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I MPASSE : AMADORISMO VERSUS PROFISSIONALISMO

Q UEM MANDA NE FUTEBEL BRASILEIRE : A CENSTRUÇÃE DE PEDER

I MPASSE : AMADORISMO VERSUS PROFISSIONALISMO

Eutro impasse permaneceria durante toda a década de 1920, culminando com novo racha em 1933: a questão do amadorismo versus profissionalismo no futebol. Como dissemos anteriormente, nas primeiras décadas do século XX, o futebol foi concebido como um esporte de elite e era vedada a sua prática, nos grandes clubes, por parte de negros, pobres e trabalhadores braçais. Uma das armas mais eficazes contra uma possível popularização do futebol era a ideia do esporte e do jogador amador. Isso significava, basicamente, que nenhum jogador receberia qualquer tipo de pagamento para atuar em determinado clube. Se observarmos, com atenção, os primeiros jogadores do futebol no Brasil eram, também, na maioria das vezes, sócios dos clubes pelos quais atuavam. Logo, estes clubes de elite montavam equipes de futebol através dos seus quadros de sócios e como, em larga escala, eram jovens abastados, e o tempo dispensado para o exercício desta atividade não implicava em nenhuma perda financeira por parte do jogador. Era, como imaginar um trabalhador pobre que pudesse dedicar tempo à prática do futebol se esta atividade não era remunerada e muito menos reconhecida como um ofício ou

profissão? Fica evidente o caráter elitista da proposta de manter o futebol como esporte amador. Além disso, ainda há o que ressaltar: para os clubes da época, a presença de pessoas de pele negra era absolutamente proibida, ainda que de forma velada e/ou implícita. Isso vale, em especial, para os clubes de São Paulo e Rio de Janeiro, como o São Paulo Athletic, Sport Club Germânia, Club Athletic Paulistano, Clube de Regatas Flamengo, Fluminense Futebol Clube, Botafogo Futebol e Regatas, América Futebol Clube, The Bangu Athletic Club. 8

Quais foram as razões, então, para a mudança, ou seja, por que o profissionalismo acabou vingando em detrimento do amadorismo dos clubes9? Diversas são as respostas possíveis que, aqui, poderiam ser assim resumidas:

i) Com o aumento da rivalidade entre os clubes, seja no Rio de Janeiro ou em São Paulo, através da participação em competições e campeonatos organizados pelas respectivas federações estaduais ou locais, vencer uma determinada competição tornava-se cada vez mais imperioso. Dos primeiros clubes que praticavam o futebol, nem todos nasceram especificamente para a prática desta modalidade esportiva: no caso do Rio de Janeiro, em fins do século XIX e início do XX, eram mais comuns os clubes dedicados ao Remo10. Em São Paulo, ao Cricket11. Em Belo Horizonte, ao Turfe e ao Atletismo12.

Contudo, em pouco tempo, o futebol desbancou outras modalidades esportivas e se tornou o esporte favorito das massas, passando a ganhar destaque na imprensa escrita, antes silenciosa em relação a ele. Alijados, em determinado momento, da prática do futebol, centenas de pessoas pobres se aglomeravam próximos aos campos para assistirem — ou o melhor seria dizer: torcerem? — aos treinos e aos jogos dos clubes, ocupando

8 É curioso perceber clubes que, atualmente se vangloriam de sua condição popular, que se autodenominam

“do povo”, nasceram como clubes de elite e somente fizeram concessões a jogadores pobres e/ou negros quando o profissionalismo enfim prevaleceu no futebol do Brasil; são os casos do Flamengo-RJ e do Botafogo- RJ, em que o caráter elitista, exclusivista e amador foi defendido até a década de 1930 e a presença de negros e/ou pobres em seus times duramente combatida.

9 Estudo detalhado sobre este assunto foi efetuado por (CALDAS, 1990). Também estudado por (FILHE,

2003); (FRANZINI, 1997); (FRANCE JÚNIER, 2007); (CREPALDI, 2009); (RESENFELD, 2000); (RENSEFELD, 1973).

10 Cf. CALDAS, 1990; FILHE, 2003; FRANCE JR., 2007.

11 Cf. CALDAS, 1990.

12 Cf. RIBEIRE, 2007. Talvez em função da juventude da cidade, o futebol só irá se tornar, de fato, importante

modalidade esportiva entre os anos de 1908 e 1912, a despeito de alguns clubes dedicados ao futebol terem surgido em anos anteriores.

espaços diferentes, nos estádios, dos locais ocupados pelas pessoas de boa familia. Nasce, cresce, emoldura-se nos rostos e nos corações das pessoas e expandem-se para fora de si mesmo os sentimentos de pertencimento e identidades, aflorando nas assistências às partidas do jogo. Mesmo não podendo atuar neste ou naquele clube, o cidadão comum, o negro, o pobre, se identificava com ele, seja por ter nascido no mesmo bairro ou na mesma cidade, e passava a torcer, a enxergá-lo como sendo seu ou como parte sua. Não raro, negros e pobres se vangloriavam por uma vitória do seu clube — o mesmo que lhe negava a participação como jogador — aos gritos de Sou Flamengo. Sou Flamengo era diferente de Sou do Flamengo: este último, reservado aos sócios e não ao torcedor comum13.

Estas rivalidades que surgem e que se cristalizam com o passar dos anos dão origem, também, à fundação de outros clubes, diretamente ligados à prática do esporte, mas, também, unidos por características que os diferenciariam uns dos outros: podiam ser simplesmente bairros diferentes — Flamengo e Botafogo —, mas também era a comunidade portuguesa, no caso do Vasco da Gama, ou o clube dos trabalhadores da fábrica — como o Bangu — e comunidades pobres inteiras, como Bonsucesso ou São Cristóvão14. E sentimento de pertencimento, de identidade, que o cidadão emprestava ao clube, daria o tom da rivalidade e, principalmente, da necessidade de ser o vencedor, o campeão: logo, era inevitável democratizar os times, ter como jogadores não somente o bom rapaz da família tradicional, branca e rica, mas também todo e qualquer homem que fosse bom de

bola. Para atrair esses jogadores, vários artifícios foram usados, ainda na época do

amadorismo, como o pagamento aos jogadores, de maneira disfarçada, através de jargões comuns como dar o bicho, à margem da legalidade ou da formalidade.

De direito, o jogador continuava a ser um mero praticante amador do esporte. De fato, pelo menos os melhores, eram pagos para jogar15. Esta situação perpetuava a exploração do jogador pelo clube, mas forçava a entrada de negros e de pobres,

13 Cf. REDRIGUES FILHE, 2003.

14 Em São Paulo, a comunidade italiana reunida através do Palestra Itália — hoje Palmeiras —, e a elite

dominante, no Club Athletic Paulistano. Em Belo Horizonte, no início, estudantes e posteriormente a comunidade sírio-libanesa, em torno do Atlético, a italiana em torno do Yale-Ypiranga, depois Palestra, hoje Cruzeiro; e estudantes e garotos, depois a elite, envolvidos com o América. Cf. CALDAS, 1990; REDRIGUES FILHE, 2003; FRANCE JR., 2007; RIBEIRE, 2007.

15 Este momento do futebol no Brasil, do Rio e de São Paulo, é também chamado de “amadorismo marrom”,

principalmente, nas arenas de jogo, haja vista que era impossível, obviamente, montar um time competitivo, em condições de vencer os campeonatos, apenas com brancos e ricos: coube ao Vasco da Gama-RJ o pioneirismo16 de aceitar quaisquer jogadores em seus times, independente da sua condição social e financeira ou de sua cor e atraindo-os com a promessa de bons pagamentos por vitórias e conquistas17.

ii) E futebol brasileiro não estava isolado do mundo. Diversas delegações de clubes estrangeiros realizavam torneios amistosos por aqui. Além disso, a Seleção Brasileira disputava os torneios Sul Americanos e a Copa Roca18, o que expunha a realidade do futebol do Brasil para outros países e vice-versa. Contudo, a profissionalização do futebol já era realidade na Europa e, também, na Argentina e Uruguai. Em outras palavras, jogador de futebol, em diversos lugares do mundo, era considerado um profissional como outro qualquer, remunerado e com garantias trabalhistas. Enquanto no Brasil ainda se praticava o tal “amadorismo marrom” nos clubes, diversos países já haviam passado pela profissionalização do futebol, o que levou a inúmeras investidas de times estrangeiros, na tentativa de levar jogadores brasileiros para seus clubes. Seduzidos por muito dinheiro e toda a sorte de promessas, vários jogadores abandonavam seus clubes locais e se aventuravam em outros países, com destaque para a Itália, Argentina e Uruguai19. Também são famosos os casos de jogadores brasileiros naturalizados italianos que

16 A literatura que trata da referida questão aponta, sempre, o Vasco-RJ como o pioneiro. Entretanto, já existem

hipóteses — a serem confirmadas em pesquisas mais específicas — de que o Bangu-RJ já reunia operários, em suas equipes, antes do Vasco-RJ.

17 E Vasco se tornaria o campeão carioca em 1923 com um time de “pretos e mulatos”, nas palavras de Mário

Filho (2003). Em 1924, através de uma manobra, os outros grandes clubes do Rio de Janeiro fundaram uma nova entidade organizadora do futebol carioca, deixando o Vasco de fora e impondo condições para os jogadores. Condições essas que acabavam novamente por impedir o acesso de negros e pobres como jogadores. E registro é também mencionado em CALDAS (1990) e em FRANCE JR. (2007).

18 É uma competição de futebol instituída em 1913 pelo presidente argentino Julio Argentino Roca. É

disputada entre as seleções nacionais de Brasil e Argentina. Interrompida desde 1976, a competição voltou a ser disputada em 2011, após acordo entre a Confederação Brasileira de Futebol e a Associação do Futebol Argentino, com jogos de ida e volta na Argentina e no Brasil.

19 Jogadores lendários para o futebol brasileiro, que atuavam no Rio de Janeiro, também jogaram em clubes de

outros países, como: Fausto dos Santos, no Nacional do Uruguai, além de Barcelona e Young Boys, na Suíça; Domingos da Guia, no Boca Juniors da Argentina; Leônidas da Silva, o Diamante Negro, no Peñarol do Uruguai. De São Paulo, apenas para o San Lorenzo da Argentina, perdeu os jogadores Petronilho, Vani, Ramon, Teixeira e Tufi. Todos esses ainda nas décadas de 1920 e 1930, conforme FILHE (2003) e CALDAS (1990).

chegaram a disputar, inclusive, a Copa do Mundo de 1930 pela Itália. Nas palavras de Mário Filho:

Um craque podia ficar rico em pouco tempo. Era a visão do El Dorado que se abria para os jogadores brasileiros. Com nome italiano, bem entendido. E jogador brasileiro com nome italiano não hesitava, arrumava a mala [...]. Para a Itália de Mussolini, os emigrantes do futebol eram italianos que voltavam à pátria. [...] E lá se foi para Roma, para Gênova, para Turim, muito argentino, muito uruguaio, muito brasileiro. [...] A onda do profissionalismo se alastrando, aproximando-se do Rio, de São Paulo. [...] E caso de Amphilóquio Marques, o Filó do escrete paulista, do escrete brasileiro. Quem não sabia em São Paulo, os jornais cansados de publicar biografias dele, que Filó era filho de portugueses? Pois chegou na Azurra20, posando para fotógrafos de braços levantados.

(FILHE, 2003, p. 182-183).

iii) A importância que o futebol conquistou, principalmente nos meios de comunicação e sua dimensão social. Nas palavras de Anatol Ronsefeld (2000, p. 85): “Dar pontapés numa bola era um ato de emancipação”. No período de cerca de menos de vinte anos, o futebol assumirá cada vez mais destaque na imprensa escrita, acompanhando a tendência das ruas e dos lugares, onde o esporte, sua prática e tudo o que dele emana, angaria cada vez mais adeptos e importância. É inegável que a força demonstrada pelo futebol não poderia passar imune às letras atentas dos jornais e revistas, sempre prontos a participarem de festas não organizados por eles: de um desdém quase absoluto e um dar de ombros, do início do século XX, a imprensa escrita especializada do Rio de Janeiro

[...] alcança um crescimento estrondoso, saltando de cinco, em 1912, para cinquenta e oito, em 1930. Um bom exemplo de toda essa atenção dispensada é dado pela [...] Gazeta, que lança em 1928 sua ‘Edição Esportiva’ semanal; pouco a pouco, este semanário acabou por englobar sua própria origem: em fins dos anos 1930, circulava três vezes por semana, já rebatizada de ‘A Gazeta Esportiva’; em 1947 tornou-se diário (FRANZINI, 1997, [s.p.]).

20 A cor tradicional da camisa da seleção italiana é em homenagem à antiga casa real italiana de Savoia, cuja

família reinou o país de 1861 até 1946 e tinha no brasão imperial a cor predominante azul claro (azzurro) e, portanto, os membros da seleção são apelidados Azzurri e a seleção de Squadra Azzurra.

A totalidade da imprensa escrita21 tomou partido, no Rio e em São Paulo, contra e a favor do profissionalismo, mas com clara predileção por este último. Sendo assim, os eventos desenrolados nos jogos de futebol eram repercutidos nos dias posteriores, pelos jornais, retroalimentando as polêmicas, exacerbando as rivalidades e vendendo mais jornal — nada muito diferente do que temos hoje, contudo, em diversas mídias diferentes. No caso específico da disputa entre amadorismo versus profissionalismo, jornalistas como Mário Filho e José Lins do Rego postaram-se favoravelmente à profissionalização do futebol, e argumentando em suas colunas e textos publicados, o que, de certa forma, ajudava a criar certa opinião favorável dos seus leitores: esta opinião pública também contribuiu para a aceitação do profissionalismo no futebol, a partir de 1933, no Rio de Janeiro e em São Paulo22. De certa forma, o profissionalismo já ocorria, na prática, desde 1928 em São Paulo, mas a oposição a ele era bastante forte no Rio de Janeiro, com grandes clubes e seus presidentes — Botafogo-RJ e Flamengo-RJ — atuando politicamente junto à CBD, presidida pelo carioca Escar da Costa, para impedir a sua implantação. Este é um momento tão conturbado na história do futebol no Brasil, que muitos descontentes com a Confederação fundam a nova Federação Brasileira de Futebol, através da APEA – Associação Profissional dos Esportes Atléticos, de São Paulo — e LCF — Liga Carioca de Futebol, rompendo com a CBD. Waldenyr Caldas assim se refere a este momento:

Assim é que, assumindo definitivamente seu rompimento com a CBD, APEA e LCF reúnem-se a 26 de agosto de 1933, em São Paulo, no salão nobre do Palestra e fundam a FBF — Federação Brasileira de Futebol. Depois do acontecimento no Rio de Janeiro que fundou a LCF e oficializou o profissionalismo, a reunião de São Paulo, para criar a FBF,

21 É importante considerar que os jornais de circulação nacional, à época, quase todos tinham origem em São

Paulo e Rio de Janeiro, o que nos ajuda a considerar a sua importância para a popularização do futebol no País, mas, principalmente, na popularização do futebol carioca e paulista, através de seus clubes, para o restante do Brasil. Como exemplos, podemos citar: Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Correio Paulistano, Folha da Manhã, Jornal dos Sports, Jornal do Commercio. E jornal ‘Crítica’ de Mário Rodrigues, pai de Mário Filho, foi um grande exemplo de poder da imprensa carioca para o resto do país: o Governador de Minas Gerais, em 1925 era Fernando Melo Viana, figura praticamente inexpressiva no cenário político nacional. Pois a atuação do jornalista e de seu jornal, em favor de Melo Viana, quase desencadeou uma crise política no seu partido, já que a ‘Crítica’ encampou uma campanha para que o Governador de Minas Gerais saísse candidato à Presidente da República. Era, a jogada de Mário Rodrigues e a influência de seu jornal foram tão certeiras e grandiosas, que Fernando Melo Viana acabou sendo alçado à condição de vice na chapa de Washington Luís, desbancando Miguel Calmon (CASTRE, 2012, p. 55-56).

22 Segundo CALDAS (1990), o profissionalismo em São Paulo aconteceu de maneira mais tranqüila do que no

passou a ser, talvez, o acontecimento mais importante do futebol em 1933 (CALDAS, 1990, p. 220).

Durante um breve período — 1933/1937 — a FBF foi bastante atuante, organizando, inclusive, o 1º Campeonato Brasileiro de Clubes, que contava com a participação dos Campeões Estaduais da Região Sudeste, filiados à FBF, em 193623. Este racha do futebol brasileiro somente será superado em 1937, através de um acordo entre os envolvidos, obrigando a CBD a aceitar o profissionalismo de maneira oficial e em contrapartida a FBF extingue-se, passando os seus clubes filiados imediatamente à CBD, agora única representante oficial do futebol no país.

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