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II – A alienação da organização

A palavra “Alienação”deriva do la- tim “ALIUS” que significa, “outro”. Se- parar-se do outro (pessoa ou objeto pro- duzido), é perder o controle sobre si pró- prio, deixar de ser sujeito do resultado de seu próprio esforço. É neste sentido que aqui é empregado o conceito.

Se Marx utilizou o conceito ligado ao trabalho, não significa que tenha desconsiderado a mesma aplicação no resultado de qualquer outro tipo de es- forço humano.

Em nossa reflexão, e por necessi- dade, teremos que empregar o conceito de alienação nas relações sociais e políti- cas, quando o “outro” é a própria organi- zação, fruto do esforço de “militância”, e os que arriscam a vida neste objetivo comum.

Podemos então aqui relacionar três aspectos básicos que caracterizam esta alienação na organização:

1o – Não se reconhecer no objeto

que produz.

O objeto aqui é a organização que integra quem tem necessidades concretas para resolver. Estes empenham o tempo, investem a si mesmos e suas famílias, e submetem-se a todos os “contratos” ou acordos necessários para a boa condução da produção do resultado proposto.

Ao chegar a este resultado estabe- lecido pelo objetivo inicial, o “contrato” é desfeito ou pelo menos sofre mudan- ças no seu conteúdo, porque até então não havia a propriedade como intermediadora.

Ao conquistar a propriedade ( com baixo nível de consciência) o acampado vira assentado, adquire nova natureza e passa a se relacionar com outro objeto, (a propriedade), e se aliena da causa que vi- nha produzindo na organização política para conquistar a propriedade, mas tam- bém outros direitos até então abstratos.

A partir deste momento, há uma “ruptura”. O “sujeito” deparara-se com o velho dilema: “ser ou não ser”. Ou seja, ser, significa submeter-se a certas restri- ções, normas e obrigações, como por exemplo, um dia de trabalho coletivo por semana. Não ser, significa risco de perda de benefícios etc. de modo que, o que interessa não é o aperfeiçoamento do objeto inicial ( a organização), mas a sa- tisfação de seus próprios interesses en- raizados no fetiche da propriedade. Ela era um meio ( descartável) para chegar a um fim ( a propriedade) definitivo.

2o – Não reconhecer as mudan-

ças em si.

O processo de convivência social cria mudanças na cnsciência e no com- portamento social. Quando este proces- so não é consciente, o “sujeito”tem difi- culdades em reconhecer o seu crescimen- to, desconhece que a nova identidade lhes trouxe um novo conhecimento.

O resultado é medido pelo alcance do objetivo material. Se conquistou a terra então houve avanços, se não, perdeu seu tempo.

Como não consegue se perceber como o agente fundamental da luta polí- tica pela reforma agrária, este acampado desconsidera a sua força e a sua impor-

tância, e em muitos casos, não eleva a sua auto-estima.

Submete-se, por interesse e não par- ticipa por consciência e afinidade políti- ca. Tanto que a grande maioria dos acam- pamentos funciona com um coordena- dor geral, ele ( embora tenha coordena- ção, setores e comissões) faz o papel de direção, de regimento interno, pois apli- ca as normas feitas ou as cria instantane- amente pelo poder que tem, e cria uma dependência de si, de sua presença, de sua palavra etc.

Esta prática não sobrevive no as- sentamento. Lá as atividades cotidianas são mais dispersas. Cada família tem in- formalmente o seu planejamento, a sua autonomia e seus desejos futuros.

Significa que este ser acampado, dei- xa de existir ao ser assentado, lá é um novo aprendizado com uma nova estrutura de relações sociais, com uma dispersão polí- tica maior. O aprendizado anterior nem sempre se sustenta, pois mudaram as con- dições materiais; elas passam a determi- nar o tipo de comportamento.

É neste contexto que se percebe o confronto teórico com a prática dos va- lores. Afloram os valores burgueses, pois estes são determinantes na sociedade con- creta, e se chocam com a moral imaginá- ria de uma outra sociedade abstrata.

3o – Não reconhecer os outros

como companheiros e companheiras.

Nem sempre o vizinho é um aliado, às vezes é um competidor. A perda do referencial político leva a ver os “iguais” como diferentes. Aqueles que junto luta- ram receberam separadamente sua re-

compensa.

Os projetos e anseios são diferen- tes, por isso as pessoas não se enxergam enquanto classe, mas apenas como pro- prietários isolados.

Isto tudo nos traz, a princípio, três conseqüências desastrosas, que é impor- tante partir delas para reconstruir as for- mas organizativas.

a) O produto produzido ( a or- ganização) pela prática militante, lhes é estranho.

A alienação, ou seja, a separa- ção do outro, leva a desconsideração daquilo que foi edificado. A organização tem im- portância relativa; os bens parti- culares, importância absoluta. A organização não tem impor- tância, a não ser nos momentos de precisão como ocorre com a divindade; só é interessante nas horas de aperto, no resto do tempo a consideram uma força temerária, que, não devem provocá-la, mas podem ignorá- la.

b) As conquistas alcançadas co- letivamente não orgulham os conquis- tadores, nem ligam o resultado ao meio para consegui-lo.

Quando um operário que produz carros sai às ruas e se depara com os carros estacionados, dificil- mente sai a procura daquele que ajudou a produzir, nem tampouco divulga aos que passam que, aquele carro é fruto de seu tra-

balho, feito em tal fábrica. Ao contrário, a alienação ( a separa- ção entre ele e o objeto) o im- pede até de ter orgulho do que fez.

Na organização, que leva as pes- soas a participarem, mais por ne- cessidade do que por ideologia e consciência, a relação é seme- lhante. O operário precisa da fá- brica para ganhar o seu salário, o camponês do movimento para conquistar a sua terra. Mas após conquistá-la a organização per- de a importância como acontece com o operário no dia que se aposenta. Agora são outros ob- jetivos que nem sempre ele con- corda. Organizar para ocupar é diferente do que organizar-se para produzir, morar etc.

A organização para o alienado é um estorvo, um impedimento para realizar seus interesses, é quem impõe restrições, e por isso não lhes trás satisfação alguma em participar dela. Ela foi impor- tante para gerar o objeto da pro- priedade, mas já não é mais.

c) Perda do interesse da sociabi- lidade.

A quilo que tende para o indivi- dualismo é mais atrativo. Neste campo nada é estranho ao indi- víduo. Compreende as decisões que toma, faz de seu jeito, ga- nha tempo, evita discussões e conflitos, sente-se mais livre etc. Há por outro lado que verificar o

conteúdo do conceito de sociabi- lidade. Na maioria das vezes da- mos a este conceito o conteúdo de vida em “comunidade”, onde tudo é regulado, programado e a individualidade dilui-se neste ser social coletivo insuportável. Esta prática, mais do que uma concepção, inibe a realização de muitas vontades e, em lugares de forças produtivas atrasadas, há- bitos culturais contraditórios, a tendência é a experiência não so- breviver.

Na sociabilidade verdadeira, as pessoas tem função social. Elas são o projeto e não os investi- mentos. Ou seja, as pessoas não estão a serviço das estruturas que constroem, estas servem de meio para as pessoas desempenhem sua função social.