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2 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA EM PROJETOS DE ORDENAMENTO TERRITORIAL: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO DA

2.3 A REDEMOCRATIZAÇÃO E A BUSCA DE UM MODELO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PARA A AMAZÔNIA

2.3.3 Projetos de Desenvolvimento na Amazônia a Partir da Redemocratização Com um país estagnado economicamente e em pleno processo de

redemocratização, o governo federal busca adotar medidas que favoreçam a retomada do crescimento, através da implantação de políticas neoliberais85, e que ao mesmo tempo incorporem o componente ambiental. Os projetos que se desenvolveram na Amazônia refletem esse período de incertezas e mudanças, não se estabelecendo uma política de desenvolvimento bem definida (THÉRY, 2005), sendo executados apenas alguns projetos previstos na década anterior, sobretudo na área de extração e beneficiamento de minério.

Esse período é marcado pela declaração oficial do governo do fim da

83 A partir de 1988 o exercício do direito de propriedade sobre a terra tem que levar em consideração também a conservação do solo e a proteção da natureza e não apenas a produtividade. Segundo Benatti (2003, p. 190) “[a] função ecológica vai exigir do proprietário um novo comportamento, já que não se trata de meras abstenções de atos, mas da necessidade de assumir uma postura positiva e ativa no exercício dos poderes do titular sobre a coisa, revelada na utilização responsável dos recursos naturais”.

84 A política agrária deve ser compatibilizada com a agrícola, que por sua vez deverá ser elaborada de forma participativa (art. 187) e que condicionará a destinação de terras públicas e devolutas (art. 188).

85 Como resultado da implantação da política neoliberal no país haverá uma série de privatizações de empresas públicas, dentre as quais a Companhia Vale do Rio Doce, em 1997. Com essa medida, grandes empresas privadas passarão a influenciar diretamente as políticas econômicas e a organização espacial da região.

intervenção territorial na Amazônia, através da edição do Decreto-lei n. 2.375/1987, mas que apenas devolveu aos Estados áreas que não foram arrecadas ou inscritas em favor da União (ÉLERES, 2002), mesmo estando previstas nos Decretos n. 1.164/1971 e 1.473/1976. No ano seguinte, com a edição da Constituição são extintos os territórios federais existentes, sendo criados nessas áreas novos estados federados. Essas medidas reduziram as áreas sob o domínio da União na Amazônia, mas esta permanece ainda detentora de uma porção significativa das áreas da região, sobretudo no Estado do Pará, um dos mais afetados com essas medidas.

No final da década de 80, em razão do fortalecimento dos movimentos sociais e sua associação com organizações não governamentais internacionais, se inicia a execução de políticas de proteção das florestas e dos povos que nela residem, servindo de obstáculo à livre expansão da fronteira (DROULERS; LE TOURNEAU, 2000). O principal motor do reconhecimento dessas novas formas de apropriação de terras na região foi o Programa Piloto Internacional para Conservação das Florestas Tropicais Brasileiras (PPG-7)86, cuja principal meta era reverter a tendência de desmatamento das últimas décadas, através da promoção de práticas de uso sustentável dos recursos naturais na região87.

Esse programa, apesar de não ter obtido sucesso em reverter os índices de desmatamento, contribuiu significativamente para que na atualidade, as terras indígenas (art. 20, XI da CF/88) e unidades de conservação criadas pela União cubram aproximadamente 40% do território da Amazônia Legal (BECKER, 2010), o que reforça o papel da União como gestora direta do território na região norte88.

Assim, na Amazônia pós-redemocratização a disputa e o uso pela terra está complexa, pois não se sabe ao certo quem são os proprietários privados ou onde

86 Trata-se de uma iniciativa alemã com os demais países do G-7 em colaboração com o governo brasileiro, cuja proposta foi apoiar financeiramente a reorganização dos modelos de desenvolvimento para a Amazônia (KOHLHEPP, 2002).

87 O programa segue cinco linhas principais de ação (KOHLHEPP, 2001): a) experimentação e demonstração da experiência prática das comunidades locais em preservação da natureza, desenvolvimento sustentável e iniciativas de educação ambiental; b) conservação, através da melhoria do manejo de áreas protegidas e terras indígenas, que devem ser interligadas por corredores ecológicos; c) fortalecimento institucional, fomento à cooperação com o setor privado e sociedade civil, dentro do marco da descentralização ambiental; d) estímulo à pesquisas que visem melhorar o conhecimento científico sobre os ecossistemas da Amazônia e o uso e gestão sustentável de seus recursos.

88 As terras indígenas e unidades de conservação se somam, portanto às áreas de domínio da União por determinação constitucional e àquelas que se mantiveram em seu domínio mesmo após o fim da intervenção territorial na Amazônia.

suas terras estão localizadas. Quanto às terras públicas não há precisão do que pertence ao Estado ou à União e quem é competente para regularizá-las. Desse modo, à medida que fronteira aberta da Amazônia se fecha, a questão fundiária passa ser uma decisão de quem tem prioridade no uso da terra e de seus recursos naturais.

Muito embora durante a década de 90 se consolide a legislação ambiental no país, principalmente após a Segunda Convenção Internacional sobre o Meio Ambiente (1992)89, a temática ambiental continua tendo uma influência residual no planejamento estatal. Buscando ampliar a transversalidade das políticas ambientais, o governo federal passou a concentrar esforços na difusão de instrumentos de planejamento que incorporem essa dimensão, sendo o zoneamento ecológico- econômico o que recebeu maior destaque90.

Essa mudança de estratégia se fez necessária para tentar resolver os impasses da coexistência no espaço amazônico de dois projetos de desenvolvimento distintos, traçados por setores do governo de forma separada – o econômico e ambiental – que não levam em consideração o impacto de um sobre o outro (MELLO; THÉRY, 2003) e que atrapalham a viabilização de novas ações na região91. Nesse jogo de forças há uma tendência que a fronteira econômica se expanda, enquanto medidas conservacionistas funcionem como focos de resistência (PINTON; AUBERTIN, 2005)92.

A retomada das políticas de desenvolvimento para a região no período democrático ocorreram com os Projetos Brasil em Ação e Avança Brasil (1996-

89 Para responder à pressão internacional e à opinião pública inicia um plano de combate ao garimpo ilegal na região Amazônica e fecha o centro de testes nucleares. Durante Rio 92 a Amazônia brasileira ganha papel de destaque. O Governo brasileiro firma uma série de documentos internacionais em matéria de meio ambiente dentre os quais: as Convenções sobre Diversidade Biológica e Mudança Climática, e a Declaração de Princípios sobre Florestas. Nesse evento também é lançada a Agenda 21, que propõe diretrizes para a implementação do desenvolvimento sustentável.

90 O Zoneamento ecológico-econômico começa a ser realizado na Amazônia no fim da década de 80, através do Programa Nossa Natureza (1986). Esse instrumento, inicialmente baseado na captação de dados físico-bióticos, ao longo dos anos teve sua abordagem modificada, ampliando-se para identificar processos geopolíticos, sociais, culturais e econômicos (BECKER; EGLER, 1996). 91 Segundo Becker (2010) esse conflito se dá na Amazônia, pois a região passou a ser duplamente

relevante no novo contexto mundial: ela é ao mesmo tempo fonte de recursos escassos que necessitam ser explorados e de conhecimento associado à sóciobiodiversidade, que necessita ser protegido em prol da integridade do planeta.

92 A manutenção da integridade de áreas protegidas e de terras indígenas, principais obstáculos ao avanço da fronteira produtiva no Brasil, pode ter seu uso alterado. O governo Federal, por exemplo, acaba de alterar os limites de duas unidades de conservação no Estado do Pará, pois interfeririam com obras de usinas hidroelétricas.

2003). Ainda que em suas medidas estejam propostas para reduzir disparidades regionais através do desenvolvimento tecnológico e científico, da valorização de serviços ambientais e do conhecimento tradicional associado à biodiversidade (PINTON; AUBERTIN, 2005), os investimentos de maior vulto continuam centrados no desenvolvimento de infraestruturas – a serem realizados pela iniciativa privada – o que reafirma o modelo agroexportador93 para a região e o projeto de integração continental brasileiro94.

Em 2003 propõe-se um programa de desenvolvimento para a Amazônia baseado na produção sustentável sob as seguintes bases: a) desenvolvimento econômico baseado na inovação e competitividade; b) gestão ambiental e ordenamento territorial; c) inclusão social e cidadania; e d) infraestrutura para o desenvolvimento (BRASIL, PR, 2008).

O discurso oficial sobre a Amazônia muda, mas a cisão entre econômico e ambiental, bem como uma situação fundiária caótica, persistem, sendo premente a adoção de medidas que visem disciplinar as relações conflitantes (re)desenham o território da Amazônia legal.

Contudo, a União – que deveria ser o agente mediador dos conflitos – não consegue se quer, articular suas políticas setoriais ou trabalhar de forma integrada com os governos estaduais e municipais na região (CASTRO, 2007), o que apenas agrava essa situação de descontrole do espaço95.

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