• Nenhum resultado encontrado

3 LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS SOBRE ORDENAMENTO TERRITORIAL MUNICIPAL

3.9 INFLUÊNCIA DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E SOBRE DIREITOS TERRITORIAIS DE COMUNIDADES TRADICIONAIS NO PLANEJAMENTO

3.9.1 Zoneamento ambiental

A política Nacional de Meio Ambiente, criada pela Lei n. 6.938/1981, possui como objetivo “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e a proteção da dignidade da

vida humana” (BRASIL. Lei n. 6.938/1981, art. 2º) e estabelece dentre seus princípios a) a racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; e b) o controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras. Assim, existe uma direta relação entre proteção do meio ambiente e o controle territorial das atividades potencialmente poluidoras.

Por essa razão é possível identificar essa vertente dentre os seus instrumentos (art. 9º), como é o caso do zoneamento ambiental, definido por Machado (2013) como a prática em dividir o território em parcelas nas quais se autorizam determinadas atividades ou se interdita, de modo absoluto ou relativo o exercício de determinadas atividade. Expõe Lima (2006, p.90-92) que:

[a] ideia de zoneamento não é nova no Brasil. Desde o Estatuto da Terra até o atual Estatuto da Cidade de 2002, passando por leis que se referem ao planejamento de áreas de interesse turístico, entorno de aeroportos, unidades de conservação, preservação da vegetação nativa em propriedades rurais, proteção de bacias hidrográficas, seguro agrícola, localização de indústrias, planos de desenvolvimento regional. Entretanto, não obstante tratar-se de um instrumentos comumente citado, ao longo dos últimos anos ainda impera, entre os gestores públicos e juristas que se debruçam sobre [o tema], um certo incômodo, quando não, um menosprezo e incredulidade em relação ao(s) zoneamento(s). E não deveria ser diferente. [...] Essa incredulidade deve-se tanto pela falta de experiências bem sucedidas de zoneamento, quanto pela própria diversidade de opiniões sobre o que seja o zoneamento, sobre o seu alcance, utilidade e eficácia em matéria de planejamento, de orientação ou vinculação das ações de comando e controle, na implementação de políticas públicas de incentivo econômico, de infraestrutura [...] por parte do próprio Estado.

O Zoneamento Ambiental foi regulamentado pelo Decreto n. 4297/2002, estabelecendo critérios mínimos para o Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil (ZEE), nova terminologia empregada para o zoneamento ambiental.

O ZEE é um instrumento de organização do território, devendo ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras, atividades públicas e privadas. Ele deve estabelecer medidas e padrões de proteção ambiental, destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população (art. 2º).

Sobre a definição legal do ZEE pondera Lima (2006) que a mesma suscita polêmicas em face da abrangência e eficácia por ela sugeridas. No que se refere à abrangência, o ZEE possui duas finalidades: a) planejamento, através da formulação de estratégias baseadas em diagnósticos, monitoramento e ações e políticas de

intervenção na ordem econômica; e b) diretrizes-normas, que vinculam o poder público na execução de políticas e os particulares no exercício de atividades econômicas, quando submetidas ao licenciamento ambiental.

Já no que toca a eficácia, considera o autor que o ZEE pode permitir a adoção de medidas vinculadas ou discricionárias, cuja natureza dependerá do conteúdo dos dispositivos específicos dirigidos ao poder público e aos particulares, assim como, do suporte jurídico que lhe dá vigência. Assim, a ação do Poder Público deve demonstrar que se conforma aos objetivos e diretrizes do ZEE, e quanto mais específicos forem essas disposições, menor será a margem de discricionariedade da atuação pública.

Seu objetivo é organizar as decisões dos agentes públicos e privados quanto a planos, programas, projetos e atividades utilizadoras de recursos naturais, de modo a manter os serviços ambientais dos ecossistemas (art. 3º).

Segundo o art. 6º do Decreto do ZEE, com redação dada pelo Decreto n. 6.288/2007, compete ao Poder Público Federal elaborar e executar os ZEE nacional e regionais quando tiver por objeto biomas brasileiros ou territórios abrangidos por planos e projetos prioritários estabelecidos pelo Governo Federal226, que poderá ser eventualmente elaborado e executado em cooperação dos Estados, após celebração de termo apropriado e cumpridos os requisitos previstos no Decreto (art. 6º, § 1º).

Desse modo, sua elaboração pode ser delegada aos Estados pelo Governo Federal, devendo seu resultado ser homologado em nível federal227 (art. 6º-B) para

226 Segundo o art. 6º-C, o Poder Público Federal elaborará, sob a coordenação da Comissão Coordenadora do ZEE do Território Nacional, o ZEE da Amazônia Legal, tendo como referência o Mapa Integrado dos ZEE dos Estados, elaborado e atualizado pelo Programa Zoneamento Ecológico-Econômico. Esse ZEE terá a participação de Estados, Municípios e representações da sociedade.

227 Quem analisa a produção técnica estadual é a Comissão Coordenadora do ZEE do Território Nacional, instituída pelo Decreto de 28 de dezembro de 2001. Essa comissão também é competente, para aprovar diretrizes metodológicas com o objetivo de padronizar a divisão territorial do ZEE, que deverão conter no mínimo: a) atividades adequadas a cada zona, de acordo com sua fragilidade ecológica, capacidade de suporte ambiental e potencialidades; b) necessidades de proteção ambiental e conservação das águas, do solo, do subsolo, da fauna e flora e demais recursos naturais renováveis e não renováveis; c) critérios para orientar as atividades madeireira e não madeireira, agrícola, pecuária, pesqueira e de piscicultura, de urbanização, de industrialização, de mineração e de outras opções de uso dos recursos ambientais; d) medidas destinadas a promover, de forma ordenada e integrada, o desenvolvimento ecológico e economicamente sustentável do setor rural, com o objetivo de melhorar a convivência entre a população e os recursos ambientais, inclusive com a previsão de diretrizes para implantação de infraestrutura de fomento às atividades econômicas; e) medidas de controle e de ajustamento de planos de zoneamento de atividades econômicas e sociais resultantes da iniciativa dos municípios, visando a compatibilizar, no interesse da proteção

verificação do cumprimento das exigências mínimas de sua elaboração228. Essa chancela permite que o mesmo reúna e sistematize as informações geradas, inclusive pelos Estados e Municípios (art. 6º, §2º), disponibilizando-as em um único banco de dados.

A alteração dos produtos do ZEE, bem como mudanças nos limites das zonas e indicação de novas diretrizes gerais e específicas, poderão ser realizadas após decorridos prazo mínimo de dez anos de sua conclusão, ou de sua última modificação, prazo este não exigível na hipótese de ampliação do rigor da proteção ambiental da zona a ser alterada, ou de atualizações decorrentes de aprimoramento técnico-científico. Decorrido esse período, as alterações somente poderão ocorrer após consulta pública e aprovação pela comissão estadual do ZEE e pela Comissão Coordenadora do ZEE, mediante processo legislativo de iniciativa do Poder Executivo (art. 19).

Para favorecer a aplicação desse instrumento, bem como a uniformização de dados gerados por Estados e Municípios, o Decreto n. 4.297/2002 foi alterado em 2006 e 2007, permitindo que o ordenamento territorial possa ser elaborado por partes, com diferentes níveis de detalhe229, possuindo funções distintas (art. 6º).

Ainda que não haja menção da possibilidade de elaboração do ZEE pelos Municípios, entendemos que os Estados poderiam autorizá-lo, desde que acompanhassem o seu desenvolvimento e utilizassem os mesmos critérios exigidos

ambiental, usos conflitantes em espaços municipais contíguos e a integrar iniciativas regionais amplas e não restritas às cidades; e f) planos, programas e projetos dos governos federal, estadual e municipal, bem como suas respectivas fontes de recursos com vistas a viabilizar as atividades apontadas como adequadas a cada zona (art. 13, 14 e 18 do Decreto n. 4.297/2002). Segundo a Lei n. 12.651/2012 estabeleceu o prazo de cinco anos para que os Estados que não possuam seus ZEE segundo a metodologia unificada sua elaboração e aprovação.

228 Os requisitos analisados são: a) cumprimento das exigências técnicas; b) referendum da Comissão Estadual do ZEE; c) Aprovação das Assembleias Legislativas Estaduais; e d) compatibilidade do ZEE estadual com ZEE regionais e locais, porventura existentes.

229 O art. 6-A do ZEE estabelece as seguintes escalas mínimas para produtos e informações produzidos: a) ZEE nacional na escala de apresentação 1:5.000.000 e de referência 1:1.000.000; b) ZEE macrorregionais na escala de referência de 1:1.000.000 ou maiores; c) ZEE dos Estados ou de Regiões nas escalas de referência de 1:1.000.000 à de 1:250.000, nas Macro Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste e de 1:250.000 a 1:100.000 nas Macro Regiões Sudeste, Sul e na Zona Costeira; e d) ZEE local nas escalas de referência de 1:100.000 e maiores. As escalas de 1:1.000.000 servem para indicativos estratégicos de uso do território, definição de áreas para detalhamento do ZEE, utilização como referência para definição de prioridades em planejamento territorial e gestão de ecossistemas. As escalas de 1:250.000 e maiores, para indicativos de gestão e ordenamento territorial estadual ou regional, tais como, definição dos percentuais para fins de recomposição ou aumento de reserva legal. As escalas de 1:100.000 e maiores, para indicativos operacionais de gestão e ordenamento territorial, tais como, planos diretores municipais, planos de gestão ambiental e territorial locais, usos de áreas de preservação permanente.

em nível federal. Para fins de planejamento municipal um maior nível de detalhe no zoneamento é exigido, justamente em razão da complexidade do ordenamento do solo e das atividades urbanas, inclusive para fins de verificação dos impactos da supressão de áreas de preservação permanente para fins de utilidade pública ou interesse social. Ademais, o zoneamento ambiental está previsto como um instrumento de planejamento municipal segundo a Lei n. 10.257/2001 (art. 4º, III, c). O município poderia elaborar zoneamento ecológico-econômico se desejasse, utilizando-o como subsídio para o planejamento municipal e consequente aprovação de seu plano diretor.

No que se refere à organização das informações, o ZEE dividirá o território em zonas, orientadas pelos princípios da utilidade e da simplicidade, de acordo com as necessidades de proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável (art. 11). A definição dessas zonas deve ser baseada em diagnóstico socioeconômico, sobre a situação dos recursos naturais, bem como do marco jurídico-institucional230 (art. 12 e13).

A despeito de o ZEE estabelecer normas para o planejamento e diagnóstico no âmbito local, trazendo algumas disposições sobre áreas urbanas, não há determinação específica para o zoneamento urbano231, que fica a cargo do poder público municipal, em tudo observado o zoneamento e planejamento das demais esferas da administração pública.

Considerando as disposições acima, é possível afirmar que o ZEE é o mais importante instrumento de ordenamento territorial em vigor em nosso ordenamento jurídico. Apesar de ser uma norma de origem ambiental, seus critérios de elaboração servem de base para outros zoneamentos e vinculam o poder público diretamente às suas diretrizes e indiretamente a iniciativa privada, através do processo de licenciamento ambiental. Sua execução é descentralizada, mas coordenada. Suas diretrizes metodológicas prevêem a integração das políticas setoriais em nível federal, estadual e municipal, bem como medidas de ajuste do ZEE com as atividades econômicas e sociais resultantes da iniciativa dos municípios.

Todavia, suas diretrizes não vinculam diretamente o orçamento; sua

230 Para cada zona deverão ser estabelecidas diretrizes de uso, que condicionarão o planejamento e execução do ZEE, que deverão determinar as atividades mais adequadas, levando em consideração não apenas critérios de ordem ecológica, mas também econômica, além de programas, projetos e planos desenvolvidos pela Administração Pública.

231 Segundo Lima (2006) o ZEE possui excessiva ênfase no meio rural, principalmente para a Amazônia, como pode ser verificado no art. 4º do Decreto n. 4.297/2002.

elaboração ainda conta com baixa participação social; e o ZEE não dispõe de um instrumento de integração de atividades urbanas e rurais. Assim, hoje o ZEE é um instrumento utilizado apenas para nortear a atividade de licenciamento ambiental e serve de diagnóstico territorial para a tomada de decisões, não sendo um instrumento de planejamento integrado.

No que se refere às áreas urbanas e o zoneamento, outra lei merece destaque, pois estabelece critérios gerais que influenciaram o zoneamento municipal, e, consequentemente, sua organização territorial. A Lei n. 6.803/1980, que dispõe sobre o zoneamento industrial para o controle da poluição industrial, tenta compatibilizar o desenvolvimento industrial com a proteção ao meio ambiente através do zoneamento urbano, de acordo com a atividade a ser instalada e a capacidade de suporte ambiental da área em que será instalada a atividade. Essa norma tem sua aplicação restrita às áreas consideradas em níveis críticos de poluição, não abrangendo os Estados da Amazônia Legal232, mas sua aplicação pode vir a ser expandida, a critério do Governo Federal.

Nessas áreas, a delimitação e o zoneamento de atividades industriais são deslocadas para o nível estadual, havendo apenas a participação dos municípios na elaboração dos critérios de zoneamento. Essa atribuição não é necessariamente nova, uma vez que na lei de parcelamento do solo urbano há possibilidade de deslocamento de competência em razão do impacto do empreendimento.

Segundo o art. 10, §2º § 2º caberá exclusivamente à União, ouvidos os Governos Estadual e Municipal interessados, aprovar a delimitação e autorizar a implantação de zonas de uso estritamente industrial que se destinem à localização de polos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos, bem como a instalações nucleares e outras definidas em lei.

Já o art. 7º determina que os Estados, após oitiva dos Municípios, poderão aprovar padrões de uso e ocupação do solo, bem como de zonas de reserva ambiental, nas quais, por suas características culturais, ecológicas, paisagísticas, ou pela necessidade de preservação de mananciais e proteção de áreas especiais,

232 Segundo Mukai (2002) essas áreas críticas, definidas pelo Decreto n. 76.389/1975 (art. 8º), são: as regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Porto Alegre e Curitiba, excetuando-se as de Belém e Fortaleza; a região de Cubatão, a de Volta Redonda e as Bacias Hidrográficas de médio e baixo Tietê, do Paraíba do Sul, do Rio Jacuí e estuário do Guaíba, as de Pernambuco e, ainda, a Região Sul do Estado de Santa Catarina (BRASIL. Decreto n. 85.206/1980).

será vedada a implantação de indústrias233. O Estado poderá também autorizar a implantação indústrias fora dos limites fixados para as zonas de uso industrial, nos casos em que o exercício da atividade demande proximidade às fontes de matéria- prima, estabelecendo para tanto parâmetros específicos (art. 8º), devendo essa competência ser exercida excepcionalmente e mediante oitiva do órgão ambiental e do Município (art. 10, §4º). Para Mukai (2002) essas competências estaduais devem ser exercidas mediante à aprovação de lei.

Por fim, compete aos Municípios (art. 11): a) instituir esquema de zoneamento urbano, observadas as disposições federais e estaduais; e b) baixar, observados os limites da sua competência, normas locais de combate à poluição e controle ambiental. Desse modo, a competência dos municípios sobre zoneamento industrial é pode ser exercida diretamente pelo município nos casos em que a mesma não tenha sido deslocada pela atuação estatal, ou ainda federal.

Assim, trata-se de uma norma supralocal de impacto no parcelamento territorial, mas não possui qualquer disposição relacionada com o ordenamento territorial.

Em resumo, o zoneamento ecológico-econômico é um instrumento de ordenamento territorial, de natureza vinculante para o poder público e para determinadas atividades produtivas. Consequentemente suas diretrizes são de observância obrigatória pelo planejamento local, sendo inclusive utilizado como referência para várias políticas setoriais de impacto espacial acima analisadas, mas o planejamento urbano é ainda abordado de forma residual. Trata-se de um instrumento diagnóstico-propositivo, mas não é um planejamento de ordenamento territorial, ainda que sirva de base para a tomada de decisão do planejamento estatal.

233 Caberá aos Governos Estaduais, observado o disposto nesta Lei e em outras normas legais em vigor (art. 10): a) aprovar a delimitação, a classificação e a implantação de zonas de uso estritamente industrial e predominantemente industrial; b) definir os tipos de estabelecimentos industriais que poderão ser implantados em cada uma das categorias de zonas industriais; c) instalar e manter, nas zonas a que se refere o item anterior, serviços permanentes de segurança e prevenção de acidentes danosos ao meio ambiente; d) fiscalizar, nas zonas de uso estritamente industrial e predominantemente industrial, o cumprimento dos padrões e normas de proteção ambiental; e) administrar as zonas industriais de sua responsabilidade direta ou quando esta responsabilidade decorrer de convênios com a União.

Documentos relacionados