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3.2. AGENTES DA ILUMINAÇÃO NO TAC

3.3.1 Iluminadores Influentes

Entre os profissionais que despontavam na iluminação cênica nacional no início da década de 1980 e que passaram pelo Teatro Álvaro de Carvalho, estão: Jorginho de Carvalho, Aurélio de Simoni, Luiz Paulo Nenen e Beto Bruel.

Jorge Carvalho Moreira (RJ - 1946) iniciou suas atividades no Grupo Tablado da diretora Maria Clara Machado, em 1964. Depois de encarregar-se pela montagem de luz de alguns trabalhos do grupo assinou, em 1966, sua primeira criação de luz. Não pairam dúvidas sobre seu pioneirismo na iluminação cênica moderna no Brasil, pois foi através do seu trabalho que a função ganhou reconhecimento e inclusão nas fichas técnicas a partir de meados dos anos de 1960. Jorginho, como é popularmente conhecido, não parou mais e esteve presente na criação de luz para espetáculos marcantes na cena nacional nos anos de 1970, como Cemitério de Automóveis de Fernando Arrabal, dirigido pelo franco-argentino Vitor Garcia e com produção de Ruth Escobar. Gracias Señor criação coletiva do Teatro Oficina, e direção de José Celso Martinez Correa.

Rasga Coração de Oduvaldo Viana Filho, com direção de José Renato. Trate-me Leão do Grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, direção de Hamilton Vaz Pereira.44

Das suas inúmeras criações de luz pinçamos dois espetáculos que vão ter uma relação direta com o Teatro Álvaro de Carvalho, A Ópera do Malandro, texto de Chico Buarque de Holanda e direção de Luiz Antonio Martinez Correa, que estreou em 1978, e Aquela Coisa Toda do Grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone

91 com direção de Hamilton Vaz Pereira, em 1980, ambos estreados no Rio de Janeiro. Esse dois espetáculos se apresentaram no TAC. A Ópera do Malandro fez temporada de 11 a 15 de junho de 1980, e Aquela Coisa Toda, apresentou-se de 19 a 21 de junho de 1981. Estes dois espetáculos traziam a iluminação de Jorginho de Carvalho; Helinho se lembrou dessas passagens e faz o seguinte comentário: “conheci o Jorginho de Carvalho, [...] essas pessoas vinham para cá e a gente colava do lado né, colava do lado para poder ver o que eles estavam fazendo, o que é que eles fizeram”.45 Esta apropriação do conhecimento pelo contato, trabalhando em conjunto, é a mais constante forma de transmissão do domínio técnico nas áreas artísticas, até os dias atuais. E esse procedimento possibilitou, e ainda possibilita, que o conhecimento dos meandros internos do trabalho cênico se propague e se dissemine na medida em que as companhias excursionam pelo Brasil afora. Nesse caminhar as companhias levaram, e ainda levam, não apenas diversão/lazer através de seus espetáculos, mas também expõem a tecnologia dos bastidores para construção de seus espetáculos. E isso ocorre, especialmente, por estarmos envolvidos em uma arte essencialmente artesanal.

As palavras acima, de Helinho sobre o seu aprendizado, e a percepção de como funcionava o aprendizado do iluminador no teatro brasileiro, encontra respaldo numa resposta de Aurélio de Simoni sobre o seu processo de aprendizado na área. Simoni utiliza, em sua exposição a seguir, as mesmas palavras empregadas por Helinho, quando entrevistado por Godois: "Quer aprender luz? Cola com quem faz!'. É assim até hoje a formação do profissional brasileiro. Por mais autodidata que sejamos, a troca de informações, teóricas ou práticas, entre aqueles que trabalham, aprimora o resultado de um bom trabalho".46

Aurélio de Simoni (RJ - 1948) foi da geração que firmou o crédito de iluminador nas fichas técnicas dos espetáculos profissionais, realizando uma centena de iluminações para diretores cariocas representativos. Aos 30 anos abandonou a carreira de militar e passou a atuar inicialmente como operador de

45 Euclides Helio de Souza. Entrevista concedida a Ivo Godois em 04 de agosto de 2009 46 http://www.agentesevenoteatro.com.br/entrevista/index/60/0/Aurelio_de_Simoni.

92 luz, procedeu a várias assistências de iluminação para Jorginho de Carvalho47.

Simoni descreve da seguinte forma este seu início:

Com a efetivação da função de operador, fui aprendendo de maneira empírica e assimilando conhecimento junto aos iluminadores e outros técnicos que iam levar seus trabalhos ao teatro onde eu era o responsável. Com seis meses de trabalho conheci Jorginho de Carvalho que, graças ao seu espírito de permitir que seus ajudantes participassem de seus raciocínios na criação da luz dos seus espetáculos, fui entendendo o "por quê" da luz. Luiz Paulo Neném, também auxiliar de Jorginho, proporcionou-me adentrar no mundo tecnológico da luz (seu raciocínio lógico é formidável). Foi um período altamente fértil na minha formação. Depois de um tempo comecei a criar "minhas luzes".48

Simoni absorveu conhecimentos para assinar seu primeiro trabalho como criador de iluminação em 1979, no espetáculo Ponto de Partida, de Gianfrancesco Guarnieri. A partir de 1980, estabeleceu então a parceria com Luiz Paulo Nenen com quem criou e realizou a iluminação de uma média de oito espetáculos por ano até 1984. Em 1982, a dupla de iluminadores recebeu o Troféu Mambembe pelo conjunto dos trabalhos. A partir de 1984, passou a trabalhar sozinho, fazendo a iluminação para diversos diretores.

Os técnicos do TAC mantiveram contato com Simoni, além de 1982, quando da passagem do espetáculo Sonho de Uma Noite de Verão, também em 1987, quando ele esteve em Florianópolis fazendo a iluminação de Fedra, de Racine, com interpretação de Fernanda Montenegro e Edson Celulari. Espetáculo apresentado no Teatro Ademir Rosa (CIC). Osni Cristóvão relatou seu contato com Aurélio:

O Aurélio veio junto e eu viajei com eles, daqui a gente viajou pra Blumenau, no Teatro Carlos Gomes, e eu fui como ajudante de iluminação. A mesa que foi pra Blumenau, Blumenau não tinha uma mesa de iluminação, foi a nossa mesa, eu fui junto com este equipamento. O Aurélio de Simoni era o iluminador. A criação da luz da peça Fedra e ele viajava, depois de um tempo que ele não viajou mais, ele só criou iluminação.49

47http://www.itaucultural.org.br/enciclopedia/teatro/simoni. Acesso em 14/01/2011 48http://www.agentesevenoteatro.com.br/entrevista/index/60/0/Aurelio_de_Simoni.

Acesso: 31/01/2011

93 A mesa a que se refere Osni foi uma mesa da marca GCB do Teatro Álvaro de Carvalho. A fala de Osni nos revela também a precariedade de equipamentos das casas de espetáculos de Santa Catarina, visto ser o Teatro Carlos Gomes o único teatro da cidade de Blumenau a não possuir uma mesa de luz para as apresentações em seu interior. Ao mesmo tempo a fala nos revela a relação muito confusa entre bem público e as companhias de renome que se apresentavam por aqui. Ou seja, é possível levar um equipamento importante de um teatro para a turnê de uma companhia pelo Estado de Santa Catarina. Evidente que para isso foi significativo o nome da grande atriz Fernanda Montenegro. Mas, revela uma promiscuidade constante entre o bem publico e uma ação privada. Também revela a importância dos técnicos do Teatro Álvaro de Carvalho, pois Osni era deste espaço e foi auxiliar no CIC e, posteriormente, circulou pelo Estado, mostrando que, além do TAC, eles levavam conhecimento pela demais casas do estado catarinense.

Outro técnico, Daniel Falcão Lins, também declarou ter tido contato direto com Aurélio mostrando que mesmo com o passar dos anos as pessoas que tiveram aprendizagem com estes iluminadores não esqueceram seus mestres. “via a iluminação, primeiro eles faziam, eu não sabia quem eram as pessoas. A única pessoa que eu lembro bem que eu trabalhei [foi] com o Aurélio ... eu não sei o sobrenome dele mas era da área”.50 Carlos Falcão também manteve contato

com Aurélio. O mesmo afirma que o conheceu em um treinamento no Centro Técnico da FUNARTE, no Rio de janeiro.

Segundo o técnico Eugenio de Andrade, o iluminador Aurélio de Simoni esteve em Florianópolis dando uma Oficina, não foi possível encontrar informações sobre a data e o local da realização deste curso. Diz Eugenio:

O Aurélio teve aqui, deu uma oficina bem legal pra gente, na verdade. [...] a oficina não foi maravilhosa tecnicamente, em função das condições de trabalho [segundo o entrevistado o espaço não era apropriado], ...mas ela levou a gente no raciocínio dele, isso foi bacana, de ver como ele olhava, como ele situava a iluminação naquela época né, ele que era tido como ... um dos melhores da época, a gente aprendeu o raciocínio dele isso...tecnicamente não foi muito interessante a oficina não.51

50 Daniel Falcão Lins. Entrevista concedida a Ivo Godois em 26 de maio de 2009 51 Eugenio de Andrade. Entrevista concedida a Ivo Godois em 03 de junho de 2009.

94 Luiz Paulo (Nenen) Peixoto (SP - 1957) é natural da cidade paulista de Santa Cecília, se mudou para o Rio de Janeiro ainda garoto. Principiou sua carreira como assistente e operador de iluminação para Jorginho de Carvalho. Nessa fase trabalhou, entre outros espetáculos, na peça Lenços e Ventos de Ilo Krugli. Inicia sua carreira individual como iluminador no ano de 1975 no espetáculo Pic Nic no Front, de Fernando Arrabald e direção de Paulo Reis.52 Foi

evoluindo em uma carreira sólida até se consolidar definitivamente com a junção de parceria com Aurélio de Simoni, no ano de 1980.

No ano de 1981, mais precisamente de 26 a 28 de junho, conforme o jornal O Estado de 27 de junho de 1981, a parceria Aurélio de Simoni e Luiz Paulo Nenen passou pelo Teatro Álvaro de Carvalho como iluminadores do espetáculo

Sonho de Uma Noite de Verão com o Grupo Teatral Caravana em Cena, do Rio

de Janeiro. Além de trazer uma ideia criativa e também contribuir para o desenvolvimento dos técnicos do Teatro Álvaro de Carvalho, Nenen e Simoni angariaram a admiração de Euclides Helio de Souza. Este, após assistir à apresentação, os seguiu ao Rio de Janeiro, permanecendo um ano em processos de aprendizagem e trabalhos de operação de som e luz para grupos cariocas.

Outro profissional que passou pelo Teatro Álvaro de Carvalho no início da década estudada, foi Luiz Roberto Bruel (PR - 1950) ou popularmente conhecido como Beto Bruel. Sua carreira como iluminador iniciou no ano de 1971, no Teatro Guaíra de Curitiba/PR. Ele estudava no Colégio Estadual do Paraná e junto com amigos se propuseram a montar a peça Pobre Diabo, no Guairinha, e ninguém pensou na luz, veio então a frase definidora: "Bruel, você poderia ser o iluminador ?, pediram a ele. Sem nenhuma experiência, mas com muita vontade, ele disse sim".53 Desse princípio construiu-se uma carreira sólida nos anos de 1970. O

Teatro de Bolso, que existia na Praça Rui Barbosa, de Curitiba, foi seu laboratório inicial. Manoel Carlos Karan (1947 – 2007) era diretor e criou, em 1973, o Grupo Marge. Toda a iluminação foi de Bruel e tinha que atender a somente uma requisição do diretor: ousar, experimentar e fazer o inusitado.

52 htpp/www.itaucultural.org.br/enciclopedia/teatro/nenen

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Depois de participar de várias montagens, Bruel receberia, em 1974, um convite de Oraci Gemba. Fazer a luz da montagem Marat-Sade, um desafio, com uma exigência de luz bem mais complexa do que tudo que ele tinha feito até então. “Considero Marat-Sade o início de minha profissionalização".54

Bruel trabalhou arduamente em feiras e eventos, atuava com iluminador em espetáculos de teatro e música, e com isso viajou o Paraná para fazer a luz da banda Blindagem. Aos poucos o reconhecimento veio e passou a ser chamado para fazer a luz das cantoras Wanderléia e Clara Nunes, quando estas se apresentavam em turnês pelo Estado. No ano de 1980 montou sua própria empresa de iluminação cênica chamada Tamanduá. No ano de 1981 passou pelo TAC como iluminador da peça Dos Seios Dessa Mãe Gentil, do Grupo Prisma de Curitiba.

Em 1982 Bruel esteve em Florianópolis fazendo a iluminação do espetáculo Zumbi, numa montagem do Grupo Armação, e dirigida por Orací Gemba, de Curitiba, convidado pelo grupo de Florianópolis para esta direção. As apresentações se deram entre 09 e 15 de agosto, e 22 a 24 de outubro de 1982. Essa produção já tinha sido realizada por Beto Bruel e Gemba no Teatro Guaíra/PR. Em Florianópolis, Bruel contava com o desafio de propor a mesma iluminação em uma casa com tamanho muito reduzido, se comparada com o Teatro Guaíra, o Teatro Álvaro de Carvalho, e com a parceria do técnico de iluminação da casa, Carlos Falcão. Além do apoio do diretor, Beto pode desfrutar de equipamentos de iluminação da sua empresa, há pouco tempo montada, a Tamanduá. Assim, montou no TAC os projetores PAR com muita potência de luminosidade. Sobre o processo de montagem da iluminação do espetáculo

Zumbi, Renato Conradi, que trabalhava como técnico de som, mas também

ajudava na iluminação, relata com detalhes a criação e a árdua tarefa de montagem nos dias anteriores à estréia. “Do Zumbi a gente tentou, assim criar um coisa mais tecnológica, pra época. Sabe em termos, principalmente, em termos de afinação, porque o cenário era... era como se fosse um navio né.. um navio negreiro”.55

54 Idem.

96 Com a grande quantidade de equipamentos aplicados na montagem, vindos da empresa Tamanduá, o que não era normal ser usado no TAC devido a pouca quantidade de equipamentos existentes, não faltou os que se espantaram com o brilho potente dos projetores PAR sendo usados pela primeira vez no espaço. As reações apareceram em críticas da imprensa local ao descrever que a iluminação estava mais para o Teatro Guaíra de Curitiba do que para o TAC, em Florianópolis.

Para quem assistiu ao espetáculo Zumbi da platéia, já com um bom conhecimento de iluminação, foi Cláudio Morais que deu o seu depoimento sobre a luz salientando o fato sobre o bom êxito dos efeitos:

[...] eu fui assistir o espetáculo e tu sabes como iluminador, você quando vai assistir um espetáculo, é, é... tu focas só a iluminação, tu és um crítico na platéia e isso às vezes é ruim [...] mas foi a iluminação perfeita que foi feita na época pelo Falcão parece (Morais).

Faz-se necessário reencaminhar a fala acima, pois na memória do Cláudio perdeu-se o nome de Beto Bruel. Carlos Falcão atuou, mas não foi ele o criador dessa iluminação. Ainda sobre a iluminação de Zumbi, Euclides Helio de Souza nos traz maiores detalhes sobre a criação e estética usadas. Ele estava em convívio conjugal com a figurinista do espetáculo, Albertina Prates e também participou da obra cênica enquanto diretor musical. Helinho descreve que:

Eu não trabalhava na luz, mas eu dava meus "pitacos" lá também porque eu tinha que ver a iluminação com aquilo que a Albertina tinha criado né, eu já tinha uma noção de cores que podiam ser codificada ou não, e foi uma iluminação perfeitíssima, do Grupo Armação, [...] mas esse novo gênero de iluminar foi porque o Gemba, Oraci Gemba, que tinha sido diretor do Teatro Guaíra no Paraná, veio para cá sendo diretor desse espetáculo e trouxe essa concepção de luz, certo?, então ele, ele iluminava, ele criava uma, ele criou um tipo de iluminação que era, foi a primeira que teve aqui, que eram aquelas iluminações de fundo, que iluminavam, que criavam, que raiavam, a iluminação por trás do cenário (Souza).

Se analisarmos os detalhes citados, entendemos também o impacto causado no público local. A criação contou não só com a influência do diretor, mas também dos técnicos locais e da experiência do técnico e iluminador

97 convidado, o Bruel, resultando num impactante espetáculo para os parâmetros exibidos em Florianópolis da época.