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Marx ao tratar da questão da eman- cipação, diferenciou aquilo que chamou de “emancipação política”, ou seja, a con- quista dos direitos políticos e sociais, e a “emancipação humana” que significa a eliminação de todas as imposições e sub- missões, morais, nas relações de produ- ção, sociais, ao capital e ao Estado. Tra- ta-se portanto, da elevação da sociedade ao nível de igualdade e liberdade em to- dos os sentidos.

Descreveu ele como exemplifi- cação a passagem do feudalismo para o capitalismo. É claro que representou um avanço para a sociedade civil; mas signi- ficou emancipação para os trabalhadores? É claro que não. O que mudou de um modo de produção para outro, foram as formas de dominação e subordinação das pessoas. Então afirmou Marx:

“Por conseguinte, o homem não se libertou da religião; obteve liberdade religiosa. Não se libertou da proprieda- de, obteve a liberdade de propriedade.

Não se libertou do egoísmo da indús- tria, obteve liberdade industrial”.5

Logo, podemos atualizar a reflexão e dizer que, a conquista dos direitos que a República trouxe para as sociedades burguesas ocorreu da seguinte forma: o ser humano não se libertou da ignorân- cia, obteve direito à escola, escola, as mulheres no se libertaram da discrimina- ção, obtiveram direito ao voto; nem a população de baixa renda conquistou di- reito à saúde, mas obteve o direito a con- sultas mais baratas; posteriormente os direitos trabalhistas ( férias, décimo ter- ceiro salário e aposentadoria); e para nós atualmente, terra, créditos, ensino gratuito etc. não significou emancipação, mas como disse o próprio Marx – levou a re- dução do homem, de um lado, a mem- bro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente e, de outro, a cida- dão do Estado, a pessoa moral. Ou seja, bem comportada.

É a inclusão na sociedade burguesa das pessoas por ela rejeitadas para se equi- pararem ao grau conformador de cida- dãos. Agora temos todos os documen- tos, propriedade, conta bancária, paga- mos impostos, votamos nas eleições etc. Como pouco se discute este assun- to nos meios políticos, de esquerda, con- funde-se a conquista de direitos com transformações políticas revolucionárias. A luta política permanecendo na es- fera dos direitos favorece o capital, o mercado, o Estado e a moral burguesa, e

deixa intacto o modo de produção. Con- tinua a dominação a partir daí pela coni- vência. A luta de classes é o estágio su- perior da luta política, porque enfrenta o poder coletivo da classe, onde, disputa- se o projeto e não apenas direitos.

A conquista dos direitos, da “cida- dania”, é chegar ao nível de cidadão que alcança a condição de pagar pelos seus benefícios ou que tem os requisitos bási- cos, para tentar buscá-los na democracia da ordem burguesa.

Não significa que não se deva lutar pelos direitos estabelecidos. O errado não é lutar por eles, e nem esforçar-se para conquistá-los, (eles são o ponto de parti- da para as lutas de massas), mas sim acre- ditar que isto seja suficiente e que, atra- vés disto chega-se à emancipação, isto porque, o próprio Estado que, em certas épocas reconhece esses direitos, em ou- tras, os tira, em sintonia com o capital para favorecê-lo.

Alcança-se a emancipação segundo as palavras do próprio Marx, quando, “... o homem individual real recuperar em si o cidadão abstrato e se converte, como homem individual, em ser genéri- co, em seu trabalho individual e em suas relações individuais; somente quando o homem tenha reconhecido e organizado suas próprias forças como forças soci- ais e quando, portanto, já não separa de si a força social sob a forma de força política, somente então se processa a emancipação humana”6

6 Karl Marx. A Questão Judaica. 5 Karl Marx. A Questão Judaica.

Se considerarmos do ponto de vista concreto, o cidadão está um passo a cima do indigente destituído de todos os direi- tos. Emancipa-se quando se torna sujei- to coletivo, com determinação de organi- zar conscientemente as próprias relações sem distinção entre social e política, essa sociedade foi elevada ao nível superior da esfera de dominação.

Neste sentido as palavras de ordem precisam ir além do “direito nosso, dever do Estado”, pois a emancipação comple- ta exige também a tomada do Estado e a sua destruição.

A luta de classes é responsável pela mudança de cenários, em busca sempre da superação das relações de dependên- cia, seja do capital ou do Estado. Ela é o caminho da construção da verdadeira autônima onde não haja nem fetiche, nem alienação, mas emancipação completa das pessoas e da sociedade.

Neste sentido é que podemos for- mular em três questões para verificar a relação dos movimentos sociais do cam- po com o Estado e dele criam dependên- cia, como é o caso dos créditos, assistên- cia técnica, convênios na área de educa- ção e capacitação, reprodução de mudas e sementes, a transformação social e a emancipação dos seres humanos.

1o – Qual é o papel do Estado e

dos movimentos que fazem a luta de classes.

Até onde deve ir o papel do Estado e quais são as tarefas políticas que ultra- passam os limites e as barreiras coloca- das por ele, que impede o avanço para construção da autonomia?

“A reforma agrária é dever do Esta- do”. É meia verdade. Como sabemos, o Estado capitalista não tem interesse ne- nhum em fazer a reforma agrária, nem pela ótica do desenvolvimento das for- ças produtivas, nem para a solução dos problemas sociais. Já sabemos que sem a ocupação o Estado não age.

Voltemos a idéia de transição, colo- cada acima através da “reforma agrária popular”. Transição significa negociar, mas não pode significar submissão, aco- modação, ao contrário, deve haver mui- to esforço e autonomia para passar de um estágio para outro. Então podemos formular novas questões:

a) Como exigir educação de quem não quer educar?

Se observarmos no campo da educação, vinculada à origem do conceito, “EDUCERE”, que sig- nifica tirar de dentro. A realida- de, o ser humano, a convivên- cia, o trabalho etc, nos leva a crer que, não podemos “tirar de den- tro” das políticas do Estado aqui- lo que deve ir além da simples conquista do direito.

Isto porque, a Escola tem uma dupla definição; “lugar onde se educa” e “corpo de idéias”. Costumeiramente o Estado ofe- rece e impõe ambas as coisas. O lugar, construindo o prédio esco- lar, e as ideais que são estabelecidas no currículo, onde os agentes executores não abrem mão de suas ementas e propos- tas, basta verificar as discussões

feitas com os departamentos de agronomia nas universidades, ou nas Secretarias de Educação, nos municípios, para entendermos o que significa o poder de domina- ção do Estado.

Mas acomodar-se dentro destes limites é concordar com a domi- nação do Estado que está a ser- viço da classe dominante, logo, nosso papel é ir além. No que diz respeito ao corpo das idéias, é avançarmos mais e mais, para “tirar de dentro” da terra, da re- sistência, do cultivo tradicional das sementes, da prática da coo- peração, da convivência social, o conteúdo da educação. É utili- zar de todos os recursos para for- talecer a luta de classes em qual- quer atividade.

b) Como exigir assistência técni- ca de quem não quer produzir alimen- tos?

Os convênios de assistência téc- nica temporários, reproduzem apenas o modelo do “extencionista” que não se inte- gra ao projeto e sim reproduz os interesses de sua matriz.

Ficar no limite dos convênios para a assistência técnica é satis- fazer-se com a matriz tecnológica dominante e cumprir o papel de extencionista do Estado, e em muitos casos, de fiscais dos Ban- cos financiadores.

A produção precisa ser vista

como meio para a luta de clas- ses, contra o agronegócio e o Estado, ao mesmo tempo, como a assistência técnica integrada e continuada, como a educação, a mudanças de hábitos, consumo de insumos orgânicos, feitos pelo próprio trabalho local, a transfor- mação dos produtos, a comercialização e o consumo, com a agitação e a propaganda. Nisso está o nosso papel e não o papel do Estado.

c) Como dar função social à propriedade se a referência imposta é o módulo familiar, se os cadastros e créditos são individualizados?

Na luta de classes as responsabi- lidades são coletivas, mas a luta pela terra reduz a classe em rela- ção individual com o Estado. Embora se encaminhem as ne- gociações de forma coletiva, mas esta não persiste como prática da cooperação e da planificação ampliada.

Pode-se decidir investir os cré- ditos coletivamente, mas o valor total não são as necessidades dos investimentos ou dos projetos, mas a parcela de cada família. Porque não há um plano de pro- dução que o Estado tenha inte- resse que seja levado à frente.

2o – Qual é o papel dos movi-

mentos sociais na destruição do Esta- do?

O Estado aqui é visto com dupla constituição: a) Pela estrutura de poder,

“sociedade política” e b) Pela estrutura das classes sociais em confronto perma- nente.

Negociar como Estado não signifi- ca preservá-lo da destruição. Ele é o referencial do poder da classe dominante que tem responsabilidades sociais no pe- ríodo em que o poder está com a classe dominante, neste caso a burguesia.

Os movimentos sociais estão imersos na luta de classes, embora mui- tas vezes acreditem que apenas lutam por conquistas imediatas. Os interesses são de classes e os movimentos também são de classes. Os trabalhadores tem os seus aparelhos, assim como os dominadores tem os seus.

Os interesses da classe dominante articulam-se através de seus instrumen- tos de poder, ora por dentro do Estado, ora por fora. O que não impede de que estes utilizem o Estado como estrutura legal de poder para reprimir os movimen- tos sociais.

A luta de classes, é luta continuada e cada vez mais acirrada. Neste período de “baixo perfil” repressivo, devido ao enfraquecimento da luta sindical que conflitava com o capital e, os partidos políticos aceitaram o desafio de gerenciar o Estado em troca da legalidade, os mo- vimentos sentiram que se desfez o “blo- co histórico” anterior e devem pensar em reconstruí-lo em outro patamar.

Então coube aos movimentos mais avançados o dever da convocação para a elaboração do projeto político, da classe trabalhadora, com as forças sociais inte- ressadas.

Os camponeses e os indígenas hoje, inicialmente cumprem o papel da classe operária de ontem que mantinha o capi- tal em estado de alerta. A luta de classes mais acirrada na atualidade desloca-se para o campo, onde está a água doce, os minérios, as florestas e a biodiversidade; as terras férteis e a reprodução das se- mentes. O capital precisa deste espaço para revigorar-se.

Falar em reforma agrária hoje, é provocativo, quase como no período da década de 1960 falar em comunismo, in- comoda demais o capital financeiro. Logo, a luta reinvindicatória, a luta econômica ou qualquer outro tipo de luta, tende a cho- car-se com interesses de grupos e não mais de indivíduos separados. Por isso, tudo o que fizermos é luta de classes.

Neste sentido a classe e o Estado estão juntos no mesmo projeto de domi- nação. Lutar contra um é enfrentar a re- ação dos dois. Por isso a revolta da clas- se dominante quando Lula colocou o boné do MST. Foi como se o centro avante do time tivesse feito um gol contra. É uma coisa inexplicável.

Então a luta de classes deve atingir a essência da consciência das massas. Não pode estar apenas na cabeça do cír- culo dirigente. Cada ação, por mais pe- quena que seja, deve ser combustível para esta grande luta pela destruição do Estado atual e o controle do capital.

Os camponeses deste século estão convidados a construírem com solidez as suas organizações, com quadros e a es- trutura organizativa capaz de enfrentar os grandes inimigos de sua existência. De- vem a partir disso virarem-se para fora

da propriedade. Olharem para o horizon- te onde está a sociedade e o restante da luta de classes. A aliança entre as forças a nível nacional e internacional nunca foi tão importante.

3o – A Luta é pela construção da

emancipação social ou para reprodu- zir o imaginário anterior?

Destruído o Estado e a dominado o capital, resta modificar as relações soci- ais e de produção. Estas últimas talvez sejam as tarefas mais difíceis.

A emancipação é mais do que con- quistar direitos que são legitimados pela sociedade, como o de cada um ser livre para constituir o seu lar e ter a sua pro- priedade. Isto é apenas a redução do ser humano a cidadão obediente e cumpridor de normas imposta pela moral burguesa. Mas há um perigo ainda maior que é tentar reproduzir aquilo que deveria ser um espaço diferenciador, o imaginário an- terior, como se a repulsa tivesse sido con- vertida em atração. A abertura de peque- nas vendas de comércio ou de bares indi- viduais, o aluguel da terra, o transporte das crianças para as escolas da cidade, a não participação das atividades regular- mente, a exclusão da mulher das decisões, são resquícios do que se vivenciou na fase anterior ao assentamento.

Se retomarmos o raciocínio de Marx, quando fala que a mercadoria “é cheia de mistérios, sutilezas e argúcias teológicas” vemos que há uma relação intima entre dinheiro, propriedade e reli- gião. São meios que orientam a edificação dos assentamentos e determinam as rela- ções internas. Se não vejamos:

Que tipo de estrutura social, costu- mamos edificar nos assentamentos? Que tipos de invenções são “adoradas” como nossa própria criação? A bodega e outros tipos de sub-exploração, não seriam o fetiche que precisaria de algo material para se reproduzir? A diversidade de cultos e seitas, não seriam criações adaptadas de divindades coniventes? Como emanci- par-se se o fetiche da propriedade atenta para as ilusões do progresso individual e não coletivo?

Constata-se então que somente a luta, a mobilização não é suficiente para elevar a consciência. Ao terminar a luta, os velhos hábitos renascem e os mesmos comportamentos anteriores se revelam, como, venda ou aluguel da terra, trans- porte escolar como fonte de renda, pe- quenas vendas de comercialização de objetos supérfluos etc.

O assentamento é um mundo que se reduz no mapa da pequena propriedade. Fazer ver além é nossa tarefa se quisermos que este esforço anterior seja aproveitado. Emancipar é de fato construir no- vas relações sem se deixar alienar e nem dominar pelo fetiche da propriedade e do poder individual ou de grupos menores dentro da classe e da organização.

A emancipação se alcança quando conseguimos relacionar as idéias e as prá- ticas diversas. O particular, na área do conhecimento e na execução de tarefas, nos setores, existe apenas para efeito metodológico. A linha política e as dire- trizes do programa estratégico sempre são as referências para os planejamentos e as práticas concretas.