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II – A Plataforma Política

1. A Soberania Alimentar

A soberania alimentar para os camponeses é compreendida como um

direito dos povos de definir sua própria

política agrícola e alimentar sem exercer “dumping” (venda a preços abaixo do custo de produção) sobre outros países. Ela compreende como necessidade a pri- oridade para a produção de alimentos sa- dios, de boa qualidade e culturalmente apropriados, para o mercado interno, mantendo a capacidade dos camponeses produzirem alimentos com base em um sistema de produção diversificado, sus- tentável, garantindo a independência e a soberania das populações.

A soberania alimentar supõe o acesso à terra, disponibilidade de crédi- to, preços remuneradores para os cam- poneses, comercialização garantida e regulação da produção para o mercado interno impedindo a formação de exce- dentes. Pressupõem também a elimina- ção de todos os subsídios diretos e indi- retos para às exportações de produtos agrícolas.

Entendemos que a agricultura não deve ser objeto de negociações e trata- dos internacionais em instâncias comer- ciais como a OMC (Organização Mundi-

al do Comércio) e nos oporemos a todas as iniciativas dos governos imperialistas e de suas empresas transnacionais de que- rem impor os tratados de livre comercio às nações e aos povos do mundo.

Lutaremos com todas as nossas for- ças contra todas as organismos internaci- onais que cumpre o papel de guardiões do capital (FMI, Banco Mundial, OMC) e atentam contra uma agricultura soberana.

2. A Biodiversidade

A biodiversidade, tem como base fundamental o reconhecimento da diver- sidade humana, a aceitação de que so- mos diferentes e de que cada povo e cada pessoa tem liberdade para pensar e para ser. Vista desta maneira, a biodiversidade não é só a flora e fauna, solo, água e ecossistemas. É também culturas, siste- mas produtivos, relações humanas e eco- nômicas, formas de governo.

A diversidade é a nossa própria for- ma de vida. A diversidade vegetal nos dá alimentos, remédios, moradia, assim como a diversidade humana, com pesso- as de diferentes condições , ideologia e religião nos dá a riqueza cultural. Isso demonstra que temos que evitar que se imponham modelos onde predomine uma só forma de vida ou um só modelo de desenvolvimento.

Nós opomos a que se privatizem e patenteiem os materiais genéticos que dão origem à vida, à atividade camponesa, à atividade indígena. Os gens, a vida, são propriedade da própria vida. Nós, os cam- poneses a temos protegido, cuidando dela com uma educação clara de geração em

geração, com um profundo respeito à natureza. Somos nós, os camponeses, que realizamos o melhoramento genético e nossa maior contribuição é a evolução de cada uma das espécies.

Por isto nos opomos resolutamente a introdução de organismos transgênicos no ambiente, seja na agricultura, nas plan- tações, na pecuária ou qualquer outros cultivos no meio ambiente.

Combateremos decididamente as sementes terminator porque elas atentam contra o sentido da vida e de sua repro- dução, pois se trata de uma semente sui- cida que visa beneficiar apenas as gran- des empresas transnacionais a ampliarem seus lucros.

Nos opomos também à introdução de espécies exóticas, inadequadas aos nossos ecossistemas, com a introdução de plantações homogêneas, industriais, como a de eucalipto, pinus, acácia, etc.

Entendemos que a biodiversidade deve ser a base para garantir a soberania

alimentar, como um direito fundamen-

tal e básico dos povos e não negociável. Nos propomos a conservar a di- versidade biológica e cultural de nossos ecossistemas, cuidando do conjunto dos organismos vivos em seus habitat e tam- bém as interdependências entre eles den- tro do equilíbrio dinâmico, próprio de cada região ecológica e das características sin- gulares das espécies, assim como a interação social e ecologicamente susten- tável dos povos que vivem na região. A preservação da diversidade biológica e cultural, da integridade e da beleza dos sistemas ecológicos dão sustentabilidade

às múltiplas funções ambientais e aos benefícios que o ser humano obtém para si e para as futuras gerações. Entre ou- tros: água potável, alimentos, medicinais, madeiras, fibras, regulação climática, pre- venção de inundações e doenças. Ao mesmo tempo que constituem as bases do sustento da recreação, da estética e da espiritualidade assim como o suporte da conformação do solo, a fotossíntese e o ciclo de nutrientes, entre outras fun- ções vitais para o sustento de toda a hu- manidade.

3. Os Recursos Genéticos, Direitos dos Campo-

neses e Comunidades Rurais

Para nós camponeses, as sementes são o quarto recurso que gera a riqueza da natureza, depois da terra, da água e do ar. Por isto as sementes são um patrimônio dos povos, a serviço da hu- manidade. Os recursos genéticos são os elementos básicos para produzir alimen- tos, vestuários, habitação combustíveis, remédios, equilíbrio ecológico, paisagem rural, todos de grande importância para nós e para a sociedade.

O reconhecimento pleno dos direi- tos dos camponeses sobre os recursos genéticos e seus conhecimentos associa- dos, só podem se explicar na história e na diversidade. Esses direitos ultrapassam os marcos jurídicos da propriedade inte- lectual (privada).

Assim reclamamos o direito à pro- priedade da vida e nos oporemos à pro- priedade intelectual sobre qualquer for- ma de vida.

Reclamamos o direito ao controle dos recursos naturais, bem como o direi- to a decidir sobre o futuro deles e a defi- nir o marco jurídico sobre a propriedade desses recursos. Entendendo que os di- reitos dos camponeses são de caráter eminentemente coletivos.

Lutaremos para que se declare uma moratória à liberação e comercialização de organismos genéticamente modifica- dos e seus produtos derivados. Que se aplique o princípio da precaução e pre- venção.

4. Reforma Agrária e as Mudanças Sociais no

Campo

4.1. Democratização da Terra, dos Meios de Produção e o Uso da Terra

A propriedade ou posse da terra deve estar subordinada ao cumprimento de sua função social. A posse e uso da terra poderá ser exercida de várias for- mas como: familiar, associativa, coope- rativa, de empresa comunitária, estatal, pública, etc. de acordo com as necessi- dades sociais de cada região.

Para isso se deverá alterar a atual estrutura de propriedade realizando de- sapropriações (com indenizações aos pro- prietários, através de Títulos da Dívida Agrária, correspondente ao valor decla- rado no Imposto Territorial Rural) e ex- propriações (sem indenização, nos casos de: grileiros, criminosos, cultivo de dro- gas, contrabandistas, trabalho escravo, etc...); para que se garanta o direito de todos trabalharem na terra.

Junto a isto também deverá ser es- tabelecido um limite máximo de proprie- dade privada da terra, bem como acres- centar um limite do uso da terra sob monocultura. Ademais, é fundamental que seja impedida a expansão da frontei- ra agrícola nos biomas do Cerrados, Flo- resta Amazônica, Pantanal e Mata Atlân- tica através de uma alta tributação de novas áreas colocadas sob produção.

4.2. A Organização da Produção e as Mudanças Tecnológicas

Buscaremos organizar uma agricul- tura diversificada, através dos policultivos, rompendo com a monocultura, buscando promover uma agricultura saudável, limpa de venenos e independentes dos insumos industriais, gerando uma alimentação de qualidade e em quantidade, viabilizando a soberania alimentar do nosso povo. Que este novo modelo produtivo, gere também uma nova base alimentar e com ela uma nova forma de consumo, mais equilibrada, ade- quada ao ecossistemas locais e que seja culturalmente ajustada. Disto depende a realização de um planejamento orientador da produção, adequando a vocação na- tural das regiões aos mercados próximos e às necessidades sociais.

Esta produção estará embasada em diferentes formas de cooperação, que permita racionalizar o uso dos recursos naturais, otimizar o uso do meios de pro- dução e do crédito, proporcionando o aumento da produtividade física e do tra- balho. Estas formas de cooperação de- verão estar ajustas as experiências dos trabalhadores e as suas tradições e reali- dades locais. Bem como, buscaremos

uma integração permanente da produção com a agroindústria, visando aumentar a renda dos camponeses e a qualidade dos alimentos.

Os assalariados deverão se organi- zar para participar, controlar, autogerir, organizar cooperativas, ou co-participa- rem na gestão das empresas aonde tra- balham. Os assalariados terão os direitos trabalhistas e sociais garantidos, como salário digno, condições de trabalho, jor- nada de trabalho adequada. E participa- ção no resultado econômico das empre- sas. Bem como programas de capacitação e especialização permanentes.

Para a organização desta novo pa- drão produtivo deve-se desenvolver pes- quisas e técnicas agroecológicas adequa- das a cada região, buscando o aumento da produtividade do trabalho, das terras, mas com equilíbrio do meio ambiente e conservação dos recursos naturais. Bem como utilizar manejos agroecológicos e desenvolver programas massivos de capacitação técnica dos agricultores em todas as regiões do país. Especializando quadros em diferentes áreas específicas do novo modelo tecnológico, com base na ciência agroecológica, visando a pro- moção de uma agricultura sustentável.

Os serviços de assistência técnica e de extensão rural do Estado deverão es- tar voltados para as prioridades da refor- ma agrária e para a implementação desse novo modelo agroecológico.

4.3. A Agroindustrialização do Campo

O programa de reforma agrária de- verá ser um instrumento para levar a in-

dustrialização ao interior do país, promo- vendo um desenvolvimento mais harmô- nico entre as regiões, gerando mais em- pregos no interior, e criando oportunida- des para a juventude.

Este programa de agroindústria de- verá proporcionar um processo de desen- volvimento que elimine as diferenciações existentes entre a vida na cidade e a vida no campo. Esta produção obtida e bene- ficiada deverá ser prioritariamente comercializada nas respectivas regiões, descentralizando o consumo.

4.4. O Desenvolvimento Social

O desenvolvimento da produção agropecuária e agroindustrial deverá ser acompanhado por um amplo programa de atendimento social, por parte do Esta- do, que garanta a toda a população do campo:

• alfabetização de todos que vivem no campo, sobretudo os jovens e adul- tos;

• garantia de escola pública e gratuita até o segundo grau, em todos muni- cípios, com ensino adequado à reali- dade local.

• valorização dos professores no cam- po, garantindo-lhes remuneração jus- ta e integrando-os às atividades da comunidade;

• atendimento médico-hospitalar e pro- gramas de saúde preventiva e me- dicina alternativa gratuitos;

• implementação da construção de mo- radia para todo o povo;

• um programa massivo de cultura e lazer que represente a democratiza-

ção e o acesso à cultura a todos tra- balhadores do campo;

• democratização dos meios de comu- nicação social.

4.5. A Política Agrícola

A política agrícola é o conjunto de medidas e instrumentos de que o governo dispõe para estimular a produção agropecuária e orientá-la de acordo com seus objetivos. Buscando também au- mento de renda para todos os campone- ses que produzem alimentos.

Este aumento de renda virá com pre- ços compensatórios aos camponeses e pela garantia da compra da produção pelo Es- tado através de compras antecipadas da produção dos camponeses, auxiliando na planificação da produção nas regiões, an- tecipando as condições para o desenvol- vimento das atividades agrícolas.

O Estado deverá garantir a infraestrutura para o comércio (transporte e armazenagem) e estimular a produção de todos os produtos básicos para alimen- tação, e em caso necessário, subsidiar o consumo, fazendo com que toda popula- ção tenha acesso ao mínimo necessário, para eliminar completamente a fome no país. Deve-se evitar a importação de pro- dutos que se pode produzir aqui.

Esta produção camponesa deverá ser protegida por um seguro agrícola que garanta o valor do trabalho e da produ- ção. O crédito rural dos bancos públicos deverá ser orientado para investimentos produtivos, para as atividades prioritárias da reforma agrária e para investimentos sociais, tendo programas subsidiados.

O Estado deverá dar estímulos para a produção agroecológica, buscando uma agricultura sustentável, e incentivar tam- bém a formação de bancos de sementes associativos.

5. Gênero

O modelo econômico neoliberal, que submente a todos à competição global, é mais desvantajoso e injusto com as mu- lheres. Tira os seus direitos de cultivar alimentos e as força a uma luta insegura pela sobrevivência, delas e de suas famí- lias. Traz consigo o êxodo rural, ruptura familiar e comunitária, desemprego, bai- xos salários e dependência econômica.

As mulheres tem uma longa tradi- ção em recolher, escolher e propagar va- riedades de sementes para usos alimentí- cios e medicinais. São as protetoras pri- márias dos recursos genéticos e da biodiversidade do mundo. O conhecimen- to tradicional das mulheres deve ser hon- rado e respeitado. Para isto precisam ter acesso à terra por direito próprio. Estamos comprometidos em garantir que as mu- lheres tenham a segurança da posse da terra e o acesso igual ao crédito e à capacitação necessária para melhorar a produção dos alimentos.

As mulheres que trabalham na agri- cultura ou nos setores de serviço rural não recebem o mesmo pagamento que os homens. A discriminação baseada em gênero é uma injustiça fundamental con- tra as mulheres e isto é intolerável.

A confiança, a auto-estima e o po- tencial humano das mulheres está debili- tado cruelmente pela subjugação e o abu-

so que sofrem muitas delas dentro dos seus próprios lares. Comprometemo-nos a respeitar as mulheres e a proteger seus direitos de serem livres de violências do- mésticas e de repressão.

As organizações camponeses devem reconhecer o papel chave das mulheres em suas estruturas organizacionais e po- líticas. A igualdade e a participação de- mocrática completa de mulheres dentro das nossas próprias organizações devem modelar a igualdade social e política para a qual estamos lutando. As mulheres tem o direito ao acesso amplo e completo à participação nos espaços de tomada de decisões. As barreiras à participação de- mocrática e de lideranças de mulheres devem ser sistematicamente apagadas.

6. Os Direitos Humanos

Reconhecemos que os princípios fundamentais que governam os direitos

humanos são universais e tem que ser

mantidos, respeitados e implementados pelo Estado Brasileiro, garantindo o bem estar, a dignidade, a igualdade e a demo- cracia em nosso país.

No entanto, os massacres, os desa- parecimentos, os despejos forçados, as torturas e tratamentos cruéis, a criminalização da atividade social e do protesto, são todos dramas que vivem centenas de trabalhadores no Brasil. Nas estatísticas atuais de desigualdade mun- dial (social, econômica, de gênero, polí- tica e cultural) os camponeses ocupam os primeiros lugares de marginalização e isto não é diferente no Brasil.

Lutaremos pelo respeito, promoção

e aplicabilidade dos direitos civis, políti- cos e sociais, em nosso país, sejam aque- les já estabelecidos em leis, sejam aque- les que ainda não foram reconhecidos e garantidos legalmente.

Lutaremos também pelo desmantelamento do aparelho policial- militar repressivo, o que implica no desmantelamento das polícias militares e dos serviços de inteligência interna, sen- do isto uma das condições para o exercí- cio popular da cidadania.

IIIIIII – Os Mecanismos de Implemen-