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CAPÍTULO 6 – PORQUÊ PROPOR UMA NOVA ABORDAGEM À IDENTIDADE

6.7. importância do trabalho identitário

Com maior ou menor intensidade, as organizações envolvem-se em processos autorreflexivos sobre quem são e quem poderão vir a ser, no sentido de ativamente construírem as suas identidades tendo em conta o contexto a que se encontram vinculadas. Este tipo de atividade, que reflete o papel ativo dos atores na construção das suas identidades, é usualmente designada por trabalho identitário (Brown, 2015). Ao nível organizacional, definimos trabalho identitário (TI) como os processos de pensamento, de comunicação e de ação que os indivíduos e os coletivos usam para criar, partilhar, manter ou mudar a identidade das organizações de que fazem parte (Kreiner e Murphy, 2016). Em nosso entender, o trabalho identitário focado em aspetos específicos reveste-se de potencial para determinar a tradução da IO em desempenho. Este trabalho identitário é da responsabilidade da liderança, aqui entendida como responsabilidade partilhada por todos os que, independentemente da sua posição hierárquica, tomam iniciativas no sentido de fazer progredir a organização para estádios mais condizentes com a identidade desejada, ou, seguindo formulação de Albert e Whetten (1985) aproximar a identidade descritiva da prescritiva. Qualquer ator pode constituir-se como empreendedor da IO, desde que promova a reflexão e a ação sobre quem somos nós e quem queremos ser (as questões da adolescência), mas também a questão de saber se, enquanto organização, seremos individualistas ou integrados na comunidade (a questão dos adultos jovens), a questão se determinar como iremos contribuir para o mundo (a questão dos adultos maduros) e a questão de saber se a existência teve e tem sentido? (a questão dos adultos idosos).

Em nosso entender, este trabalho identitário pode estar dirigido a todos os elementos integrantes do modelo que propomos. Por exemplo, dirigido ao fortalecimento dos motivos, é conhecido o enfoque da liderança transformacional e carismática (Shamir, House & Arthur, 1993; Behling & McFillen, 1996; Day & Antonakis, 2012;) na acentuação do significado, da continuidade e da competência coletiva. A teoria da liderança baseada na identidade (Steffens et al., 2014; Niklas K Steffens et al., 2014) focada no realce de um sentido coletivo, baseado

em ações dos líderes que salientem a prototipicalidade (ser um de nós), a promoção (fazê-lo por nós), o empreendedorismo (conceber um sentido de nós) e o impresarioship (fazer com que nós contemos) da identidade, dimensões que se sobrepõem amplamente à autoestima, à pertença e à distintividade.

A possibilidade de usar os motivos da identidade como ativos em condição de obtenção de recursos, a sua função de capital identitário, ecoa a abordagem que Sillince, (2006), sugere a propósito do uso da identidade como recurso retórico. Segundo o autor, em linha com a perspetiva da estratégia baseada nos recursos (Barney, 1991), a identidade, por resultar de processos de interação social complexos e ambíguos tem o potencial de se constituir como um recurso valioso, raro, difícil de imitar e de substituir por outros recursos. Uma vez que o potencial competitivo dos recursos necessita ser comunicado aos concorrentes, clientes, financiadores e outros grupos de interesse, a retórica é o meio através do qual as organizações exploram diferentes elementos da sua identidade para comunicar com diferentes audiências. Mais precisamente, uma organização tem a possibilidade de desenvolver argumentos específicos tendentes a maximizar a sua atratividade como um recurso valioso, a sua distintividade como um recurso raro, a sua centralidade como um recurso inimitável e a sua durabilidade como um recurso difícil de substituir. O mesmo argumento pode ser estendido para albergar os restantes motivos da identidade. A consequência deste trabalho identitário será o incremento do desempenho organizacional.

O trabalho sobre a autorregulação, ou seja, o sentido de controlo sobre a orientação futura, o estabelecimento de objetivos, a consistência entre os valores e a ação e sobre a informação relevante para o funcionamento organizacional, é dos que apresenta mais fundamento na investigação sobre a identidade. Por exemplo, Dutton e Penner (1993) modelaram os processos através dos quais a identidade influência os aspetos da envolvente nos quais os membros organizacionais prestam atenção. Dada a variedade, complexidade e ambiguidade destes eventos, torna-se necessário um trabalho de sinalização da informação que merece atenção, interpretação do seu significado e decisão sobre se esse evento deve ser tratado ou não como um assunto relevante a ponto de merecer a mobilização. Na mesma linha de argumentação, por exemplo, Ravasi e Phillips (2011) estudaram a empresa Bang e Olufsen evidenciando como a identidade influencia os recursos considerados estratégicos. Raffaelli (2015) mostra como o trabalho identitário é capaz de explorar, em simultâneo, identidades passadas e presentes e, em simultâneo, elementos de uma identidade futura, a designada ambidextria identitária, terá permitido às empresas do sector da alta relojoaria suíça ressurgir num campo potencialmente inviável. Mais globalmente, Livengood e Reger (2010) teorizam

como a identidade leva ainda as organizações a desenvolverem crenças sobre os domínios que lhes dizem ou não respeito, ou domínios identitários. Este seria o exemplo que um corretor de seguros que poderá não ter a capacidade de desenvolver serviços de prevenção de riscos laborais, simplesmente porque a intervenção antes da ocorrência de eventos é vista como alvo de análise de risco conducente apenas a criar uma solução de seguros e não a uma atividade de corretor, a que define a essência da organização.

Finalmente, o trabalho identitário influencia diretamente o desempenho organizacional, no sentido em que, perante o amplo conjunto de dimensões e de indicadores de desempenho organizacional passíveis de serem utilizados (March & Sutton, 1997), fazem uma ampla revisão (Richard, Devinney, Yip & Johnson, 2009) e enumeraram 207 medidas de desempenho publicadas na literatura da gestão, este trabalho levará à clarificação, por uma dada organização, de quais serão os indicadores relevantes a utilizar, quer para se regular a si mesma, quer para comunicar aos constituintes detentores de recursos.

Por sua vez, a existência de desempenho elevado permitirá robustecer os dois motivos ancestrais. Ao gerar retornos financeiros, humanos, sociais e psicológicos dota a organização dos recursos que viabilizam a sua existência, ao mesmo tempo que afasta, pelo menos temporariamente, o medo da morte da organização. Secundariamente, a obtenção de resultados positivos naquelas múltiplas dimensões, será um ingrediente fundamental para reforçar os motivos de competência, autoestima, continuidade, distintividade, significado, eficácia e pertença, desde que devidamente canalizados para este efeito pelo trabalho identitário.

Em síntese, propomos que as organizações desenvolvem identidades pelas mesmas razões que os indivíduos o fazem. Para sobreviver, precisam não só de recursos vitais como também de resistir à ansiedade gerada pela morte certa. Estas duas razões serão as mais ancestrais, na medida em que se reportam, simplesmente, à existência organizacional. Para dar sentido a uma existência incerta e com fim anunciado e para poderem aceder aos recursos de que necessitam para atingirem os seus objetivos, as organizações empreendem processos de autorreflexão que possibilitam selecionar elementos que usam para definir quem são (centralidade) e para se apresentarem no contexto (enactment). Estes elementos permitirão às organizações desenvolverem sobre si mesmas a conceção de um ator que: tem uma existência provida de significado ou propósito; é competente e capaz de exercer controlo sobre o mundo que o rodeia; é aceite e está próximo de outras entidades; estabelece e procura manter um sentido distinção face a outros atores congéneres; mantém um sentido de continuidade ao longo do tempo, apesar das mudanças que ocorrem; se vê a si mesmo de forma favorável. Por

seu turno, estes seis motivos da identidade constituem as bases nas quais as organizações: 1) se regulam a si mesmas, quer dizer criam um sentido de controlo interno sobre o seu futuro, os seus objetivos, a consistência de valores e ações e definem e usam informação contextual que lhes diz respeito; 2) definem o seu capital identitário, no sentido em que estes mesmos motivos são ativos intangíveis para negociar com constituintes detentores de recursos que tendem a valorizar atributos internos ao apreciarem os atores com quem se relacionam. O trabalho intencional sobre os motivos, a autorregulação e o capital identitário, a desenvolver pelos empreendedores da identidade, tenderá a maximizar o desempenho organizacional sustentável e autêntico, num processo dinâmico e contínuo de aproximação da identidade descritiva à prescritiva.

CAPÍTULO 7 – TUDO PARA UMA EXPANSÃO. COMO A IDENTIDADE