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O envolvimento e a participação pública no caso Porto da Barra começou a partir de 1992. Inicialmente foram realizadas reuniões públicas na sede da empresa Portobello para a apresentação do projeto, envolvendo diversas instituições como IPHAN, FLORAM, FATMA, Capitania dos Portos, diversos departamentos da UFSC, IPUF, Polícia Ambiental, DER, CELESC, entidades civis, SUSP, entre outros. Houve uma forte reação pública contra o projeto, constatada através de pesquisas de opinião pública realizadas pelo empreendedor através da empresa Luppi Associados.

O empreendedor decidiu então trabalhar junto à comunidade local, realizando contatos pessoais com lideranças comunitárias, realizados por dois membros da empresa Portobello, com a orientação de uma socióloga. Foram realizadas reuniões públicas junto às comunidades da Barra da Lagoa e Lagoa da Conceição, atendendo a solicitações da Fundação Lagoa.

O Presidente da Colônia de Pescadores Z-11 colaborou desde o início com o empreendedor, mostrando meios de reunir os membros da comunidade da Barra da Lagoa para a apresentação do projeto. Na primeira reunião realizada para este fim houve o comparecimento de cerca de 50 pessoas. Portanto, a divulgação do projeto foi realizada em diversas oportunidades, através de documentos impressos, apresentações através de retroprojetor, maquetes, elaboração de caderno de perguntas e respostas, entre outros.

O Presidente da Federação de Pescadores de Santa Catarina e o da Colônia de Pescadores Z-11 serviram de contato entre a comunidade e o empreendedor, colhendo informações nos encontros realizados com o empreendedor, levando estas informações para a comunidade mais ampla, e retornando uma resposta da comunidade para o empreendedor (este meio de participação se assemelha ao comitê consultivo da comunidade, citado no capítulo 4).

Através do envolvimento das lideranças locais foi criado o Fórum da Barra, que conseguiu congregar diversas ONGs da Barra da Lagoa e Lagoa da Conceição, muitas das quais não tinham comunicação entre si antes do surgimento do projeto.

O Fórum da Barra permitiu que fossem discutidas as necessidades da comunidade, não somente aspectos de negociação relacionados diretamente com o projeto. Neste sentido, o empreendedor trabalhou junto à comunidade da Barra da Lagoa visando uma melhoria na auto-estima local, e conseqüente valorização da comunidade. Realizou estudos de reurbanização, identificando as necessidades urbanas locais. Construiu a pracinha, organizou a coleta seletiva de lixo, realizou reformas no colégio local, e auxiliou a realização da Festa da Tainha por vários anos. O empreendedor também encomendou um projeto de terminal pesqueiro com câmara fria para que os próprios pescadores, reunidos em cooperativa, pudessem gerir o resultado da pesca e evitar os atravessadores.

Foram realizadas reuniões mensais durante cerca de dois anos, antes, durante e depois da realização do EIA/RIMA, sendo que o desenho do projeto foi sendo adaptado de acordo com as preocupações e sugestões manifestadas pela comunidade.

Segundo o Presidente da Colônia de Pescadores Z-11, no início apenas 10% da comunidade era favorável ao projeto, mas ao final de dois anos essa porcentagem passou para 60%.

A parcela da comunidade que apóia o projeto o faz contando com benefícios como a geração de empregos, melhorias na urbanização local e tratamento de esgoto.

5.4 Identificação das opiniões, valores e preocupações dos atores principais

EMPREENDEDOR

⇒ Quanto a um dos principais problemas manifestados pelos opositores ao projeto, a poluição causada pelas embarcações, o empreendedor afirma que o projeto estimulará o uso de embarcações em direção ao mar e não à lagoa, e que em nenhum momento haverá a circulação simultânea das 300 embarcações previstas para o empreendimento;

⇒ Existem pesquisas realizadas em empreendimentos semelhantes na França e em outros países, indicando que no máximo dez a vinte por cento das embarcações são utilizadas ao mesmo tempo, portanto os impactos relacionados à poluição seriam controláveis;

⇒ Devido a este fato e ao monitoramento que será realizado, o empreendedor acredita que não haverá nenhum prejuízo aos laboratórios de aqüicultura da UFSC;

⇒ A solução para o problema da poluição passa portanto pelo monitoramento das embarcações, com estabelecimento de proibições. Foi realizado o Plano de Monitoramento e este será entregue ao Poder Público;

⇒ O empreendimento possui um Regimento interno que determina as normas de uso das embarcações, portanto, caberá aos usuários das embarcações cumprirem estas normas, uma vez que também interessa a eles a qualidade das águas da Lagoa da Conceição e do canal;

⇒ O empreendedor acredita que o monitoramento terá resultados positivos, e no caso das normas serem descumpridas, haverá meios de punir os infratores;

⇒ As razões para o projeto estar localizado na Barra da Lagoa são a acessibilidade ao mar e a identidade cultural da Barra da Lagoa, que é uma das poucas comunidades da Ilha de Santa Catarina que ainda possui valores próprios, sejam religiosos, folclóricos ou relacionados à pesca;

⇒ O empreendedor considera que estes fatores, principalmente a questão cultural, são um atrativo adicional para o empreendimento, portanto tem preocupações em não descaracterizar a comunidade;

⇒ O empreendedor está comprometido com a garantia da qualidade ambiental da Barra da Lagoa, por força do documento assinado com o Fórum da Barra;

⇒ O projeto terá tratamento de esgoto; o empreendedor foi é parceiro da comunidade no esforço pela implantação da rede de esgoto para a Barra da Lagoa;

⇒ Com o empreendimento, a pesca artesanal e a pesca esportiva se potencializam como produtos turísticos;

⇒ Os canais secundários recriam meandros antigos, embelezam o local e é o principal elemento da viabilização econômica do empreendimento;

⇒ Mais de 60% do terreno do empreendedor será de uso coletivo da população: áreas de eventos, praças, área comercial, canais, ruas públicas;

⇒ Estudos científicos que integram o licenciamento ambiental (LAI) comprovaram que o assoreamento é provocado principalmente pela ação dos ventos nas dunas e sedimentos das urbanizações no entorno da lagoa;

⇒ O empreendimento facilita a migração de espécies e não altera o transporte de sedimentos;

⇒ O aprofundamento da foz é antiga aspiração dos pescadores; não se pretende alargar o canal em nenhum trecho, como também não se aprofundará o canal entre o Projeto e a Lagoa;

⇒ O sucesso do Porto da Barra depende da recuperação e manutenção da qualidade da água no canal da Barra;

⇒ A convivência dos usuários do canal facilitará a educação ambiental, pelo uso normatizado e disciplinado.

⇒ O empreendedor afirma ter dificuldade em promover o envolvimento e a participação pública nas diversas etapas do projeto, pelo desconhecimento dos meios que podem ser utilizados para este fim.

FUNDAÇÃO LAGOA

⇒ A ONG reconhece que o projeto foi muitas vezes debatido abertamente na comunidade, e que foi louvável o empenho do empreendedor em abrir o projeto para o público.

⇒ Para a Fundação Lagoa o entusiasmo do empreendedor com relação ao projeto é tão grande que prejudica a sua compreensão integral da gravidade dos impactos que serão causados;

⇒ Afirma que a capacidade de carga de poluição da Lagoa já se esgotou e que este projeto significaria uma carga adicional que não teria como ser absorvida;

⇒ Critica o EIA/RIMA, principalmente o estudo sobre o fluxo de entrada e saída de água no canal da Barra, e a ausência de estudos sobre solapamento das margens; ⇒ O aterro feito sobre uma área de manguezal, no terreno do empreendedor, foi feito a

pedido da comunidade, para a realização da Festa da Tainha;

⇒ Segundo a ONG, a comunidade só compreende os benefícios potenciais que o projeto traria, como melhoria da urbanização do local, geração de empregos, entre outros, sem entender a gravidade dos impactos que seriam causados;

⇒ Reconhecem que a postura da ONG nas reuniões junto à comunidade era vista de forma negativa, em virtude dos questionamentos feitos com base nos pareceres fornecidos pelos professores da UFSC;

⇒ Considera que um dos maiores impedimentos ao projeto é o impacto que a poluição por TBT e outros poluentes poderá causar ao Laboratório de Maricultura da UFSC, comprometendo suas atividades;

⇒ A ONG manifesta preocupação com a abertura do calado do canal da Barra. Lembram o assoreamento da Lagoa da Conceição causado pelas dragagens realizadas no início dos anos 80;

⇒ Não participaram da audiência pública por uma questão estratégica, mas reconhecem que talvez esta não tenha sido uma decisão acertada;

⇒ Reconhece que a composição inicial da ONG era extremamente heterogênea, daí os conflitos dentro da própria organização. Na época, um dos membros da diretoria da

ONG era a favor do empreendimento, vindo a ser advogado do empreendedor, tendo de deixar a ONG. Outro membro, que chegou a ser Presidente da ONG, retirou-se alegando que os demais membros não queriam negociar com o empreendedor; ⇒ Reconhece os benefícios que seriam gerados pelo empreendimento, principalmente

os relacionados à melhoria na paisagem, mas consideram que os riscos são muito maiores do que os benefícios, uma vez que existem impactos que são desconhecidos;

⇒ Propuseram a realização do empreendimento sem a construção dos canais internos, aspecto que foi logo descartado pelo empreendedor, pois prejudicaria o acesso dos usuários à Lagoa da Conceição e ao mar;

⇒ Manifestam preocupação com o controle do uso de embarcações na Lagoa da Conceição, principalmente nos dias em que as condições do mar estiverem desfavoráveis para passeios de lanchas e outras embarcações;

REPRESENTANTES DA COMUNIDADE DE PESCADORES

⇒ A Federação dos Pescadores de SC se preocupou desde o início com os impactos ambientais e solicitou informações sobre como estes impactos seriam tratados. Solicitou ao empreendedor informação sobre a construção dos canais internos. ⇒ O projeto foi enviado à Federação de Pescadores e à Colônia de Pescadores Z-11

para análise e sugestões. As preocupações maiores da comunidade são a questão do assoreamento e o tratamento de esgoto.

⇒ As principais reivindicações foram o tratamento de esgoto, o Estudo de Impacto Ambiental, e a utilização da mão-de-obra local na construção do empreendimento, havendo garantias por parte do empreendedor de que elas serão atendidas.

⇒ Para o Presidente da Federação as reuniões informais favoreciam mais o diálogo entre membros da comunidade e o empreendedor, enquanto que na audiência pública muitas pessoas da comunidade não se manifestaram.

⇒ Tanto o presidente da Federação de Pescadores como o presidente da Colônia de Pescadores Z-11 fazem críticas aos posicionamentos radicais de alguns membros da Fundação Lagoa.

⇒ O Presidente da Colônia de Pescadores Z-11 confia na responsabilidade do empreendedor e nos benefícios que o projeto trará para a comunidade.

⇒ O Presidente da Federação dos pescadores vê positivamente o papel desempenhado pelo Ministério Público.

DEPARTAMENTO DE AQÜICULTURA - UFSC

⇒ A preocupação maior do Departamento de Aqüicultura da UFSC com relação ao empreendimento é a poluição que será causada pelas embarcações;

⇒ Um dos professores do Departamento afirma que em diversas oportunidades foi solicitado ao empreendedor que demonstrasse que o empreendimento não afetaria a qualidade das águas utilizadas pelos laboratórios da UFSC, e eles não conseguiram responder os questionamentos feitos a contento.

⇒ A poluição causada pelos barcos, principalmente o TBT (tributiltin) poderá inviabilizar os altos investimentos realizados nos laboratórios, que realizam atividades de ensino e pesquisa, além de produzirem sementes de mariscos e ostras que são distribuídas por todo litoral de Santa Catarina, e no caso das sementes de ostras por todo o litoral do Brasil.

⇒ Para o laboratório de aqüicultura, a alegação por parte do empreendedor, que em nenhum momento haverá 300 embarcações na água não é suficiente para afastar os riscos aos laboratórios. Não houve demonstração científica de que os laboratórios estarão livres dos impactos que serão causados pela poluição.

⇒ O Departamento realizou uma revisão profunda dos históricos de empreendimentos similares ao Porto da Barra no mundo, sendo constatado que é muito comum a contaminação de moluscos e larvas jovens, inclusive em áreas a 50 km de distância do empreendimento, o que demonstra como são potentes os poluentes liberados pelas embarcações.

⇒ Se a produção do laboratório vier a parar devido à contaminação causada por poluentes gerados pelo empreendimento, o Departamento de aqüicultura quer saber do empreendedor quem arcará com o ônus, uma vez que o prejuízo afetará toda a sociedade.

⇒ Quanto ao Plano de Monitoramento o Departamento de Aqüicultura acredita que até que sejam detectados pelo monitoramento níveis altos de poluição nas águas no canal, os laboratórios de aqüicultura já terão sofrido com o impacto.

⇒ Se o empreendimento for implementado os laboratórios assumirão uma atitude preventiva, cobrando do empreendedor a execução do monitoramento, inclusive o controle estrito do uso de embarcações, e caso seja necessário denunciarão o empreendedor aos órgãos competentes.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

⇒ O MPF deu início à ACP por causa das deficiências encontradas no estudo de impacto ambiental. Se tanto o empreendedor quanto a FATMA tivessem acatado todas as determinações do MPF, no sentido de melhorar os estudos, talvez não houvesse a ACP;

⇒ O papel da Fundação Lagoa foi essencial para expor os pontos frágeis do EIA/RIMA e exigir as complementações;

⇒ Não faz parte das atribuições do MPF participar das discussões promovidas pelo Fórum da Barra;

⇒ Quando há a participação do MPF esta deve ser apenas como ouvinte;

⇒ As discussões e negociações devem ser feitas entre o procurador e o empreendedor, depois de ouvir a comunidade e outros atores;

⇒ Possivelmente o empreendedor quisesse a presença do MPF para legitimar o projeto;

⇒ A Procuradora fez várias audiências com o empreendedor e tentou inclusive fazer um Termo de Ajustamento de Conduta, propondo em primeiro lugar a não realização dos canais secundários, mas não houve consenso, pois o empreendedor recusava-se terminantemente a aceitar a proposta.

CASAN

⇒ Ainda não foi implantada a rede de coleta e tratamento de esgoto no local do empreendimento, uma vez que este ainda não começou a ser construído;

⇒ A CASAN irá tratar o esgoto proveniente do empreendimento, mas é o empreendedor que terá de arcar com os custos da implantação da rede coletora; ⇒ O Sistema Costa Leste já está em funcionamento a dois anos e poderá atender à

demanda de água gerada pelo empreendimento.

5.5 Principais impactos e aspectos técnicos do empreendimento

• Quanto aos impactos sobre os sítios arqueológicos

Para os peritos do Ministério Público Federal (2002), os Sítios Arqueológicos num total de 6 registros (IPHAN), localizam-se no Canal da Barra da Lagoa, mais especificamente na área de influência direta do empreendimento “Porto da Barra”. Os Sítios Arqueológicos tipo oficina lítica, estão instalados nas rochas situadas nas margens do Canal da Barra da Lagoa; localizando-se na área de influência direta de empreendimento e debaixo da ponte pênsil (oficina lítica).

Os impactos negativos mais importantes são aqueles vinculados ao derrocamento, que podem abrir fissuras ou mesmo partir a rocha matriz onde as Oficinas Líticas estão localizadas. Mudanças no nível da água alterando as temperaturas das rochas podem também agravar no comprometimento da conservação das Oficinas Líticas. Conforme proposto no projeto apresentado ao IPHAN, as obras de derrocamento apesar de não afetarem diretamente os Sítios Arqueológicos tipo oficina lítica, serão limítrofes a eles.

Para os peritos do empreendedor (2003), a oficina lítica existente às margens do canal, próxima à Ponte Pênsil será resgatada pois um dos pilares da ponte se assenta sobre ela. O novo projeto de ponte apresentado à Prefeitura terá seus pilares localizados fora da oficina lítica. O derrocamento não atingirá nenhum sítio arqueológico e será acompanhado pelo IPHAN.