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Porquê propor uma nova abordagem à identidade organizacional Nascidos para crescer e

CAPÍTULO 6 – PORQUÊ PROPOR UMA NOVA ABORDAGEM À IDENTIDADE

6.1. Porquê propor uma nova abordagem à identidade organizacional Nascidos para crescer e

Alguns dos receios que as organizações deixam transparecer são questões sobre sobrevivência, como se podem expandir, competir e negociar a sua eventual finitude, por isso, neste ponto sugerimos que as razões pelas quais as organizações constroem a suas identidades assentam em dois motivos humanos ancestrais. O primeiro, envolve a motivação fundamental

para adquirir e expandir os recursos necessários à vida humana, uma vez que obter e acumular recursos para enfrentar períodos de menor abundância foi uma ação adaptativa fundamental para a viabilidade da espécie. O segundo, respeita à necessidade humana de lidar com a incerteza decorrente da morte, dado que o ser humano procura uma lógica que justifique o porquê da sua importância e permanência, para poder evitar as ameaças que o rodeiam.

Estes motivos são teorizados à luz do modelo da auto-expansão e da teoria da gestão do terror, respetivamente. Estas teorias bastante consideradas, permitem estabelecer relações entre o medo da morte, a atribuição de significado à vida e à morte e motivações subjacentes.

No essencial, o modelo da auto-expansão propõe que os seres humanos têm uma motivação fundamental para se expandirem. Este motivo concretiza-se pela procura de aquisição de recursos, perspetivas e identidades que por sua vez facilitam a capacidade de os indivíduos atingirem os seus objetivos (Aron & Norman, 2001). Sendo um motivo não necessariamente consciente, a auto-expansão explica porque razão estabelecemos relações com outros seres humanos. A nossa identidade pode incorporar as relações que temos com outras pessoas, na medida em que "Quem somos é, até certo ponto, quem são os nossos parceiros, que em um relacionamento íntimo, incorporamos em nós mesmos recursos sociais, materiais, perspetivas e identidades dos outros" (Aron & Nardone, 2012, p. 524).”

Aplicado em especial ao contexto das relações amorosas, o modelo da auto-expansão preconiza que o desejo de estabelecer relações desta natureza está dependente das possibilidades que estas oferecem, e que a auto-expansão, por sua vez, levará a possibilidades acrescidas de concretização dos objetivos de vida. Numa relação amorosa, o eu expande-se porque começa a incorporar os recursos, as expectativas e as identidades do outro (Aron & Aron, 1996). Mais precisamente, ao expandirmos o nosso self incluindo o outro, estamos a acomodar os seus recursos (conceptuais, informacionais e procedimentais), e ainda os ativos sociais que facilitam a consecução dos nossos objetivos, pois estamos a incorporar uma visão do mundo que agora acomoda a perspetiva do outro e as suas identidades, ou seja, os aspetos que a distinguem de outros e que situam o outro no espaço social (Mashek & Aron, 2004). É de notar, que segundo a teoria da auto-expansão destes três elementos passíveis de serem incorporados - recursos, perspetivas e identidades - o mais relevante para a expansão do self é o património de recursos do outro. As pessoas estarão motivadas para incluir outros no seu

self para adquirirem os seus recursos, e à medida que a relação evoluí, os recursos de cada um

vão sendo disponibilizados aos outros, através de um processo de apropriação mútua, mas como os resultados da detenção destes recursos passa a ser partilhado, isto leva a que também

as formas de ver o mundo (perspetivas) e a que aquilo que distingue cada um e o situa no contexto social (identidades) sejam alteradas:

"Assim, de um ponto de vista motivacional, o principal benefício de incluir outros no

self é o aspeto dos recursos; a perspetiva e os aspetos da identidade seguem como um efeito

colateral que muitas vezes é suscetível de ser inconsciente, uma reestruturação do sistema cognitivo" (Mashek & Aron, 2004, pp. 27-28).

Não obstante ter sido desenvolvido como um modelo explicativo da formação e viabilidade das relações amorosas, os elementos centrais da noção de auto-expansão podem facilmente ser expandidos para explicar a formação e a viabilidade de qualquer tipo de relação humana, como as relações entre líderes e liderados (Dansereau, Seitz, Chiu, Shaughnessy & Yammarino, 2013) e constitui um bom análogo para explicar a tendência para o crescimento que registamos na maioria das organizações. Complementarmente, existe um análogo entre a proposição central da teoria da auto-expansão e a explicação dada pela teoria da dependência dos recursos (Pfeffer & Salancik, 1978) para o estabelecimento de relações interorganizacionais como alianças estratégicas, acordos de I&D, consórcios, relações cliente- fornecedor. Segundo a teoria da dependência dos recursos, a formação destas relações ajuda as organizações a adquirir recursos de modo a reduzir a incerteza e a interdependência, explicação com ampla evidência empírica (Hillman, Withers & Collins, 2009). Ainda que não teorizado pela teoria da dependência dos recursos, a teoria da auto-expansão permite adicionalmente que a aquisição de recursos, decorrente da incorporação da outra organização no self de uma organização focal, levará a que esta comece a utilizar as perspetivas da outra e, em última instância, a sua identidade. Este seria o caso de uma empresa fornecedora privilegiada de uma empresa de referência, passar a olhar para o seu negócio integrando a perspetiva do seu cliente principal, ou usar a sua forte ligação àquela empresa para se apresentar a outros potenciais clientes sinalizando, por exemplo, que é competente, distinta e aceite no mercado.

Ao nível organizacional a pressão ou a tendência para crescer é muito evidente, sendo que crescer se tornou quase sinónimo de ser bem-sucedido. Daft (2010) descreve que, na economia norte-americana, o sonho dos empreendedores com o crescimento chega a suplantar a urgência de fazer bons produtos ou maximizar os lucros e muitos gestores acreditam que crescer é a única maneira de manter os negócios saudáveis. Na sua visão, as empresas procuram crescer para adquirirem a dimensão e os recursos que lhes permita competir à escala global, assumir riscos elevados, investir em inovação, aceder a determinados mercados e controlar os canais de distribuição. No sector público, as organizações públicas não possuem

indicadores de desempenho relacionados com o mercado, pelo que os seus gestores sinalizam o aumento do orçamento ou o crescimento das unidades por si geridas como critérios de eficácia (Scott & Falcone, 1998). Mas este motivo para crescer, que claramente orienta muita da atividade organizacional, se bem que por razões diferentes no sector público, privado e social, é muitas vezes travado e, em muitos casos, toma o rumo inverso, levando as organizações a entrarem em declínio.

Contudo, no contexto organizacional, em especial nas organizações com finalidade lucrativa, o medo da morte da organização ocorre muito mais frequentemente, uma vez que as ameaças à sua viabilidade das empresas são muito mais frequentes, têm origens múltiplas, e podem ocorrem em todas as fases da sua existência. Lidar com a ansiedade associada à inviabilidade organizacional torna-se, pois, uma atividade fundamental para garantir uma existência organizacional saudável.

Ao nível individual, a teoria da gestão do terror (Solomon, Greenberg & Pyszczynski, 2004) proporciona um quadro de referência apropriado para descrever o que fazem as pessoas para lidar com a consciência da sua própria morte. No essencial, esta teoria reconhece que os seres humanos nascem com uma propensão para a autopreservação, mas, de forma diferente de outros seres, os humanos desenvolveram capacidades complexas que lhes permitem pensar sobre o passado, imaginar o futuro e conceber estratégias para tornar este futuro uma realidade. Mas tal também se verifica nas organizações que para responderem a exigências internas e externas se foram complexificando e especializando cada vez mais. Esta consciência de si mesmo é uma fonte de adaptação, mas também de angústia, pois gera consciência de que a morte é certa, sendo incertos apenas as causas e o momento da sua ocorrência. Esta certeza entra em conflito com a propensão para a autopreservação, o que acarreta a necessidade de criar estratégias para a sua resolução, de maneira a dar mais significado e sentido à existência.

A criação da cultura, vista como um conjunto de significados que eleva os seres humanos a um plano mais alto do que o resto do planeta, dá o conforto necessário à viabilidade da existência. Conjuntos organizados de crenças sobre a realidade, partilhadas e transmitidas pelos indivíduos, designados por visões do mundo (Greenberg, Solomon & Pyszczynski, 1997), trazem ordem e sentido a um mundo na realidade incompreensível. A ansiedade e o medo da morte são minimizados através de conceitos, estruturas se sentido e padrões (valores) que permitem responder a questões fundamentais como: “como se iniciou o mundo”? “qual é o propósito da vida”? “o que acontece às pessoas depois de morrerem”?

Segundo a teoria da gestão do terror, para lidar com o medo da morte, as pessoas procuram ver-se a si mesmas como entidades que têm valor, e que desempenham papéis relevantes num mundo que tem significado e uma razão de ser (Solomon et al., 2004), mais concretamente, o medo da morte é mitigado pelo desenvolvimento de crenças sobre si mesmo relativamente a padrões culturais valorizados (autoestima), por uma visão do mundo que lhe confere compreensibilidade (sentido) e pelas relações próximas que os humanos desenvolvem (relacionamentos). Ou seja, como sugerem Swann e Bosson (2010), o primitivo medo da morte faz com as pessoas organizem a sua identidade em torno de três motivos fundamentais e universais: agência, coerência e comunhão. Mais especificamente, o motivo de agência descreve uma necessidade básica de competência, autodeterminação e autonomia. O motivo de comunhão refere-se à necessidade fundamental de aceitação, pertença e valor pessoal. O motivo de coerência descreve a necessidade básica de regularidade e de previsibilidade. Ao nível organizacional, estes três motivos explicam, entre outros aspetos, a razão pela qual temos vindo a assistir à multiplicação de rankings nos quais a maioria das organizações podem aparecer bem posicionadas: as avaliações positivas são indicadores de que a organização é bem aceite na sociedade (satisfaz o motivo de comunhão) que a organização é competente (satisfaz o motivo de agência), pelo que a sua existência faz todo o sentido (coerência).

Em suma, as teorias da auto-expansão e da gestão do terror proporcionam-nos quadros explicativos para responder à questão de saber a razão pela qual os indivíduos desenvolvem identidades. Obter e expandir os recursos necessários à vida e lidar com o medo da morte são necessidades humanas fundamentais que estimulam os motivos de auto-expansão, mas também de comunhão, agência e coerência. Em nosso entender, estes motivos estão também na base das razões pelas quais as organizações, enquanto criações humanas, desenvolvem as suas identidades. Mas os motivos que acabamos de expor não desempenham todos o mesmo papel e não esgotam o conjunto de possibilidades. Acreditamos que a teoria da construção motivada da identidade é uma contribuição relevante a este propósito e contribui para que a IO continue a ecoar, na mente dos seus membros e na mente coletiva da organização.