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1.4 REFORMAR OU DEMOLIR???!!!

2.1.1 Um palco não definido

Após a inauguração em 07 de setembro de 1875, o teatro ficou sob a administração do empresário José Feliciano Alves de Brito, sob a forma de arrendamento pelo Estado. A responsabilidade de manter o teatro em condições de uso era do arrendatário, conforme previa a Lei no 820, de 28 de março de 1877: “Artigo 4o – Parágrafo Único – Tanto a iluminação, como o fornecimento de cadeiras nos camarotes e na platéia, serão feitos por conta das companhias a quem o Teatro for alugado ou arrendado” (Collaço, 1984:72-73). Desde o princípio, o ônus de ter uma boa iluminação foi atribuído aos usuários do espaço e não ao órgão administrador.

Diante das tantas necessidades que ainda se faziam ajustar para se ter uma boa condição de uso no recinto recém inaugurado, Francisco de Paula Senna Pereira, que ocupava o cargo de fiscal do teatro, encaminhou ao Presidente da Província, em novembro de 1879, um relatório no qual descrevia as condições do estabelecimento e o que devia ser executado para reparar os problemas:

Declaro achar-se o edifício carecendo de pintura e caiação geral; refazer o assoalho do palco [...]; substituir algumas taboas da platéia [...]. Desmanchar o palco para dar-lhe a inclinação

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necessária [...] fazendo-lhe o porão reclamado para o movimento dos alçapões; construir junto as paredes laterais da caixa duas varandas em comunicação com o urdimento, para a movimentação de panos, bambolinas, etc. Construir camarins para os artistas. [...]. Destacar o arco do proscênio, alinhando-o pelo lado que olha para a caixa, afim dos espectadores dos camarotes possam melhor ver o palco, revestindo-o de madeira e dando-lhe o dobro da largura que ora tem, para melhorar as condições acústicas do edifício, que atualmente são péssimas [...]. Construir uma escada que dê entrada para a galeria independente da dos camarotes. Fazer na mesma galeria uma bancada fixa em inclinação, a fim de dar comodidade aos espectadores e admitir maior numero destes ( Collaço, 1984: 88-89).

Os relatos acima descritos pelo fiscal nos deixam enxergar um espaço teatral bastante precário para seu funcionamento. Foi dessa forma que o governo provincial adquiriu e inaugurou o Theatro Santa Izabel. O fiscal do teatro estava solicitando a transformação do espaço num edifício teatral com tipologia à italiana e características apropriadas para o bom desenvolvimento das atividades cênicas, o que demonstra ter ele certo conhecimento técnico sobre a condição, considerado na época, ideal para a prática dessa arte.

Os assentos do teatro, em 1879, também eram um problema, e eram motivo de chacota pela imprensa, que criticava o uso de bancos no lugar de cadeiras na platéia. E previa-se que naquele ano o arrendatário iria substituir os “incômodos e indecentes bancos tico-tico” (O Despertador, 11 fev. 1879) por cadeiras de palhinha. As mesmas foram adquiridas, pois no ano seguinte, 1880, o arrendatário do teatro ofereceu ao governo 27 dúzias de “cadeiras americanas”. O governo adquiriu o material. Mas a saída do arrendatário anterior deixou o teatro “depenado”: “Se o nosso teatro era pobre, respeito a cenário, agora ficou pior com a retirada dali de todos os bastidores, traineis e panos”.25 Este material foi refeito pelo novo arrendatário, José Coutinho. Em 1881 este administrador vende ao Governo Provincial todo o material que havia adquirido para o teatro. A Administração pública vai então equipando o desfalcado Theatro Santa Izabel. Já no ano de 1884 foi a vez do palco receber algumas melhorias, pois autorizou-se a aquisição de um novo pano de boca para o teatro.26

25 O Despertador. Desterro, 22 de abril de 1879. 26 A Regeneração. Desterro, 24 de agosto de 1884.

49 No governo de Hercílio Pedro Luz (1860 – 1924), o teatro continuou sendo arrendado a terceiros que o deviam gerenciar. Na gestão (1894 – 1898) desse governador se procederam a melhorias no Teatro, entre as quais a aquisição de um lustre para iluminar o espaço denominado salão de frente. Mas as boas intenções não tiveram um final meritório, pois em 1899, na gestão do governador Felipe Schmidt (1860-1930), o jornal local O Estado, de 28 de abril de 1899 (In.Schmitz, 2005), pronunciava críticas ferozes sobre o abandono em que o teatro se encontrava:

[...] o próprio governo admitia que ‘é indispensável substituir as cadeiras da platéia e camarotes, bem como o panno e os scenarios, completamente estragados’. Em 1899 e 1900, vultosos recursos foram enfim aplicados no teatro, incluindo melhorias na pintura e outros serviços (Schmitz, 2005: 45).

Mesmo transformado em cinema, no início do século XX, o espaço continuava a apresentar problemas que incomodavam seus frequentadores, e que apareciam em forma de reclamações constantes nos jornais da cidade:

Todo mundo se queixa que não nos visitam companhias de real valor. Nada mais explicável! Com um teatro como o nosso com pouco mais de 200 cadeiras e 40 frisas e camarotes é claro que não há nenhum empresário que queira contratar companhia para trabalhar em Florianópolis. Se elas viessem, a cadeira custaria 10$ a 12$ e a gritaria seria tremenda. Por outro lado, os nossos governos, de certo tempo, esta parte não auxiliam com um centil, uma Empresa ou Companhia.27

As manifestações também apontavam o que deveria ser reformado e o que estava incomodando os frequentadores, mas nada se comenta sobre melhorias no sistema de iluminação ou aquisições de materiais desta área. Percebe-se nos apontamentos que o Teatro Álvaro de Carvalho sempre apresentou uma composição de tipologia arquitetônica italiana, com galeria bem acima do recinto, camarotes na parte intermediária e platéia na parte mais abaixo dos demais:

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Altos como estão, os camarotes do Cinema Variedade precisam elles de uma taboada a fim de as senhoritas que neles ocuparem os lugares da frente não fiquem tão expostas aos olhares curiosos dos que estão em baixo, na platéia. Esse inconveniente tem sido talvez a razão porque esses camarotes quase sempre estão desocupados, ao passo que, com as frizas, já não acontece o mesmo (Schmitz, 2005:48).

Imagem n. 16 – Visão interna do TAC provavelmente na década de 1920 ou 1930

Fonte: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.

A imagem acima é bastante rica em relação à visualidade do interior do TAC. Destaco em primeiro lugar a festividade, certamente um baile destinado à elite ilhoa. Nesse sentido, o teatro está todo decorado, nas frisas e camarotes. Grandes fitas pendem das galerias e se fixam no lustre central da platéia. Os homens, na porta de entrada do salão, aparecem vestidos a rigor, e as damas, em bom número, estão sentadas em semicírculo na platéia.

Voltando o olhar para o espaço, pode-se perceber o assoalho plano, pois a inclinação da platéia hoje existente no TAC, destinada a melhor visibilidade e conforto dos espectadores, foi fruto de reformas da segunda metade do século XX. Percebe-se também que os camarotes e a galeria possuíam um harmonioso gradil de ferro, que desapareceu com a reforma de 1955, e em seu lugar foi

51 colocada uma estrutura de alvenaria e compensado. Mas é com essa situação que a crítica acima estava preocupada: o gradil deixava ver os camarotes de baixo para cima. E talvez tenha sido essa a razão de sua retirada em 1955. Nessa imagem podemos ainda visualizar as quatro estruturas destinadas ao público no interior desse teatro: platéia, aqui sem as cadeiras; frisas localizada após a platéia e na parte abaixo dos camarotes; os camarotes, sendo que o camarote central, no centro da imagem, era destinado ao governador de Santa Catarina; e, por fim, a galeria, bem acima e destinada aos que tinham menor poder aquisitivo.

O espaço do TAC era, com freqüência, objeto de relatos e manifestação de desconforto para os críticos locais: “A nossa capital tem um teatro, um casarão velho, um templo em ruínas, não tem cenário, não tem gambiarra, não tem bambolinas” (Diário da Tarde, 12 jul. 1939). Compreende-se por estes pequenos apontamentos a precariedade das condições técnicas dessa casa para a representação cênica, e que nestes podiam se valer também as condições dos equipamentos de iluminação cênica.

Agenor Nunes Pires, do jornal Diário da Tarde, em 13 de setembro de 1939, escreveu uma crítica que aponta alguns problemas existentes no espaço:

O teatro, como já tivemos ocasião de afirmar, não possui um único cenário, e tanto assim é que as sociedades que ali funcionam Recreio Dramático e Centro de Cultura Teatral, para poderem realizar as suas festas viram-se obrigadas a mandar fazer cenários, que são verdadeiros narizes de cera para todos os atos das peças representadas. São sempre as mesmas salas para casa pobre, palácio, varanda, quarto, cabine e cozinha.

A platéia é pequena em relação ao tamanho do edifício, ao passo que a caixa é grande em demasia.

Os camarotes são acanhados e péssimos, sobretudo aqueles de onde partiam as colunas. Si (Sic) fossem de ferro, ocuparia (Sic) muito menor espaço e ofereceriam mais resistência.

Com um pano de boca novo, uma pintura, os 8 cenários acima apontados, o Teatro Álvaro de Carvalho, apesar dos muitos defeitos de construção para o fim a que é destinado, será bastante confortável e muito elegante.

52 2.1.2 Configura-se o teatro à italiana

O Teatro Álvaro de Carvalho, como foi exposto acima, desde a sua construção ainda com o nome de Santa Izabel, teve uma característica arquitetônica com a tipologia consolidada na Itália, em séculos anteriores. Um espaço coberto com proporção retangular, onde o público mantém uma visão de frontalidade com relação ao espetáculo. Até 1955 o assoalho destinado à platéia era plano, devido a ser utilizado para a realização de bailes, o que dificultava visualizar a cena. Aos fundos da platéia se localizavam as frisas, uma espécie de camarote ao nível do assoalho, com uma pequena elevação de um degrau. Logo acima das frisas estavam os camarotes e outras dependências. Percebe-se que essa disposição fez parte da composição interna deste teatro.

A intervenção no TAC, sob a responsabilidade do arquiteto e engenheiro Tom Wildi Filho, em 1955, foi transformadora. Os noticiários da imprensa local observaram que pouco sobrou do teatro, a não ser as quatro paredes. Esta descrição torna-se um pouco exagerada, pois a composição interna após a troca do material de suporte voltou a um formato semelhante ao já existente. A madeira da estrutura interna foi substituída por alvenaria. Não se tem as medidas exatas, mas se sabe que os tamanhos de alguns espaços como galeria e camarote foram ampliados. Essa reforma que deu a caracterização conclusiva de tipologia italiana ao Teatro Álvaro de Carvalho (TAC) não recebeu grandes elogios junto a arquitetos e responsáveis por outras reformas, como podemos perceber no texto:

A radicalidade da intervenção, feita sob a responsabilidade do engenheiro e arquiteto Tom Windi (sic), é até hoje contestada pelos especialistas. Pouco restou do que era o Teatro Santa Isabel original, afora as quatro paredes externas. O concreto armado substituiu as antigas estruturas de madeira nas escadarias, nos camarotes e no balcão. A rica decoração interna existente foi eliminada, assim como se alterou a proporção da platéia em relação ao palco (que era maior que o atual). ‘Os belos gradis que serviam de guarda-corpo foram trocados por elementos em alvenaria e compensados’, relata a arquiteta Fátima Regina Althoff, da Fundação Catarinense de Cultura (Schmitz, 2005: 53).

53 Foi na reforma de 1955 que o teatro teve o assoalho que sustenta os camarotes proposto num sentido meio ovalado em direção ao palco, parecendo as poltronas e muretas de proteção denominadas guarda-corpo com um formato de ferradura, onde o fundo torna-se maior e a parte perto do palco mais afunilada para direcionar a visão do público. Outra modificação significativa se deu com a inclinação do espaço destinado às cadeiras da platéia. Este procedimento favoreceu a visibilidade da cena. Com a elevação dos fundos do local destinado à platéia, para fazer a sua inclinação, foram eliminadas as frisas deste espaço. Dessas frisas, só restaram as colunas que sustentam os camarotes.

Imagem n. 17 – Imagem do interior do TAC durante a reforma de 1984. Visão dos fundos do teatro, em que

fica visível seu bonito formato em ferradura. Foto: arquivo do TAC.

Com grande festa o Teatro Álvaro de Carvalho foi reaberto, após a demolidora reforma, pelo Teatro Popular de Arte (TPA) de Maria Della Costa e Sandro Polônio, que fizeram aqui uma temporada de 07 a 16 de dezembro de 1955. A reinauguração se deu com o espetáculo O canto da cotovia, de Jean Anouilh. Esta foi a primeira direção de Gianni Ratto, no Brasil. A companhia encenou ainda: A moratória, de Jorge Andrade; e Mirandolina, de Carlos Goldoni. Não foi possível encontrar dados sobre os procedimentos técnicos dessas montagens no TAC. Certamente a companhia trouxe sua equipe técnica e contou

54 com a colaboração dos maquinistas e técnicos do TAC ou de grupos locais, o que era bastante comum e ainda ocorre nos dias atuais.28

Antes da década de 1980, o TAC iria passar por mais uma reforma. Em 1975 o Departamento Autônomo de Edificações, vinculado ao governo estadual, esteve à frente da nova empreitada sob a coordenação do arquiteto Osmar Grubba. Entre as reformas, se deu a mudança do sistema elétrico e de esgoto; também foram alteradas as portas dos sanitários, que tinham sua abertura direta para a platéia. Para resolver o problema, os sanitários passaram a abrir para o saguão de entrada, evitando os barulhinhos de descarga no decorrer das apresentações. Nessa intervenção, pouco se alterou o espaço interno ou externo do teatro. Ela foi mais uma correção de defeitos e de manutenção do teatro.

Os anos de 1960 e de 1970 tiveram grande circulação de espetáculos de renome nacional, como também viram surgir novos grupos locais que se consolidaram com o apoio do palco e dos aparatos técnicos do Teatro Álvaro de Carvalho. O impacto marcante, tanto para o público como para os grupos locais, foi a passagem pelo palco do TAC do Grupo Oficina tendo a frente o diretor José Celso Martinez Corrêa. A peça Galileu Galilei, de Bertolt Brecht, foi levada ao palco com mais de 60 personagens e mobilizando 29 atores, nomes hoje conhecidos da cena nacional como Renato Borghi, Othon Bastos, Otavio Augusto, Fernando Peixoto e Cláudio Correia e Castro.