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Imprensa na historiografi a da alfabetização:

No documento História da alfabetização e suas fontes (páginas 124-127)

uma andorinha só não faz verão

1

Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro Elizabeth Farias da Silva

O

termo Historiografi a remete-se a Campanella (1568-1639), para quem a escrita da História deveria tratar “[...] as coisas como elas são” (Lombardi, 2003, p.6), isto é, ter um caráter de verdade. Campanella, embora vinculado à Igreja Católica, já estava inserido no que se denominou “[...] ruptura do monopólio da interpretação” (Marramao, 1997, p.10), provocada pela Reforma Protestante, a qual culminou, na Europa, com o Tratado de Westphalia (1649), assinalando a passagem de propriedades religiosas para mãos seculares, o nascimento do Estado Moderno e paulatina soberania “intramundana” (Marramao, 1997, p.17). Este processo culmina com a “[...] substituição da Providência pelo Progresso, de Deus pelo Homem, como sujeito absoluto da História” (Marramao, 1997, p.78). Destaca-se o termo “Homem”, cujos implícitos e conotações são trabalhados, na sequência.1

A trajetória – tomada como categoria – da Historiografi a apresenta estreita relação com a construção e o fazer de um determinado tipo de conhecimento – o científi co. Um conhecimento passível de ser reconhecido como legítimo e legal por parte do Estado Moderno. De acordo com o Fondo de Cultura Económica - FCE (2014, p.433-435), Weber já indicava, em 1913, que:

La conducta humana (“externa o interna”) da muestras tanto de contextos relacionales como de regularidades en su desarrollo, del mismo modo que aparece en todo acontecer. Sin embargo, específicas al comportamiento humano (cuando menos en su sentido más pleno) son las conexiones y regularidades

1 Este artigo é decorrente da pesquisa denominada “Educação, pobreza, política e marginalização: formação da for-

ça de trabalho na nova capital de Minas Gerais (1909-1927)”, aprovada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (CNPq), e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e tam- bém de um estágio Pós-doutoral, efetivado na Universidad Nacional de Colombia – sede em Medellín e na Universidad Autónoma del Estado de Morelos (UAEM) – sede em Cuernavaca.

cuyo curso puede ser inteligiblemente interpretado por medio de la “comprensión” […] Como se ha dicho con frecuencia, “uno no necesita ser César para entender César”. De otro modo, toda la historiografía sería un sinsentido. […] La sociología, como la historia, comienza interpretando “pragmáticamente”, es decir, a

partir de los contextos racionalmente comprensibles de la acción.2

Nesta mesma obra póstuma, “Economía y Sociedad”, Weber já indica e assume o politeísmo de valores e a “visão de mundo” por parte de quem pesquisa. Para esta opção metodológica, dada pelo autor, o processo e a dinâmica de conhecimento científi co, também, calcaram trajetórias e rupturas. Entre Campanella e Weber, em relação ao que se denominou conhecimento científi co, encontram-se marcos, principalmente, no que se refere às ciências naturais, assim, entre o século XVIII e meados do século XIX, o conhecimento, vinculado à verdade e à certeza, desconhecia a concepção de objetividade científi ca. A verdade estava relacionada à natureza e as pessoas elaboravam “tipos” para melhor reproduzi-la, em muitos casos artista e cientista unindo-se para uma reprodução mais elaborada. Com o surgimento da fotografi a, reelaborou-se a concepção de reprodução, iniciou-se a objetividade mecânica (Daston; Galison, 2012). A partir de Kant e a correspondente proposição de subversão entre subjetividade e objetividade, tem-se a tessitura do que seria praticado, em termos metodológicos, até a virada do século XX. Descartes utilizava o conceito “objetivo” relacionado “[...] com uma representação do espírito”3.

Para Kant “[...] o universal e o necessário” é o objetivo; e o subjetivo seria “a simples sensação”4. A torção

dada pelo fi lósofo Kant tem como corolário a separação entre sujeito e objeto, e a elaboração da persona científi ca e o que Foucault denominou “técnicas de si”5. A elaboração do tipo de persona científi ca e a

necessidade peremptória de um conhecimento universal, sem lugar determinado de enunciação, foram reforçadas em congressos e encontros internacionais: “Le soi scientifi que devait être doté d´une vigilance et d´une conscience à toute épreuve, nécessitant non seulement une formation extérieure, mais aussi une autodiscipline des plus rigorouses” (Daston; Galison, 2012, p.146).6

No início do século XX, entretanto, o modus operandi da prática científica foi abalado com a teoria da relatividade e a nova física abriu uma maior fissura entre as pessoas que praticavam ciência. No mundo subatômico, as leis da física moderna para o mundo macro não funcionavam e a pessoa que analisava este mundo intervinha no observado (Silva; Nopes; Bao, 2015). Com o mundo da física

2 A conduta humana (externa ou interna) dá mostras tanto de contextos relacionais como de regularidades em seu

desenvolvimento, do mesmo modo que aparece em todo acontecer. Entretanto, específi cas ao comportamento humano (quando menos em seu sentido mais pleno) são as conexões e regularidades cujo curso podem ser inteligentemente interpretados por meio da “compreensão” [...] Como se diz com frequência,” não se necessita ser César para entender César”. De outro modo, toda a historiografi a seria sem sentido. [...] A sociologia, como a história, começa interpretando “pragmaticamente”, isto é, a partir dos contextos racionalmente compreensíveis da ação. Tradução livre. Grifos nossos.

3 DASTON; GALISON, 2012, p.241.

4 Ibid., p.242. 5 Ibid., p.232.

6 O fazer científi co deve ser dotado de uma vigilância e de uma consciência a toda prova, necessitando não somente uma

quântica, a questão da objetividade científica ganhou outros contornos, o raciocínio binominal – verdade/certeza – tornou-se mais flexibilizado. A proposição metodológica weberiana tornou-se mais compreensível na área das ciências humanas. Para a História e a Historiografia, o marco ocorreu na década de vinte, com a revista Annales. Ribeiro, Silva e Silva (2014, p.221-222) indicaram que: “No fim dos anos 1920, os historiadores franceses Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956), propuseram uma mudança à história: retirá-la de seu isolamento tradicional mediante uma ampliação do diálogo com outras áreas do saber”. Este movimento, ao propor a intersecção com as ciências sociais, não só revolveu como também assimilou outras probabilidades e possibilidades de fontes, principalmente com a quarta geração e a História cultural: “Uma quarta geração tendeu à história cultural, feita por intelectuais como Roger Chartier e Jacques Revel sob influência do pensamento de Michel Foucault e que estaria voltada à investigação das práticas culturais”. Com Michel Foucault, as ciências humanas inverteram a “ordem do discurso”. O próprio termo “discurso” é indicativo do deslocamento da concepção de verdade, da concepção do fazer ciência e consequentemente assume-se o “politeísmo de valores” e a “visão de mundo” da pessoa que efetua a pesquisa.

Sem relevar as civilizações do então chamado Oriente – como exemplo, os persas e a disseminação da cultura letrada no período clássico grego, e lembrando que os principais escritos de fi lósofos gregos, adotados pelo chamado Ocidente, foram recuperados graças aos esforços de pensadores árabes, quando ocupavam parte da Península Ibérica, a partir da Europa – tem-se, para a categoria alfabetização, o marco dos escritos do marquês de Condorcet (1743-1794).

Condorcet (2008) pode ser tomado como indicativo do processo de separação entre as esferas do religioso e do secular no processo de educação e consequentemente de alfabetização. O conteúdo de seus escritos foi elaborado no decorrer da Revolução Burguesa Francesa e não só denota como também conjuga ideias e projeto de um outro imaginário. O autor assume a razão humana como a matriz das explicações de mundo e desloca os seres sociais para o âmbito da civitas, para o que a socialização secundária das crianças (independente de gênero), via educação formal, deveria ser gratuita, laica e pública para o ensino primário, ou seja, Condorcet (2008) radicaliza com a proposição de se tornar o ensino laico, a partir da alfabetização, propugnando que a instituição educação fosse emancipada, configurando, assim, sua autonomia. Em seus textos, transmite a crença na ciência como explicação verdadeira de mundo, a crença no progresso, cuja referência seria parte da Europa, isto é, os franceses e os anglo-saxônicos, bem como a crença de que a desigualdade entre os humanos em sociedade poderia ser sanada por meio da instrução pública. Talentos são desiguais, mas a “fortuna” deve ser secularizada.

As medidas propugnadas por Condorcet, no fi nal do século XVIII para a educação, reverberaram no Brasil, a partir de um viés liberal, já na segunda década do século XIX, conforme Xavier e Tambara (2016, p.2):

Uma das justifi cativas para se debruçar sobre o pensamento educacional de Condorcet está em ser ele o autor base dos dois primeiros projetos de instrução pública do Brasil independente. O primeiro é a Memória de Martim Francisco Ribeiro d’Andradas Machado, apresentada à Comissão de Instrução Pública durante os

trabalhos da primeira Assembleia Nacional Constituinte e Legislativa de 1823, a qual foi dissolvida por Dom Pedro I em novembro de 1823. O segundo é o projeto de lei sobre instrução pública de Januário da Cunha Barbosa, apresentado na sessão de 16 de julho de 1826, do Parlamento Brasileiro.

No documento História da alfabetização e suas fontes (páginas 124-127)

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