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Apesar de já terem sido discutidos nas seções anteriores deste capítulo alguns dos problemas relacionados à implementação prática da AIA no Brasil, julgou-se necessário apresentar aqui algumas considerações de ordem mais geral.

Segundo Glasson e Salvador (2000), todos os sistemas de AIA tem pontos fortes e fracos, porém os problemas em países em desenvolvimento como o Brasil são geralmente mais agudos em virtude das limitações de recursos e das pressões econômicas e políticas enfrentadas pelo país, bem como pelas limitações inerentes aos procedimentos, à legislação e ao exercício da participação. Há uma lacuna marcante entre os procedimentos e a prática da AIA.

Apesar da existência de uma regulamentação nacional principal (Resolução CONAMA nº 1/86) que se aplica a todos os estados brasileiros, a mesma resolução possibilita que cada estado execute suas próprias políticas, regulamentações e prática. A provisão que permite às autoridades estaduais e locais fazerem sua própria legislação pode levar a inconsistências através do país.

Desde o início da AIA no Brasil têm ocorrido vários problemas e enganos relacionados à prática e a fatores políticos e institucionais, reduzindo sua efetividade. A AIA é muito centralizada em nível estadual, o que limita a consciência local sobre as questões ambientais, bem como a participação dos atores locais principais (por exemplo, autoridades, ONGs, e o público em geral). A participação efetiva das autoridades de planejamento locais poderia ser fundamental, mas infelizmente na maioria das municipalidades não existem condições humanas e materiais para isso. As limitações do processo de planejamento no Brasil, especificamente sobre aspectos relacionados ao meio ambiente restringe o controle da AIA sobre os impactos diretos dos projetos, em vez de ser utilizado como um instrumento efetivo para modificar o planejamento e as políticas de desenvolvimento.

A ligação entre a AIA e o planejamento local para implementação de projetos é fraca. A única conexão é o requerimento legal de licenças ambientais para aplicações de licenciamento de edificações, mas na maioria dos casos este requerimento não é realizado no tempo apropriado ou algumas vezes não é levado em consideração pelas autoridades de planejamento locais. De acordo com Brito (1996) apud Glasson e Salvador (2001) em vários estados o licenciamento ambiental e os procedimentos de

AIA não estão sendo aplicados de acordo com a lei (Lei 6938/81 e Resolução CONAMA nº 1/86). Estas regulamentações estabelecem que o EIA/RIMA tem de ser realizado durante a etapa de licença prévia (LP), mas em muitos casos este procedimento está sendo realizado apenas na etapa de licença de instalação (LI), reduzindo o papel da AIA como um instrumento preventivo e de planejamento.

Em nível estadual, o processo de AIA é empreendido pelas SEMAs/OEMAs, com um forte foco setorial. Outras secretarias de estado que têm algum relacionamento com questões ambientais (por exemplo, secretarias de transporte e energia) estão menos envolvidas com a AIA diretamente, tendo em alguns casos apenas uma participação distante e secundária no processo, sem consulta, através de seus representantes no CONSEMA. Esta abordagem setorial produz fortes lutas entre as instituições ambientais e as outras instituições que acreditam que a AIA possa perturbar seus próprios projetos. Uma solução possível para estes problemas poderia ser a implementação de regulamentações secundárias, que redistribua a responsabilidade da AIA de alguns tipos de projetos para a competência de outras secretarias (apesar de algumas poucas exceções, não existem regulamentações secundárias e orientação para projetos específicos). Além disso a maioria dos estados brasileiros possui problemas ambientais muito sérios, e as SEMAs/OEMAs não possuem pessoal treinado e qualificado e recursos materiais, nem apoio político para revisar o RIMA e outros procedimentos de AIA (Glasson e Salvador, 2001). Em muitos casos o órgão ambiental estadual alega falta de pessoal e recursos para justificar sua omissão, no entanto, quando não existem condições para sua atuação esta competência deve ser transferida para o órgão federal.

Na maioria dos casos, as OEMAs não providenciam os Termos de Referência para que os EIA de projetos específicos levem em consideração as características ambientais e do projeto. Os Termos de Referência geralmente são feitos pelos empreendedores (proponentes) e a etapa de definição do escopo (scoping) pode ser deficiente. A falta de Termos de Referência ou sua elaboração inadequada resulta em EIA/RIMAs de baixa qualidade, dificultando a revisão do RIMA. Alguns RIMAs feitos por certas empresas de consultoria são repetitivos, e comenta-se severamente sobre a “indústria do EIA/RIMA”, já citada anteriormente neste trabalho.

órgão de meio ambiente em estabelecer as diretrizes constantes no Termo de Referência são as seguintes:

falta

de informações adequadas e suficientes sobre o local do empreendimento e seu potencial modificador, contando para isso quase que exclusivamente com as informações constantes na proposta do projeto. Desse constam, geralmente, dados e informações incompletos e inexatos, com tendência natural a superestimar aspectos positivos e subestimar aspectos negativos;

• falta de participação de outros órgãos na elaboração do Termo de Referência, o que tem levado à desconsideração de interesses setoriais e à desconexão com outros projetos e atividades existentes na área de influência do empreendimento;

• falta de pessoal qualificado para elaborar, sem apoio externo, o Termo de Referência;

• insuficiência de recursos materiais e financeiros que impede, muitas vezes, a visita de técnicos do órgão de meio ambiente ao local do empreendimento proposto para coletar informações complementares, que possam melhor subsidiar a elaboração do Termo de Referência.

Conforme Moreira (1989), nas empresas de consultoria privada parece faltar experiência na coordenação do trabalho dos especialistas de diversas áreas de conhecimento envolvidas, bem como o conhecimento das metodologias de AIA, técnicas de pesquisa e previsão de impactos ambientais, e a capacidade de promover a integração das diferentes disciplinas. Outras questões que interferem no processo referem-se ao custo e à duração dos estudos, além da carência de dados primários, que afetam diretamente a qualidade dos estudos.

Conforme Glasson e Salvador (2000), uma vez que a maioria das metodologias de avaliação utilizadas no Brasil é proveniente da experiência internacional (por exemplo, alguns métodos de matrizes, e a metodologia Battelle), é preciso que tais metodologias sejam adaptadas às condições do país, com base na experiência brasileira em AIA. As alternativas do projeto não são desenvolvidas adequadamente e a análise custo-benefício raramente é aplicada no Brasil. Impactos secundários, indiretos e cumulativos também não são bem identificados ou propriamente avaliados. A participação pública dentro do procedimento atual de AIA é muito limitada, sendo raros e fracos os canais formais para

esta participação. Existe também pouca evidência da Avaliação Ambiental Estratégica14 (AAE) no Brasil.

A insatisfação da sociedade e de alguns órgãos e instituições (públicas e privadas) com os resultados das audiências públicas, e com as respostas aos questionamentos feitos sobre os empreendimentos, têm levado a uma reivindicação de realização de audiências públicas em outros momentos importantes do processo de AIA, bem como têm gerado junto ao Ministério Público ações civis públicas e inquéritos públicos (Machado, 2000).

Fowler e Aguiar (1993) afirmam que o estabelecimento de critérios para a AIA é sempre dependente de prioridades, e na maioria das avaliações de impacto ambiental realizadas no Brasil as considerações sociais e econômicas têm prioridade sobre as preocupações ambientais. Mesmo que as considerações ambientais sejam obrigatórias por lei, existem deficiências estruturais básicas. O principal problema é a falta de informação sobre a maioria dos ecossistemas brasileiros. Os dados cartográficos são desatualizados e raramente disponíveis nas escalas apropriadas para as avaliações de impacto ambiental, o que significa que a maioria das AIAs requer um extenso trabalho de campo. Muitas vezes, mesmo quando os dados estão disponíveis, eles estão dispersos entre diferentes instituições. Em muitos casos os dados não são coletados, mas extrapolados a partir de ambientes semelhantes, levando a uma perda em tolerância e critério. Em muitos casos as avaliações de impactos ambientais são conduzidas em um curto período de tempo, o que geralmente resulta em uma descrição física com dados biológicos e sócio-econômicos limitados.

A análise de risco ambiental ainda é raramente aplicada no Brasil. A importância de cada impacto em relação àqueles fatores ambientais envolvidos é determinada pela importância relativa de cada impacto em comparação com os outros. Não existe um

14 O termo Avaliação Ambiental Estratégica representa uma maneira convencionada de identificar o

processo de avaliação dos impactos ambientais de decisões feitas nos níveis de planejamento, políticas e programas, no estágio mais inicial possível. A AAE considera uma série de alternativas possíveis de modo sistemático, e assegura uma integração completa das questões relevantes, incluindo considerações biofísicas, econômicas, sociais e políticas. Atualmente, a AAE é utilizada como uma abordagem fundamental no processo de melhoria do desempenho da avaliação ambiental, sendo uma ferramenta inestimável para a integração de questões ambientais dentro do processo de tomada de decisão e para a busca de metas relacionadas à sustentabilidade (Partidário, 1996).

critério estabelecido que seja mais usado para este processo, e atualmente são geralmente usados os índices de qualidade ambiental ou escalas ordinais.

A importância de um impacto é considerada em termos de seu retorno social, ou quanto importante pode ser o impacto para a qualidade de vida da população afetada. Atualmente, os impactos são em primeiro lugar julgamento de valor social, e as decisões técnicas freqüentemente entram em conflito com decisões políticas. Por isso é importante que o público participe nas decisões que se baseiam na importância daqueles impactos.

O monitoramento ambiental é obrigatório no sistema brasileiro de AIA, apesar de seu custo. A definição e medida dos impactos ambientais projetados incorporam elementos desconhecidos por causa das limitações do diagnóstico ambiental e das previsões da magnitude e inter-relações destes impactos. Independentemente da avaliação do impacto, o critério, importância e interpretação de impactos refletem o conhecimento atual, bem como julgamentos de valor pessoal, sejam eles provenientes de grupos de trabalho técnicos ou de representantes do público que têm a última palavra sobre o projeto e as dimensões da AIA. O monitoramento ambiental deveria iniciar com as fases de aprovação e implementação do projeto, para verificar aqueles parâmetros identificados na AIA e permitir o desenvolvimento de estimativas de parâmetros mais realísticas.

Para realizar o acompanhamento e monitoramento ambiental da execução, pelo empreendedor, do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos, os órgãos de meio ambiente têm encontrado as seguintes dificuldades:

• Falta de pessoal qualificado para análise dos relatórios de monitoramento elaborados pelo empreendedor, vistorias técnicas mais produtivas e elaboração de pareceres técnicos, provocando atraso na tomada de decisão;

• Falta de articulação interna no sentido de utilizar as informações produzidas pontualmente pela fiscalização, no processo contínuo de acompanhamento e monitoramento ambiental exercido pelos órgãos sobre o empreendimento, falta de conhecimento do conteúdo e respectivo embasamento técnico dos programas de acompanhamento e monitoramento dos impactos ambientais aprovados no EIA/RIMA ou em outros documentos técnicos semelhantes e falta de conhecimento

,da legislação referente ao controle (Bastos e Almeida, 1999).

O processo de aprovação do RIMA é muito burocrático, levando muito tempo para ser concluído. Quando existe uma discussão do RIMA nos CONSEMAs, freqüentemente ela é influenciada por pressões políticas e econômicas. Dependendo da complexidade do projeto e suas implicações, um procedimento completo de AIA pode levar no mínimo um ano, ou mais. Conseqüentemente, é comum o empreendedor iniciar a implementação do projeto embora o procedimento de AIA esteja sendo realizado. Portanto, é necessário estabelecer um tempo limite para a revisão e aprovação do EIA pelas SEMAs/OEMAs (Glasson e Salvador, 2000).

4 O ENVOLVIMENTO E A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA EM AIA

Este capítulo mostra os meios apresentados na literatura para promover uma participação pública15 mais eficiente dentro do processo de Avaliação de Impacto Ambiental. São apresentadas diversas técnicas que podem ser usadas nas diferentes etapas da AIA, e levanta-se a importância da educação pública para se alcançar níveis mais altos de participação. Também são mostrados alguns exemplos da importante atuação das Organizações Não Governamentais, e o papel que a mediação pode desempenhar em procedimentos de AIA complexos.