

Notam-se, no entanto, diferenças decorrentes das especificidades dos contextos em que trabalham as educadoras, algumas delas em aldeias isoladas, em jardins-de-infância de lugar único em que se trabalha com famílias desestruturadas e com carências a níveis vários. Para uma destas educadoras, o objectivo de “fomentar a integração da criança em grupos sociais diversos, complementares da família, tendo em vista o

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desenvolvimento da sociabilidade” é o mais importante pois, na aldeia m que trabalha co-habitam famílias de diferentes etnias e origens sociais, famílias entre as quais nem sempre se estabelecem boas relações e em que a falta de aceitação do outro é uma constante e que, por isso, vivem muito fechadas em si mesmas.

É importante referir ainda que, questionadas sobre o que sentiram ao realizar a mesma actividade no final da formação, as formandas apenas se referem a mudanças ao nível do pensamento, afirmando que a formação as tornou mais conscientes do seu papel de educadoras morais das crianças e que, por isso, atribuíram mais sentido a esta actividade no final da formação, dedicaram-lhe mais tempo e reflectiram mais criticamente sobre os objectivos e valores que estão na base da sua relação com as crianças.

Tratando-se o grupo de formação de um grupo de educadoras de infância que considera na sua grande maioria a contribuição para a estabilidade e a segurança afectiva da criança como objectivo primeiro, não é de estranhar que a afectividade seja um dos valores mais colocados na base das hierarquias, logo depois do respeito.