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A IMPORTÂNCIA DA TELEVISÃO NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DISSEMINADA DO CENTRO DO FUTEBOL BRASILEIRO

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A IMPORTÂNCIA DA TELEVISÃO NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DISSEMINADA DO CENTRO DO FUTEBOL BRASILEIRO

Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação. (...) O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.

Guy Debord1

Enquanto no período compreendido entre 1930 a 1950, aproximadamente, o rádio iniciou a criação de uma cultura e valores nacionais, através de grandes empresas radiofônicas que atingiam todo o território brasileiro, a partir de meados de 1950 este papel coube a televisão. Inicialmente ridicularizada, totalmente amadora e extremamente dependente de verbas publicitárias, a televisão brasileira galgou patamares nunca antes imaginados por quaisquer mídias existentes até então.

De acordo com a versão mais comum, presente nos textos de diversos pesquisadores2, coube a Assis Chateubriand e a sua TV Tupi Difusora de São Paulo a primazia das transmissões de televisão em solo brasileiro, em 18 de setembro de 1950 (diga-se de passagem, a primeira estação de televisão da América do Sul). Esta primeira transmissão foi marcada por improvisações, correria no estúdio e nervosismo generalizado por parte dos produtores, tanto pela falta de habilidade técnica para operar as câmeras recém adquiridas, quanto pela falta de parâmetros para se filmar e transmitir: afinal, ninguém sabia coisa alguma sobre televisão naquele momento. O evento escolhido para ser transmitido não passava da orquestra do Maestro Georges Henry executando

Cisne Branco enquanto ocorria a cerimônia de benção e batismo dos estúdios. Por fim,

Hebe Camargo cantaria a Canção da TV, mas foi substituída de última hora por Lolita Rodrigues e Vilma Bentivegna: isso durou das 19 às 21 horas (MATTOS, 2010).

1 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, p. 13-14.

Curiosamente, seis anos antes desta transmissão, em janeiro de 1944, a revista Seleções do Reader’s Digest publicou um anúncio de uma página com o título: “A eletrônica trará a televisão ao nosso lar”. A publicidade era da empresa General Eletric, e já criava, segundo Marialva Carlos Barbosa (2010, p. 16) a “imaginação tecnológica” em torno deste meio de comunicação, necessária a sua futura implantação:

Dependente diretamente de um imaginário tecnológico que, também no Brasil, se formou gradativamente desde os primeiros anos do século XX, quando inúmeros artefatos imagéticos, sonoros e motores invadiram o cotidiano do público, a televisão exacerbou a imaginação em torno das possibilidades de reprodução em imagens do que era captado pelo olhar humano.

Em outras palavras, podemos dizer que, em 1950, muitas pessoas já tinham ouvido falar de televisão mesmo sem nunca ter visto a televisão. O próprio Chateaubriand tinha informações a respeito da evolução do rádio ou do rádio com imagens, que prosperava nos Estados Unidos. No ano de 1949, o dono dos Diários Associados já havia pago quinhentos mil dólares a norte americana RCA Victor como parte da compra de cerca de trinta toneladas de equipamentos no valor de cinco milhões de dólares, para criar, no ano seguinte, a sua TV Tupi Difusora de São Paulo3, sob a direção dos radialistas Cassiano Gabus Mendes e Dermival Costa Lima.

A inexperiência de Cassiano Gabus Mendes não era uma exceção entre os responsáveis pela implantação da televisão no Brasil: salvo um ou outro que tivera algum convívio superficial com o incipiente cinema brasileiro, eram todos egressos do rádio. E tampouco havia de onde copiar um modelo de sucesso, pois naquele ano só três canais de televisão funcionavam no mundo: um na Inglaterra, um na França e um nos Estados Unidos. Por ser o único canal comercial dos três, o norte americano, da NBC (associada à RCA Victor), era o que mais se aproximava do que se pretendia fazer no Brasil (MORAIS, 2011, p. 424).

O caráter visionário da empreitada só foi superado pela sua tolice: poucos dias antes da data acertada para a primeira transmissão, o diretor da NBC-TV, Walther

Obermüller veio ao Brasil supervisionar a inauguração e as primeiras semanas de

funcionamento da TV Tupi. O norte americano fez uma pergunta simples, sobre quantos milhares de receptores de televisão haviam sido vendidos pelo comércio à população do país por aquele tempo e recebeu como resposta um “nenhum”, que praticamente o deixou corado:

— Doutor Assis, o senhor está investindo cinco milhões de dólares na TV Tupi, e sabe quantas pessoas vão assistir à sua programação a partir do dia 18? Zero. Sim: zero, ninguém. Além dos que estão expostos em meia dúzia de vitrinas, não há aparelhos instalados na casa de ninguém, em todo o estado [eu diria país]. (MORAIS, 2011, p. 425-426) 4

Nas obras consultadas, conta-se que Assis Chateaubriand contrabandeou cerca de duzentos aparelhos de televisão dos Estados Unidos: mandou metade para as vitrines das lojas de eletrodomésticos e distribuiu a outra metade entre personalidades e empresários que estavam financiando a implantação de sua TV; inclusive encaminhou uma delas para o Presidente Dutra, no Palácio do Catete – RJ, já tentando amenizar possíveis problemas causados por esta operação ilícita5. Esta fase caracteriza-se pelo improviso, pouca disponibilidade de aparelhos de TV, principalmente em função dos seus altos custos e “pela experimentação de uma nova linguagem que levaria, pelo menos, duas décadas para se estruturar” (BARBOSA, 2010, p. 17). 6 Nos dias que se seguiram à inauguração, foram colocados no ar musicais, teleteatros, programas de entrevistas e um noticiário chamado de Imagens do Dia, entre às cinco da tarde e às dez da noite, sempre com grandes

4“- Quando vocês forem escrever a história da televisão no Brasil vão ter que dizer que no dia da estreia certamente havia mais gente atrás das câmeras do que diante dos receptores” (MORAIS, 2011, p. 429).

5 MORAIS (2011). Também citado por BARBOSA (2010).

6 O discurso de Chatô durante a inauguração da TV Tupi dá mostras claríssimas de que ele sabia exatamente o

que tinha nas mãos e que não mediria esforços para levar adiante aquela empresa, mesmo cometendo os mais absurdos equívocos: “O empreendimento da televisão no Brasil, em primeiro lugar, devemo-la a quatro organizações que, logo, desde 1946, se uniram aos Rádios e Diários Associados para estudá-lo e possibilitá-lo neste país. Foram a Companhia Antarctica Paulista, a Sul América Seguros de Vida e suas subsidiárias, o Moinho Santista e a Organização Francisco Pignatari. Não pensem que lhes impusemos pesados ônus, dado o volume da força publicitária que detemos. [...] Faz-se um bouquet de aço e pendura-se no alto da torre do Banco do Estado um sinal da mais subversiva máquina de influir na opinião pública, uma máquina que dá asas à fantasia mais caprichosa e poderá juntar os grupos humanos mais afastados” (BARBOSA, 2010, p. 18). Grifo nosso.

intervalos entre um programa e outro, para que pudessem ser preparados para ir ao ar, ao vivo, já que não havia o recurso do vídeo teipe7 (BARBOSA, 2010).

Na década de 1950, a vida da elite cultural do país era concentrada na cidade do Rio de Janeiro, sendo que o Copacabana Palace Hotel oferecia atrações internacionais em seu cassino, considerado o mais seguro do mundo, descrito, inclusive, em panfletos turísticos. Todavia, com a proibição do jogo, nessa mesma época, o estabelecimento da televisão atendia aos anseios de uma classe alta e média por novos entretenimentos, principalmente porque muitos dos seus semelhantes a estavam desfrutando em países industrializados (MATTOS, 2010). Fato é que apesar do amadorismo e dos altos investimentos necessários para se montar uma estação de TV, rapidamente foram concedidas outras licenças de operação, nos anos posteriores, conforme Quadro 01. Autores como Sérgio Mattos (2010) defendem que a origem e o desenvolvimento da televisão brasileira podem ser subdivididos em sete fases, a saber: elitista (1950-1964), populista (1964-1975), desenvolvimento tecnológico (1975-1985), transição e expansão internacional (1985-1990), globalização e TV paga (1990-2000), convergência e qualidade digital (2000-2010) e portabilidade, mobilidade e interatividade digital (2010 em diante)8. Desta forma, na primeira fase, além de todos os problemas técnicos enfrentados também havia dois outros, tão importantes quanto os primeiros: a falta de aparelhos receptores das imagens geradas pela televisão; e a sustentabilidade, a longo prazo, desta nova mídia. A busca incessante para resolução destes entraves está diretamente relacionada com a forma como a televisão, em pouco espaço de tempo, substituiu o rádio como equipamento fundamental da família brasileira.

7 “Os estúdios não tinham nenhum tratamento acústico e, além disso, as janelas ficavam abertas para evitar o

calor quando os panelões (refletores de estúdio da época) fossem acesos. Mesmo assim era uma sauna. O suor pingava do rosto dos atores e das atrizes nas cenas ambientadas em pleno inverno. E ali, entre fios espalhados pelo chão, microfones, barulhos de carros e apitos de navio entrando pelas janelas – visto que os estúdios eram construídos ao lado do cais do porto – os programas iam ao ar” (LOREDO, 2000, p. 5).

8 De nossa parte procuraremos nos ater a importância da televisão como fortalecedora de uma imagem de

nação e unidade nacional, bem como a transposição de valores culturais, morais, estéticos e econômicos para o restante do Brasil, bem como a relação direta destes valores com a formação de um ideário nacional a respeito do futebol carioca e paulista.