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E uma vez existente, para que serve ter identidade? Garantir a autorregulação e cultivar o

CAPÍTULO 6 – PORQUÊ PROPOR UMA NOVA ABORDAGEM À IDENTIDADE

6.3. E uma vez existente, para que serve ter identidade? Garantir a autorregulação e cultivar o

A satisfação e o desenvolvimento destes motivos fundamentais, levada a cabo através do trabalho identitário, faz com que os indivíduos vejam aumentada a sua capacidade de autorregulação (Adams & Marshall, 1996), o que reforça a definição pessoal da identidade. Por outro lado, o mesmo tipo de trabalho, proporciona aos indivíduos um conjunto de recursos que pode utilizar para vir a obter uma posição social mais condizente com os seus propósitos (Côté, 1996), logo facilitando o enactment da identidade. Autorregulação e fornecimento dos recursos intangíveis são as duas funções principais da identidade.

Na aceção de Erikson (1968), para o nível individual, a identidade tem a função de um dispositivo autorregulatório, na medida em que dirige a atenção, filtra ou processa informação, gere impressões e seleciona as ações mais apropriadas (Adams e Marshall, 1996), de tal maneira que os indivíduos se envolvem num processo de busca de um estado de identidade ótima. Mais especificamente, a identidade cumpre cinco funções, todas elas subsumidas à autorregulação (Serafini & Adams, 2002; Adams & Marshall, 1996; Crocetti, Schwartz, Fermani & Meeus, 2010): 1) a identidade proporciona aos indivíduos a estrutura de

que necessitam para processar informação que lhe diga respeito, garantindo a consciência de individualidade; 2) proporciona um sentido de consistência entre os cursos de ação escolhidos, os valores e crenças dos indivíduos; 3) a identidade proporciona uma perspetiva de futuro no que respeita às escolhas e às possibilidades, garantindo um sentido de coerência entre o passado, o presente e o futuro; 4) a identidade proporciona objetivos e direção através das ações e dos valores que o indivíduo escolhe; 5) a identidade proporciona um sentido de controlo pessoal, sobre as quatro funções precedentes, ou seja, de autorregulação.

Deste modo, o trabalho intencional de desenvolvimento dos seis motivos da identidade - autoestima, continuidade, distintividade, significado, eficácia e pertença - permitirá atingir uma identidade ótima, ou seja, a identidade atinge o seu propósito funcional (Adams & Marshall, 1996). O estado de identidade ótima será sempre instável, uma vez que a construção da identidade é um processo dinâmico. O estado de identidade ótima pode ser desequilibrado, quando a identidade é ameaçada, ou seja, quando pelo menos um dos motivos é questionado, seja por fatores internos, por exemplo, um líder que induz uma mudança a partir de dentro, seja precipitado por eventos externos, como por exemplo uma imagem de competência ameaçada.

Para além da função autorregulatória, focada essencialmente, na definição pessoal da identidade, o trabalho de desenvolvimento dos seis motivos da identidade permite ainda que os mesmos sejam utilizados para contribuir para o enactment da identidade. Mais precisamente, a satisfação e o desenvolvimento dos seis motivos, possibilita que os mesmos sejam usados como ativos intangíveis para a obtenção dos recursos necessários a uma posição viável do indivíduo na sociedade, tal como formulado por (Côté, 1996), ao sugerir o modelo do capital identitário. Este modelo ocupa-se não do processo de construção da identidade, mas sim do resultado da formação da identidade, no caso vertente a viabilidade da identidade no contexto no qual os indivíduos atuam. Um dos elementos centrais desta proposta consiste em afirmar que esta viabilidade será conseguida na medida em que os indivíduos mobilizem recursos como conhecimentos, crenças ou atitudes no processo de negociação por pertença a grupos importantes, acesso a estatuto ou outros ativos sociais. Indivíduos que possuem recursos mais significativos para negociar serão, provavelmente, melhor sucedidos na obtenção dos recursos sociais. Esta capacidade negocial estará dependente de recursos tangíveis como competências, recursos financeiros e reputação, mas, em sociedade nas quais os indivíduos, deixados a si mesmos na gestão das suas vidas, os ativos intangíveis, como a autoestima, sentido de propósito, sentido de autodeterminação, continuidade e integridade de caráter serão preditores eficazes de capital identitário e da sua aquisição (Côté, 1996;

Schwartz, 2001). Ora estes recursos intangíveis sobrepõem-se, integralmente, aos motivos da identidade, descritos na secção precedente, o que permite encarar os seis motivos como elementos integrantes do capital identitário.

Porque as organizações são dependentes de recursos e porque, enquanto entidades humanas são movidas pelo motivo de auto-expansão a adquirir mais recursos (Aron, Aron, & Norman, 2001) e que os recursos são detidos muitas vezes por outras entidades (Pfeffer & Salancik, 1978), então a capacidade de negociar estes recursos será um fator determinante da viabilidade da organização. Neste contexto, a promoção de recursos identitários intangíveis, como os enunciados na abordagem motivada da identidade, terá como consequência a facilitação da capacidade de auto-expansão rumo a uma posição mais favorável de uma organização no seu contexto. Uma vez que os motivos da identidade são universais, e que os recursos são detidos muitas vezes por outras organizações, as chamadas constituintes de cujos recursos dependemos, na terminologia de Watson (2016) estas terão igualmente elaborado as suas identidades de maneira a maximizar estes mesmos motivos. Consequentemente, estarão em condições de negociar mais favoravelmente com organizações que se apresentam com uma configuração de elementos que valorizam, o que faz com que organizações com mais trabalho em torno destes motivos, ao serem validadas pelo contexto, tenham mais acesso aos recursos de que necessitam para assegurar a sua existência.

Na nossa perspetiva, a explicação para as organizações reconhecerem mais legitimidade em organizações que se apresentam como tendo os seis motivos de identidade bem desenvolvidos, pode ser encontrada na teoria da norma da internalidade (Beauvois, 1984), formulada para o nível individual. Segundo esta teoria, nas sociedades liberais está convencionado que as atribuições internas, as que situam as causas de um acontecimento nas características do ator, são mais valorizadas e merecem maior aprovação social do que as externas, as que se referem à sorte ou às circunstâncias. Trata-se, no fundo, de “acentuar o peso do ator como fator causal” (Beauvois & Dubois, 1988, p. 301) na explicação dos comportamentos e dos resultados. A conceção de uma organização como ator social, visto como uma entidade a quem as sociedades modernas tratam, por via legal e por prática linguística como se fossem indivíduos a quem se confere intencionalidade e agência (Steele & King, 2011) é, como anteriormente mencionado, um dos paradigmas centrais na teorização sobre a IO.

O reconhecimento, numa dada organização, por parte de constituintes detentores de recursos, de atributos como a autoestima, a continuidade, a distintividade, o significado, a eficácia e a pertença, sinalizará por via da norma da internalidade, que se trata um ator valioso

e, como tal, ser-lhe-á mais facilmente concedido acesso a recursos que necessita para ser bem- sucedido. Suspeitamos ser a esta norma da internalidade a que Zuckerman (2016) se refere ao aludir ao mito das sociedades modernas, segundo o qual as audiências aderem à convenção segundo a qual o que nos torna indivíduos são as diferenças internas, o que levaria à pressão para os indivíduos balancearem a diferenciação e a conformidade, em vez de existir uma necessidade individual básica.

O resultado desta valorização dos atributos internos da IO por parte dos constituintes de cujos recursos dependem, será uma postura favorável no que respeita à disponibilização de recursos e de aproximação, dando lugar a níveis mais ou menos elevados de identificação destes constituintes com a organização focal (Bartel, Baldi & Dukerich, 2016).

Ao nível organizacional, o resultado fundamental das duas funções da identidade – autorregulação e recurso intangível – será o desempenho organizacional acrescido. Vemos o desempenho organizacional decorrente deste trabalho identitário como produzindo uma posição saudável da organização no seu contexto, em linha com a noção de “desempenho sustentável e autêntico1“ formulada por Avolio e Gardner (2005).

A Figura 7, apresenta os elementos fundamentais da abordagem que propomos.

Figura 7 - Nascidas para crescer, mas com medo de morrer: motivos, funções e os efeitos da IO

Segundo os autores, o desempenho organizacional sustentado (DOS) descreve a capacidade de uma organização atingir persistentemente elevado desempenho e crescimento, sendo que a qualificação autêntica descreve a natureza ética e genuína da consecução desde desempenho e crescimento. O desempenho organizacional autêntico (DOA) inclui retornos Motivos da identidade Autoestima Continuidade Distintividade Eficácia Pertença Significado Desempenho organizacional sustentável (DOS) e autêntico (DOA): retornos financeiros, humanos, sociais e psicológicos

Função de capital identitário: usar

motivos como ativos intangíveis para negociar com constituintes detentores de recursos vitais

Motivos ancestrais

Medo da morte Recursos vitais

Função de autorregulação:

sentido de controlo interno sobre o futuro, os objetivos a prosseguir, a consistência de valores e ações e o processamento de informação sobre a organização Trabalho identitário (TI)

financeiros, humanos, sociais e psicológicos e considera o modo como, no essencial, a organização é gerida. Esta visão do desempenho organizacional é condizente, com a proposta (Smith & Lewis, 2011) ao incorporarem na sua aceção de desempenho sustentável, para além da capacidade de as organizações gerirem eficazmente os recursos naturais e ambientais, cultivarem também bem aspetos financeiros, humanos e organizacionais. De notar que, nesta mesma aceção, o desempenho sustentável não é um resultado, mas antes, um ciclo dinâmico.