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F IGURA 1: A S PRÉ CONDIÇÕES PARA UM S UPERCLUBE SEGUNDO A PLURI C ONSULTORIA

T ELEVISÃO E F UTEBOL

F IGURA 1: A S PRÉ CONDIÇÕES PARA UM S UPERCLUBE SEGUNDO A PLURI C ONSULTORIA

Deste modo, a Rede Globo também tem o direito de organizar as datas e horários dos jogos e decidir, sozinha, qual jogo será transmitido em canal aberto para todo o País e quais jogos somente estarão disponíveis nos canais pagos e ainda aqueles que terão transmissão local. Em poucas palavras, o Campeonato Brasileiro de 2013, por exemplo, a cada rodada — são 38 no total — são disputadas dez partidas com um total de vinte

46Fonte: http://globoesporte.globo.com/platb/olharcronicoesportivo/2012/06/25/superclubes-o-brasil-pode-vir-

clubes. A TV exige que os jogos aconteçam somente nos dias da semana e horários previamente determinados por ela: normalmente os jogos acontecem aos sábados, nos horários de 18h30min e 21h00min, com transmissão somente por canais pagos; aos domingos, nos horários de 16h00min e 18h30min, sendo os primeiros aqueles que são escolhidos para transmissão na TV aberta. Eventualmente, quando não há competições acontecendo simultaneamente, há as rodadas do meio de semana, às quartas feiras, nos horários de 19h30min, 20h30min, 21h00min, 21h50min47 (jogo da TV) e às quintas feiras nos horários de 19h00min e 20h30min, mais comumente.

Os contratos assinados pelos clubes com a televisão, em geral, têm duração de cinco anos e, historicamente, eram assinados pelo chamado Clube dos 1348, que representava as agremiações junto à CBF e à TV. No ano de 2011, porém, alguns clubes brasileiros compreendiam que os valores oferecidos pela Rede Globo estavam muito aquém daquilo que verdadeiramente deveria ser pago. Amparados pelo Clube dos 13 e atendendo a uma normatização do Conselho Administrativo de Defesa Econômica — CADE —, os clubes decidiram por não fechar automaticamente com a TV Globo, abrindo uma concorrência pública para a venda dos direitos de transmissão. A expectativa era aumentar substancialmente os valores pagos para a transmissão dos jogos, ultrapassando, inclusive, o patamar de um bilhão de dólares pelos cinco anos de contrato e isso poderia ocorrer se as agremiações negociassem em conjunto o contrato. Entretanto, liderados por

47 Este horário de jogo é definido em função da grade de programação da TV Globo que não permite

concessões: a transmissão dos jogos somente ocorre após a transmissão da novela, que se inicia às 21h00min, aproximadamente. Jogadores, treinadores e torcedores são unânimes em afirmar que isso é prejudicial à partida em todos os aspectos: para o jogador, que se concentra para uma partida que só vai terminar próximo da meia noite e para os torcedores, que muitas vezes não comparecem aos estádios em função do horário de retorno para casa, com todos os perigos inerentes à violência em grandes cidades.

48 O Clube dos 13 foi fundado em 1987 para resolver um grave problema do futebol brasileiro. Neste ano, a

CBF declarou-se sem condições financeiras de organizar o campeonato nacional. Contudo, alguns clubes, notadamente o Flamengo-RJ — e o seu presidente, Márcio Braga, um dos fundadores do Clube dos 13 — obtiveram o amplo apoio financeiro da Rede Globo para organizarem, à revelia da CBF, um Campeonato Nacional que posteriormente foi chamado de Copa União. A organização deste campeonato foi efetuada pela entidade criada pelos considerados 12 maiores clubes brasileiros e mais o Bahia. Se por um lado esse Campeonato foi um sucesso de público nos estádios e em audiência na TV, por outro, redundou em um dos maiores escândalos do futebol nacional, que ainda hoje tramita na Justiça Comum: como neste mesmo ano a CBF resolveu organizar um Campeonato Brasileiro em paralelo à disputa da Copa União, com promessa de um cruzamento final entre os vencedores dos dois campeonatos para se decidir quem seria o Campeão Brasileiro de 1987, as mudanças nos regulamentos das competições aconteceram ao mesmo tempo em que ele se desenvolvia. Ao final, duas agremiações se declararam campeãs: o Flamengo-RJ, através da Copa União; o Sport Club do Recife, através do Campeonato Brasileiro da CBF.

Corinthians-SP e Flamengo-RJ, algumas agremiações simplesmente romperam com o Clube dos 13, declarando-o inapto para negociarem em seus nomes e decidiram por negociar individualmente seus jogos, diretamente com a TV Globo, sem licitação pública.

É curioso perceber que isso levaria ao enfraquecimento dos clubes na medida em que teriam que negociar individualmente seus contratos, mas isso não impediu que os clubes — além dos já citados, Cruzeiro-MG, Vasco-RJ, Fluminense-RJ, Botafogo-RJ, Grêmio-RS, Palmeiras-SP, Santos-SP, dentre outros — resolvessem romper com o Clube dos 13. Do outro lado, permaneceram fieis ao clube: Atlético-MG, Atlético-PR, São Paulo- SP, Internacional-RS, dentre outros. A estratégia de implodir o Clube dos 13, proporcionou à Rede Globo uma importante economia de gastos, mesmo aumentando o valor pago pelas transmissões: ao que parece, ela seduziu alguns dirigentes com propostas muito vantajosas a curto prazo, mas danosas a médio e longo prazo, ao aumentar ainda mais a distância financeira que separa os clubes. Flamengo-RJ e Corinthians-SP — que passariam a receber mais de cem milhões de reais por ano, cada um — se distanciariam de outros clubes menores, fora do centro. Pelo menos cinco clubes da Série A do ano de 2011 — América-MG, Avaí, Atlético-GO, Figueirense-SC e Ceará-CE — teriam que dividir, entre si, cerca de trezentos milhões de reais por cinco anos de contrato. Fábio Koff, então presidente do Clube dos 13, assim se referiu ao episódio:

Fui traído muitas vezes ao longo desses anos, embaixo do pano, na calada da noite. O Marcelo [Campos Pinto, principal executivo da Globo Esportes] e a CBF implodiram a FBA [empresa que geria a Série B] e fizeram um contrato de adesão da Série B. Os clubes fecharam por R$ 30 milhões até 2016, quando poderemos chegar a R$ 1 bilhão por ano. Isso é inaceitável, os clubes menores vão morrer. Vão matar o futebol. [...] Fraquejei ao não fazer a Liga dos Clubes, como era nosso projeto de vida. Não me senti forte, respaldado o suficiente. O temor em relação a retaliações da CBF é grande, a ponto de ela ter extinguido o conselho técnico dos clubes e ninguém reclamar. Esta ruptura do Clube dos 13 é coisa do Ricardo [Teixeira, então presidente da CBF] e do Marcelo.49 O monopólio da transmissão dos jogos não foi quebrado: mais ainda, percebe-se com muita clareza o poder econômico que reside na Rede Globo e na sua preferência

pelos clubes integrantes do que chamamos de centro do futebol brasileiro. As articulações políticas internas e externas aos clubes, aliadas a sua crônica dependência dos recursos oriundos da TV, fizeram com que aceitassem condições piores do que as oferecidas por outras emissoras, como a Rede TV e a Record, que, inclusive, emitiu a seguinte nota:

A Rede Record vem a público expressar preocupação com as reações ao modelo de negociação proposto pelo Clube dos 13. O formato foi desenvolvido como consequência de um acordo entre o Clube dos 13 e o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Pelo que foi acertado, cláusulas que caracterizavam o favorecimento a um monopólio e impediam a participação de outros concorrentes de forma democrática e transparente foram proibidas. O modelo anterior impôs aos clubes brasileiros o endividamento e a perda sucessiva de seus maiores talentos para outros países. Alguns clubes brasileiros passam meses sem parceiros patrocinadores porque camisas, luvas, bonés e até placas publicitárias são evitadas ou encobertas nas transmissões esportivas. Ainda existem alguns clubes brasileiros que simplesmente são ignorados durante a temporada e passam semanas sem que seus jogos sejam transmitidos. A carta convite enviada pelo Clube dos 13 contempla uma concorrência transparente, séria, com regras claras. O documento exige propostas entregues em envelopes fechados e pressupõe declarar vencedor aquele que fizer a melhor proposta financeira para todos os clubes. [...] A proposta do Clube dos 13 rompe com as obscuras negociações que favoreciam o monopólio e descaracterizavam a concorrência, impondo aos clubes valores e limitações exigidas pelos eternos favorecidos. [...] Mas se os clubes desejarem uma negociação em separado, optando por outro modelo, a Record também pretende apresentar proposta, desde que as negociações sejam feitas seguindo padrões de transparência e regras claras.50

Na Argentina também houve problemas em relação à transmissão dos jogos do Campeonato Nacional, ainda em 2009:

Afundado em dívidas de todo tipo, o futebol argentino viveu dias de convulsão em seu seio: sufocados, a federação local e os clubes romperam unilateralmente o contrato que outorgava à empresa TSC (Televisión Satelital Codificada) os direitos de transmissão do futebol hermano, negociando-os imediatamente com o Estado argentino. A justificativa? Descumprimento contratual, uma vez que os clubes resolveram se declarar lesados pelos valores recebidos pelos jogos. [...] Em um claro contexto de proveito político da situação por parte do governo, a medida pode no final das contas ser altamente revolucionária para os times e

50 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/esporte/883304-em-comunicado-record-responde-globo-e-

torcedores. Em sua argumentação, Kirchner (que já trocou camisas de seu Racing Club com o corintiano Lula) disse que o futebol é um inquestionável bem cultural do país e que todos os cidadãos devem ter direito a assisti-lo sem ter de pagar por isso. Explica-se: a TyC é um canal a cabo que transmite seis ou sete partidas por rodada. As outras três ou quatro (são dez ao todo) ficam por conta de seu braço TyC Max, neste caso em sistema Pay Per View. Por razões óbvias, os grandes jogos sempre ficavam com o segundo, de modo que para assistir às melhores partidas o torcedor deveria desembolsar alguma quantia (além da própria assinatura de TV a cabo). E mais: a TSC, no que configurou parte das queixas de quebra de contrato, renegociava os jogos de PPV para outras TVs a cabo. Dentre elas, incluíam-se a Cablevisión e a Multicanal, também de propriedade do grupo Clarín. Isto é, como escrito por Agustín Colombo, do Diário Critica, ‘as operações se vendiam e se pagavam no mesmo escritório. O Grupo Clarín, dono de metade da TSC, vendia jogos da rodada ao... Grupo Clarín’".51

A televisão inegavelmente mostra a sua força e o seu poder de convencimento frente a clubes sufocados por dívidas e dirigentes sempre prontos a fazer suas vontades com vistas a ganhos pessoais ou para seus clubes em detrimento da coletividade do futebol. No limite, há mesmo temores em relação à sobrevivência de agremiações que não contam com esta subvenção, principalmente na montagem de seus times. No caso brasileiro, desde a homogeneização de um modelo de Brasil, formatado pela imprensa escrita, rádio e televisão, observa-se a construção de uma cultura nacional, tendo como base as cidades do Rio de Janeiro e, também, de São Paulo. É importante ressaltar que a popularidade nacional de alguns clubes, construída histórica e espacialmente, é utilizada nos dias de hoje para justificar a sua importância em detrimento de outros: naturalizou-se de tal maneira esse processo social de construção de identidades, que se confunde o resultado com a causa, o meio com o fim, e não se sabe mais onde começa ou termina a formatação deste centro e de suas margens e parece não haver espaço para a diversidade e nem uma preocupação comum com o futuro de algumas agremiações localizadas no exterior de Rio e de São Paulo. Até mesmo os torcedores parecem, em alguma medida, capturados pela essência material das disputas e conquistas de troféus e o ato de torcer por um clube deixa, de certo modo, de ter o seu caráter construído no rol das escolhas pessoais baseadas nas comunidades locais, nos laços afetivos e cognitivos e se

metamorfoseiam em modismos culturais, em falsas identidades nacionais erigidas sob a ótica do consumo e intensamente propagadas pelos meios de comunicação, em especial a televisão. Não se avalia a grandeza de um clube apenas pelas suas conquistas e pela sua massa de torcedores. Incorporado a isso, também, sempre deverá estar presente a sua representatividade cultural e territorial: ideais, estilos de vida e valores próprios da comunidade e da sociedade na qual o clube se insere. Se a razão de existir de um clube for meramente a conquista de taças e se sabemos — e como sabemos! — que o poder econômico por trás dos grandes clubes os torna quase insuperáveis na atração dos melhores jogadores, na disputa das melhores e mais rentáveis competições, estaremos próximos da eliminação da competição, razão maior de qualquer esporte, para vermos as disputas monopolizadas apenas por uma ou duas agremiações: todo o resto existirá meramente para justificar as conquistas dos grandes, sem possibilidades reais de disputa do troféu, tamanho é o abismo financeiro que os separa. Por outro lado, cabe aqui uma pequena digressão. ANDERSON e SALLY, no livro Os números do jogo: porque tudo o que

você sabe sobre futebol está errado, partindo de uma sofisticada análise estatística, fazem a

seguinte observação acerca do futebol moderno:

Quando calculamos a média de diferença de gols em cada partida, em cada temporada, da primeira divisão [Premier League, da Inglaterra] desde 1888, percebemos que as equipes se tornaram mais parecidas, tanto em produção defensiva quanto ofensiva. Hoje, as equipes vencem por menos gols que antes, e a diferença média de gols em uma partida diminuiu de mais de um gol para menos de meio gol ao longo de aproximadamente um século. [...] A tendência também sugere que a “tecnologia de fabricação” — a melhor forma de jogar — se disseminou com o tempo: ao ser compartilhada e imitada, ao mesmo tempo que aumentava o acesso a talentos em todo o planeta, as equipes foram se tornando parecidas. [...] Isso indica que um dos maiores truísmos do futebol — que o poder e a riqueza dos clubes de elite desequilibraram os campeonatos do mundo inteiro — talvez seja um mito, pelo menos quando visto de um ponto de vista histórico, de longo prazo. O mais provável é que os campeonatos atuais sejam mais disputados do que cinquenta ou cem anos atrás.52

No referido estudo não é considerado, por exemplo, que a queda da média de diferença de gols torna ilusória (uma) certa igualdade entre os clubes. Na própria Inglaterra, Manchester United, Arsenal, Chelsea e Liverpool dominam o campeonato há vários anos. Na Espanha, Real Madrid e Barcelona se alternam como os campeões nacionais. Na Alemanha o mesmo pode ser dito sobre o Bayern München. Na Itália, destaque para Milan, Juventus e Inter de Milão. Considerando que cada campeonato citado tem cerca de vinte participantes na disputa e menos de cinco deles em cada país se mostra verdadeiramente capaz de disputar o título, isso coloca as conclusões dos autores em dificuldades. Se pensarmos na Champions League — o maior campeonato entre clubes da Europa — perceberemos que a disparidade ainda é maior: nos últimos vinte anos tivemos apenas os mesmos clubes citados da Inglaterra, Espanha, Itália e Alemanha nas finais.

Logo, o abismo não se limita à diminuição de diferença de gols nas partidas. Os jogos se tornaram mais duros e a competitividade, nas partidas, aumentou. Entretanto, a grande diferença de valores pagos parece motivar a construção de estratégias que ultrapassam as linhas do campo de jogo. No Brasil, particularmente, isso se dá através do favorecimento desta ou daquela agremiação, seja por interferência de juízes de futebol na fabricação de resultados, seja nas mudanças de regulamento ao longo da competição: tudo a vista de todos e sem que isso se transforme num problema real, de grande dimensão, camuflado por outras discussões vazias que se assentam na rivalidade entre clubes para justificar a negação de um favorecimento explícito, transformando-o em algo inusitado ou raro, que tenderia a se repetir com todos e não apenas com uma agremiação. Nada disso é raro e nem se dá ao acaso: em grande medida, ao longo dos anos, os arranjos das competições, seus vencedores e toda a história acontecida durante os jogos, nos levam a apontar o favorecimento àquelas equipes pertencentes ao, aqui, nesta pesquisa, denominado centro.

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