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3 LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS SOBRE ORDENAMENTO TERRITORIAL MUNICIPAL

3.1 PANORAMA GERAL DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO DE

3.1.1 Histórico do Desenvolvimento do Federalismo Brasileiro

O sistema federativo brasileiro é fruto da descentralização do estado unitário que caracterizava o período imperial, ainda que o modelo federal adotado tenha inspiração na matriz norte-americana, em que ocorreu o processo inverso (ALMEIDA, 2007). Entretanto, não podemos entender o sistema federal de forma estática154, pois no Brasil, desde sua independência, sofreu várias modificações no seu sistema federativo.

Na Constituição de 1891 prevaleceu o modelo de competências enumeradas da União, sendo todas as demais competências do Estado, o que tornava o poder desses entes bem mais amplo que o atual, sobretudo “no tocante à faculdade de auto-organização, a adoção de soluções diferenciadas nas Constituições dos Estados, e até mesmo quanto ao esquema da separação de poderes” (ALMEIDA, 2007, p. 27). Esse período também é marcado pela competência local para tributar as exportações (CAMARGO, 2004).

Todavia, a concentração de competências nas mãos dos Estados não persiste, uma vez que a partir de 1934 o Brasil passa a adotar o federalismo

152“Competência é a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade ou a um órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções” (SILVA, 2003, p. 477). 153 Não analisaremos as disposições sobre a Constituição do Estado do Pará, pois as mesmas não

podem alterar essa matéria, devendo, em razão do princípio do paralelismo, guardar fidelidade ao texto da Constituição da República.

154 Conforme destaca Torres (2001) o sistema federal na sua relação da União e Estados está assentado em uma intrínseca “síntese dialética”, entre forças centralizadoras e descentralizadoras, fortemente influenciados por fatores extrajurídicos, como a cultura, economia, etc., variando de país para país, e mesmo no tempo, pois a realidade é dinâmica, podendo, portanto, os arranjos federativos sofrer modificações para se adequar às novas demandas sociais.

cooperativo155, como forma de minimizar diferenças regionais, centralizando poderes nas mãos da União para tal finalidade. Outras duas grandes diferenças neste arranjo federativo são: a) os poderes dos Estados também serão limitados em razão da autonomia dos Municípios e; b) assuntos que não sofriam qualquer tipo de intervenção estatal, como relações comerciais, passam a sofrer tutela da União. Nesse período “[o] poder central passou a ser o indutor do desenvolvimento e o único executor das políticas econômicas”. (CAMARGO, 2004, p.194), possuindo essa nova função do Estado impacto na competência para fins de tributar e conceder incentivos.

Conforme destaca Almeida (2007) essa intervenção do poder central não se deu de forma abrupta, mas paulatina. No entanto, é a partir de 1934 que esse processo é acentuado, o que vai apenas sendo incrementado nas constituições seguintes. O auge desse processo de centralização, que também de deu na esfera econômica tornando ainda os Estados mais dependentes da União Federal, ocorreu na ordem constitucional de 1967.

Expõe Camargo (2004) que o regime militar implantado no Brasil pode ser dividido em dois períodos no que tange essa centralização financeira. Na primeira fase prevaleceu o centralismo quase absoluto nas mãos do governo federal. Em razão das reformas institucionais operadas no período, houve uma concentração significativa dos recursos tributários nas mãos da União, culminando com a deterioração das finanças dos demais entes federados. A segunda fase é marcada pelo esgotamento do modelo econômico de financiamento por meio da arrecadação de tributos e financiamento do setor privado. Essa desarticulação dá inicio a um processo de descentralização.

Esse cenário deixado com a derrubada do regime militar no país é que se tenta modificar na Constituição de 1988, sobretudo no que se refere às repartições de competências. O processo não resultou uma solução totalmente inovadora156,

155 O federalismo cooperativo, segundo Morbidelli (1999, p. 60-61), pode ser definido como “um conjunto de técnicas e instrumentos para a efetivação de acordos, que não alteram necessariamente a repartição constitucional de competências, mas ampliam, na prática política, a gestão comum, a autonomia e a interdependência entre os governos federal e regional”.

156 A Constituição Federal como responsável pela repartição de competências, que demarca os domínios da federação e dos Estados-Membros, imprimirá ao modelo federal que ela concebeu ou a tendência centralizadora, que advirá da amplitude dos poderes da União, ou a tendência descentralizadora, que decorrerá da atribuição de maiores competências aos Estados-membros. Por isso a repartição de competências é encarada como a “chave da estrutura do poder federal”, “o elemento essencial da construção federal”, a “grande questão do federalismo”, o “problema típico do estado federal” (HORTA, 1995, p. 308).

mas apresentou seguiu a tendência de experiências de federalismo contemporâneo (ALMEIDA, 2007).

A Constituição de 1988 possui complexo sistema de repartição de competências concorrentes, abrindo-se espaço para a participação das ordens parciais na esfera de competências próprias da ordem central mediante delegação. Além dessa hipótese, cada ente federativo foi contemplado com competências próprias.

Sob esta nova perspectiva, que visa uma maior descentralização, pautada no “federalismo do equilíbrio”, se busca que o desenvolvimento das atividades federais não iniba o exercício dos poderes dos Estados, sobretudo no âmbito do poder de legislar. Para tanto, há neste novo modelo a expansão de competências comuns, em que cabe à União editar normas de caráter geral, não exaustivas, permitindo aos Estados adaptá-los as suas necessidades (HORTA, 1995, p. 314). Em verdade, no federalismo de equilíbrio, também denominado cooperativo157, a descentralização na repartição constitucional de competências é uma de suas principais características.

Com o advento do federalismo cooperativo, aprimorou-se, ao lado tradicional técnica da competência exclusiva e dos poderes reservados, a técnica da competência concorrente, cujas matérias listadas podem ser reguladas tanto pela União, como pelos Estados-membros. Acenava-se, assim, uma importante descentralização legislativa nos limites do Estado Federal, propiciando uma melhor regulamentação dos interesses regionais e a observância das particularidades de cada ente. Esse novo federalismo (new federalism), que implica em um exercício coordenado de poderes entre o ente central e os regionais, produz, uma realidade, uma interdependência política entre as esferas de poder, mas não se converte, porém a princípio, em uma supressão do sistema federal ou em uma variante do sistema unitário descentralizado, como querem muitos, senão que reflete uma nova etapa de desenvolvimento dos sistemas federais, como forma específica do estado moderno (TORRES, 2001, p. 229-230).

Este modelo de repartição de competências instaurado no país visa uma “organização estatal integrada”, um verdadeiro condomínio legislativo, para a

157Segundo Dias (2005, p. 213) “por meio do federalismo cooperativo, a União, os Estados-membros e os Municípios assumem, em benefício dos cidadãos, a realização de tarefas e objetivos por meio da distribuição de atribuições, sendo imprescindíveis a cooperação e a coordenação de atividades para a realização dos objetivos e interesses nacionais. Nesse sentido, não existe hierarquia e sim, coordenação entre as entidades federativas e entre suas normas, que, de forma alguma, podem colidir, pois o sistema constitucional deve ser um sistema harmonizado em função da repartição constitucional de competências. A coordenação entre políticas nacional, estaduais e municipais é necessária para uma racional e coerente administração de assuntos públicos, nas diferentes esferas de poder, que, apesar de independentes, são interdependentes na realização de objetivos comuns”.

solução de intricadas questões de ordem econômica, social, ambiental, etc., em que relações hierárquicas entre entes federados, cada vez mais, dão lugar a arranjos pautados na colaboração e solidariedade não apenas entre entes federados, mas até entre estados-nação (TORRES, 2001).

Vale mencionar que o federalismo cooperativo não se restringe à repartição de competências legislativas, mas também executivas que dependem da arrecadação e de repasses orçamentários que permitam que os entes federados possam ser efetivamente autônomos.

A questão da atividade financeira no Estado158, que viabiliza a execução das políticas setoriais e do próprio planejamento estatal, na Constituição de 1988 é fortemente marcada pelo ideário da descentralização e fortalecimento das estruturas regionais, e tem como efeito:

uma forte elevação das transferências de impostos federais em favor das entidades subnacionais, tanto no que se refere à transferência de fundos de participação como quanto à própria competência tributária desses entes. (CAMARGO, 2004, p. 196).

Conforme explica Conti (2001, p. 32-33.):

[a] forma ideal de distribuição de recursos está íntima e indissociavelmente ligada à maneira pela qual se faz a repartição de competências no Estado Federal [...] A complexidade na distribuição de recursos acompanha esta complexidade na formação do Estado, haja visto que [o mesmo] guarda estreito vínculo com a distribuição das atribuições que compõem o Estado.

Ao analisar o ordenamento jurídico brasileiro o referido autor explica que o sistema de repartição de receitas prevista na Constituição de 1988 é de natureza mista, em que existem tributos exclusivos para cada uma das esferas de governo, e dois tipos de participação na arrecadação: direta e indireta.

Quanto à competência exclusiva dos entes federados para tributar, à União foi atribuída a competência para instituir impostos sobre importação, exportação, renda, produtos industrializados, operações financeiras e propriedade territorial rural e sobre grandes fortunas, bem como impostos extraordinários e a possibilidade de instituir outros ainda não previstos na Constituição (arts. 153 e 154, II e III).

Os Estados e o Distrito Federal têm competência para instituir impostos

158 O termo pode ser definido como “o conjunto de atividades relacionada à arrecadação, gerência e dispêndio de recursos públicos” (CONTI, 2001, p. 3)

sobre transmissão causa mortis e doação, sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços de transporte e comunicação e sobre a propriedade de veículos automotores (art. 155). Já os Municípios podem instituir impostos que incidam sobre a propriedade predial e territorial urbana, a transmissão inter vivos e serviços de qualquer natureza (art. 156). Todas as esferas de governo têm competência comum para instituir taxas e contribuições de melhoria (art. 145, II e III). A participação nos resultados da arrecadação vem regulada no art. 157 e 158 da Constituição, sendo que o primeiro dispositivo versa sobre a participação direta dos Estados e Distrito Federal na arrecadação da União e no segundo trata da participação direta dos municípios nas arrecadações da União e dos Estados. A participação indireta está prevista na Constituição através da criação de fundos159, sendo prevista a necessidade de elaboração de lei complementar sobre o seu funcionamento (art. 165, §9º), o que não ocorreu até o presente momento.

O modelo de Federalismo fiscal160 contido na Constituição de 1988, segundo Camargo (2004), possui algumas distorções: a) Estados e Municípios criados a partir de 1988 estão localizados nas regiões mais pobres do país, o que causa enormes distorções na alocação de recursos, eis que essas entidades não possuem receitas próprias suficientes para suas necessidades, dependendo de transferências intergovernamentais para sua manutenção; b) não há uma atribuição clara de competências de cada ente federado, o que gera um processo descentralizado e desorganizados de encargos, sem que haja o respectivo recurso público para o seu custeio, criando-se uma disparidade entre as demandas e ofertas de serviços públicos; c) o país é marcado por extrema desigualdade regional e para revertê-las a Constituição criou um sistema de desconcentração de receitas tributárias, por meio da distribuição privilegiada de recursos às regiões menos desenvolvidas, o que gera uma independência desses entes em relação às receitas tributárias próprias; d) a redistribuição do poder político entre os Estados, a fragilidade partidária, e a própria sistemática de eleições proporcionais para o Poder legislativo expõem as entidades

159 Atualmente, há vários fundos previstos no texto constitucional e legislação ordinária, dentre os quais podemos citar o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal, o Fundo de participação dos Municípios, os Fundos Constitucionais de financiamento do norte, nordeste e centro-oeste, Fundo de Saúde, dentre outros.

160 Define Conti (2001, p. 24-25) federalismo fiscal como “o estudo da maneira pela qual as esferas de governo se relacionam do ponto de vista financeiro que [...] engloba a análise da maneira pela qual está organizado o Estado, qual é o tipo de federação adotado, qual o grau de autonomia de seus membros, as incumbências que lhes são atribuídas, e fundamentalmente, a forma pela qual serão financiadas”.

subnacionais a conflitos regionais pela defesa de seus interesses; e) houve uma longa prática institucional de descontrole sobre as finanças públicas que apenas recentemente foi alterada com a consolidação da dívida interna de entidades subnacionais pela União e pelo advento da lei de responsabilidade fiscal, o que deu início à necessidade de planejar os investimentos e renúncias para não comprometer as finanças públicas; e f) há uma tendência da reversão da descentralização de receitas com o aumento da participação da União na carga tributária total por meio da criação de contribuições sociais que não são objeto de repasse aos Estados e Municípios.

As distorções acima identificadas acirram as disparidades regionais com a guerra fiscal. Conforme destaca Camargo (2004) a competição dos Estados e Municípios por investimentos privados traz uma série de efeitos e consequências econômicas, políticas e socais, pois essas condutas implicam em um jogo não cooperativo, em que há um ganho individual do ente que recebe o investimento, mas uma perda global no plano nacional. Nesse sentido, é preciso encontrar mecanismos capazes de equilibrar os interesses de cada ente e os da nação.

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