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2 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA EM PROJETOS DE ORDENAMENTO TERRITORIAL: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO DA

2.4 NOVAS TENDÊNCIAS NO PLANEJAMENTO NACIONAL BRASILEIRO

2.4.1 O Plano Plurianual

O Plano Plurianual (PPA) é o mais antigo instrumento de planejamento estatal integrado ao orçamento. Criado pela nova ordem democrática através do art. 165 e regulamentado pelo Decreto n. 2829, de 19 de outubro de 1998, o PPA possui um papel central na organização da ação do Estado (PAULO, 2010), uma vez que deverá fundamentar a elaboração dos demais documentos de planejamento e orçamento às suas disposições (BRASIL. CF/1988, art. 164, §4º c/c art. 166).

Conforme destaca Paulo (2010, p. 172-173):

a] introdução de um plano de médio prazo como parte de uma política orçamentária denota a intenção clara do legislador constituinte em proporcionar maior racionalidade à ação estatal de forma a impulsionar o desenvolvimento, o que se daria por dois movimentos simultâneos: [a)] o estabelecimento dos gastos governamentais a partir de uma visão de futuro e de estratégias definidas, submetidas à aprovação do Congresso Nacional com força normativa [e; b)] [...] estabelecer a ligação entre objetivos indicativos de Estado, presentes em um planejamento de longo prazo, políticas de governo, de médio prazo, e, finalmente, realização dos gastos, previstos pelo orçamento anual.

O PPA é um plano de médio-prazo, que estabelece diretrizes, objetivos e metas de forma regionalizada a serem seguidas pelo Governo Federal, Estadual e Municipal ao longo do período de quatro anos para despesas de capital e outras delas decorrentes (BRASIL. CF/1988, art. 165, § 1º). Esse deve também englobar planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição (BRASIL. CF/1988, art. 165, § 4º).

Ante o exposto é possível constatar que o PPA é um instrumento de planejamento estratégico para além do mandato presidencial, uma vez que o cumprimento das metas estabelecidas deve ser avaliado pelo Poder Legislativo (PAULO, 2010).

Esse instrumento deve ser elaborado por cada ente federado, não havendo vinculação entre os PPA nacional, estadual e municipal, mas devem ser observadas

as normas gerais estabelecidas pela União para a elaboração dos respectivos instrumentos (BRASIL. Decreto n. 2.829/1998, art. 3º, parágrafo único). No entanto, a elaboração dos programas federais deve buscar integrar os PPA federal, estaduais e municipais, adotando a descentralização sempre que possível e também parcerias com a iniciativa privada (BRASIL. Decreto n. 2.829/1998, art. 8º).

O PPA é elaborado em etapas interdependentes. A primeira fase corresponde a elaboração de orientações estratégicas de governo (OEG) que tem por finalidade nortear a formulação de políticas públicas e programas do PPA em cada ministério (BRASIL. Decreto 2.829/1998, art. 1º).

A segunda fase é feita por cada ministério, que deve elaborar suas orientações estratégicas (OEM), que deverão estabelecer objetivos setoriais e as políticas que permitirão sua viabilização.

A terceira etapa é a formulação de ações concretas96, organizadas por programas97. Os órgãos setoriais definirão seus programas a partir das OEM.

A fase final consiste em consolidar o PPA, cuja responsabilidade é do Ministério do Planejamento e encaminhar o projeto de lei do plano plurianual, em conjunto com o projeto de lei orçamentária ao Congresso Nacional até 31 de agosto para que seja colocado em pauta e votado (BRASIL. CF/1988, art. 116, §6º).

No que se refere à estrutura do PPA esse é dividido em planos de ações98,

96 As ações são o instrumento de programação que contribuem para atender ao objetivo de um programa, podendo ser orçamentárias ou não orçamentárias, sendo as ações orçamentárias classificadas, conforme a sua natureza, em: a) Projeto: instrumento de programação para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações, limitadas no tempo, das quais resulta um produto que concorre para a expansão ou aperfeiçoamento da ação de governo; b) Atividade: instrumento de programação para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações que se realizam de modo contínuo e permanente, das quais resulta um produto necessário à manutenção da ação de governo; c) Operação Especial: despesas que não contribuem para a manutenção, expansão ou aperfeiçoamento das ações do governo federal, das quais não resulta um produto, e não gera contraprestação direta sob a forma de bens ou serviços. As ações não orçamentárias são aquelas cujos recursos não integram o Orçamento Geral da União. Desta forma, compõem-se de recursos oriundos de setor privado, das agências oficias de crédito, do terceiro setor, dos incentivos fiscais, dos fundos constitucionais de financiamento regional, dos fundos administrados pelo Governo Federal e dos dispêndios correntes das empresas estatais, bem como de parcerias e contrapartidas de Estados e Municípios.

97 Os Programas são os instrumentos de organização que articulam um conjunto de ações suficientes para enfrentar um problema ou aproveitar uma oportunidade, devendo seu desempenho ser passível de aferição por indicadores coerentes com o objetivo estabelecido, sendo classificados como: a) Programas Finalísticos: pela sua implementação são ofertados bens e serviços diretamente à sociedade e são gerados resultados passíveis de aferição por indicadores; e b) Programas de Apoio às Políticas Públicas e Áreas Especiais: aqueles voltados para a oferta de serviços ao Estado, para a gestão de políticas e para o apoio administrativo.

98 Para cada um desses planos será designado uma unidade responsável competente, mesmo que durante sua execução várias unidades do Poder Público estejam envolvidas (BRASIL. Decreto n. 2.829/1998, art. 4º). Da mesma forma, para cada ação será designado um gerente especifico.

que deverão indicar: a) objetivo. b) indicação do órgão do governo responsável pela execução do projeto; c) valor; d) prazo de conclusão; f) fontes de financiamento; g) situação que o plano visa alterar; e h) necessidade de bens e serviços para a correta efetivação do previsto.

Do ponto de vista formal o PPA é uma lei de validade quadrienal, sujeita à prazos e ritos diferenciados. O PPA será apreciado pelas duas Casas do Congresso Nacional e aprovado por meio de lei complementar (BRASIL. CF/1988, art. 166, caput).

Essa lei tem vigência a partir do segundo ano do mandato presidencial até o final do primeiro ano do mandato seguinte (art. 35 ADCT). Assim, o Governo deve planejar todas as suas ações e seu orçamento de modo a não ferir as diretrizes do PPA vigente. Cabe observar que alguns projetos do PPA podem ser priorizados para fins de implementação, mesmo que todos os projetos incluídos no PPA devam ser relevantes para o desenvolvimento socioeconômico do país.

Portanto, o PPA visa melhorar o desempenho da gestão da administração pública, evitar a descontinuidade administrativa e contribuir para a consecução das prioridades de governo (BRASIL. Decreto n. 2.829/1998, art. 3º). Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade (BRASIL. CF/1988, art. 167, § 1º).

O monitoramento do cumprimento do plano é feito anualmente, devendo não apenas apresentar a situação atual dos programas, mas também sugestões para evitar o desperdício de dinheiro público em ações não significativas (BRASIL. Decreto n. 2.829/1998, art. 5º). Essa avaliação é a base para a elaboração do orçamento anual (BRASIL. Decreto n. 2.829/1998, art. 10).

O Brasil já possui um histórico na elaboração de PPA99. O primeiro, denominado Brasil em Ação (1996-1999) buscava garantir a estabilidade econômica conquistada com o Plano Real e remover obstáculos para a retomada do crescimento.

Em seguida foi lançado o Avança Brasil (2000-2003), considerado um marco da organização estatal, sendo utilizado como parâmetros para todos os PPA

99 Cumpre esclarecer que o primeiro PPA elaborado após a Constituição de 1988 ocorreu no período de 1991-1995. No entanto, o instrumento foi considerado apenas um exercício, sem força normativa vinculante. Foi encaminhado ao Congresso e aprovado apenas para cumprimento da determinação constitucional (PAULO, 2010).

subsequentes, pois as ações passam a ser agrupadas em razão da contribuição para um objetivo comum, pois deve ser uma intervenção necessária para a superação de uma causa determinada de certo problema e não apenas como cumprimento de uma atribuição institucional (PAULO, 2010).

O PPA Brasil de Todos (2004-2007) consolidou a metodologia lançada no plano anterior e inseriu a participação social na elaboração e gestão do plano.

O PPA Desenvolvimento com Inclusão Social e Educação de Qualidade (2008-2011) promoveu mudanças pontuais em aspectos ligados à gestão do plano, dentre as quais devem ser destacadas a valorização da avaliação da dimensão estratégica do plano.

Para a elaboração do referido PPA foi realizado estudo minucioso100 de suas implicações territoriais pelo Ministério de Planejamento e Gestão, apresentando sete grandes diretrizes: 1) superação das desigualdades sociais e regionais; 2) fortalecimento da unidade (coesão) social e territorial; 3) promoção do potencial de desenvolvimento das regiões; 4) valorização da inovação e da diversidade cultural da população brasileira; 5) promoção do uso sustentável dos recursos naturais encontrados no território brasileiro; 6) apoio à integração sul-americana; e 7) apoio à inserção competitiva e autônoma do país no mundo globalizado (PAULO, 2010).

Também, a partir desse estudo o planejamento deveria obedecer a uma nova proposta de regionalização, dividida em três escalas. A primeira divide o país em seis grandes zonas: a) urbanizada e desenvolvida (centro-sul), b) urbanizada e menos desenvolvida (litoral de Vitória a Belém), c) bioma amazônico; d) fronteira agropecuária dinâmica e em processo de urbanização moderna (cerrados ocidentais); e) duas áreas de área de menor desenvolvimento (cerrados orientais e semiárido).

100 O Estudo sobre os impactos territoriais do PPA foi metodologicamente estruturado em módulos compreendendo um conjunto de etapas: a) módulo 1, que estabeleceu conceitos e alinhavou as metodologias utilizadas; b) módulo 2, que construiu uma visão estratégica para o território até 2027 com o objetivo de identificar áreas emergentes e potenciais com viés tecnológico e de inovação; c) módulo 3, objetivou construir uma regionalização de referência em nível macrorregional e sub-regional para subsidiar a escolha e localização de projetos que integrariam o plano plurianual; d) módulo 4, que realizou análises prospectivas de acordo com temas setoriais: transporte, energia, comunicações, infraestrutura hídrica, saneamento, habitação, educação, saúde, ciência e tecnologia; e) módulos 5 e 6, que trataram da carteira de investimentos e dos impactos regionais, prevendo um conjunto de iniciativas estratégicas para setores e temas, organizados por regiões de referência, com o objetivo de estabelecer carteiras alternativas de investimentos; e f) módulo 7, que compreende a sustentabilidade da carteira de investimentos por região, através de uma avaliação antecipada dos impactos dos investimentos propostos no meio ambiente (CARGNIN et al., 2010).

A segunda divide o país em onze macrorregiões polarizadas, incluído em cada macrorregião o respectivo polo e a região complementar, indicando a atual estrutura de comando sobre o território brasileiro.

Por fim, uma sub-regionalização, com 118 sub-regiões, permitindo um ajuste mais fino entre os indicadores econômicos e sociais, de polarização e a compatibilização com as características ambientais e de identidade cultural. Foram ainda avaliados os pontos positivos e as debilidades dos estudos dos Eixos de Integração Nacional e a forma como repercutiram na elaboração dos PPA anteriores.

As propostas de regionalização utilizaram a territorialidade como elemento de materialização de um projeto de desenvolvimento nacional e de promoção do desenvolvimento local a partir de uma visão endógena, destacando o papel público de mediação e pactuação materializado em múltiplas escalas (CARGNIN et al., 2010).

Todavia, apesar dos extensos estudos realizados para a elaboração do PPA 2008-2011 a Presidência da República ignorou o diagnóstico desenvolvido no âmbito do Ministério do Planejamento e lançou uma série de planos em paralelo, como é o caso do Programa de Aceleração do Crescimento, escolhendo assim, o governo outra via de comunicar suas prioridades e metas, utilizando o PPA como mero instrumento burocrático, uma vez que todas as iniciativas propostas fora do diagnóstico tiveram de ser incluídas no PPA para serem levadas a efeito (PAULO, 2010).

Atualmente está em execução o PPA Brasil sem Miséria101 (2012-2015), o que não nos permite avaliar no momento sua representatividade para o planejamento nacional.

Apesar da previsão constitucional explica Paulo (2010, p. 171) que o PPA:

padece de uma crise de identidade. Não obstante o papel previsto de orientador das peças orçamentárias, o certo é que, durante esses 22 anos, o PPA ainda não foi reconhecido como um efetivo instrumento de planejamento e gestão estratégica. De fato, há quem afirme que não foi concebido para desempenhar esse papel, e na administração federal ainda

101 Seus princípios basiladores são: 1) transparência; 2) monitoramento e avaliação das políticas; 3) competitividade-equidade; 4) participação da sociedade civil e dos entes federados e dos órgãos governamentais; 5) respeito e valorização da diversidade territorial e do meio ambiente; 6) combinação entre políticas “de baixo para cima” e políticas “de cima para baixo”, e atenção às políticas transversais; 7) incentivo às parcerias público-privadas; 8) respeito aos princípios e pactos federativos, em especial ao cooperativismo e à solidariedade (BRASIL. MP, 2012, p. 32).

há uma considerável resistência a sua efetiva incorporação. Como reflexo, sua tramitação no Congresso Nacional também não mobiliza parlamentares, que se limitam à discussão de itens reproduzidos no orçamento anual. Nesse contexto, o PPA é comumente definido como um documento burocrático e de pouco utilidade.

A partir do excerto acima e do histórico dos PPA apresentados é possível concluir que o presente instrumento não cumpre ainda com o objetivo estabelecido pelo texto constitucional na prática governamental, visto muito mais como entrave do que como uma diretriz a ser seguida. Segundo estudo do Banco Mundial sobre o PPA no Brasil, seu maior mérito é a transparência na organização das ações de governo, sendo inclusive utilizada como parâmetro para a atuação dos órgãos de controle, como é o caso do Tribunal de Contas da União (apud PAULO, 2010. p. 184).

Sugere Paulo (2010) que para que o PPA possa servir efetivamente como instrumento de planejamento, algumas alterações se fazem necessárias em sua elaboração: a) evitar que o PPA obedeça a uma rígida estrutura orçamentária, pois ao invés de orientar as alocações orçamentárias, o PPA acaba sendo definido por ela; b) o PPA deve ser capaz de abrigar o debate político acerca da definição de metas, devendo possui mais flexibilidade metodologia e desvincular-se parcialmente da estrutura orçamentária; c) o PPA não pode ser entendido como uma simples localização dos gastos públicos, mas como a construção do planejamento estratégico em base territorial para que possam resultar em estratégias de atuação específica102; e d) valorizar a regionalização do PPA, uma vez que as diferenças regionais devem refletir em maior diversidade e especificidades as políticas públicas e não somente valores diferenciados para a alocação de recursos, atendendo assim o que preconiza a Constituição Federal.

102 Nesse sentido ver comentários de rodapé sobre os estudos realizados pelo Ministério do Planejamento e Gestão para o PPA referente ao período 2008-2011, que trouxe pela primeira vez estudos sobre o impacto territorial sobre as políticas públicas no país. Segundo Paulo (2010. p. 184) “a abordagem territorial representa um aprimoramento do planejamento, tanto no campo técnico quanto em relação à capacidade de mobilização política. Avanço técnico porque o Ministério do Planejamento poderia produzir estudos e diagnósticos territoriais, em complemento aos estudos setoriais já realizados pelos ministérios. Avanço na capacidade de mobilização política pelo estabelecimento de um canal permanente de discussão de planejamento governamental junto aos entes subnacionais e Congresso Nacional”.

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