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Palavras fi nais: trouxeste a chave?

No documento História da alfabetização e suas fontes (páginas 119-124)

As imagens têm também os seus mistérios, que sorrateiramente enganam os observadores. Os efeitos visuais provocam uma falsa impressão de que tudo é perceptível pelo olhar. Tal como para abrir a porta é necessário encontrar a chave própria, ao fazer a análise de uma iconografi a, o historiador precisa perscrutar cuidadosamente o material, cogitando percepções para além do campo visual.

No decorrer deste trabalho, observamos que as imagens, nas cartilhas destinadas ao ensino de leitura e escrita, não cumprem apenas a função lúdica de ilustração do texto escrito. Elas concretizam o pensamento da época, atendem às premissas da legislação em vigor, revelando modos de agir, ser, conviver e alfabetizar. Logo, as iconografi as são fontes inesgotáveis para a historiografi a da alfabetização, já que podem demonstrar diferentes aspectos do tempo histórico em que foram produzidas, as políticas nacionais de educação, ideologias, as tendências da produção editorial, o método de ensino, as ideias pedagógicas imperantes, dentre outras questões, que estão muito além da exterioridade.

A análise conduzida com as imagens da Cartilha Moderna, de Ramon Roca Dordal, e da Cartilha Analítica, de Arnaldo de Oliveira Barreto, dialogou com outros documentos, afi nal “é óbvio que as fontes iconográfi cas devem ser confrontadas com o resto da documentação de todos os tipos a que se puder ter acesso, mas esta também é uma regra geral aplicável a quaisquer fontes” (Cardoso, 1990, p.17).

Muitos ainda são os desafi os do uso da imagem para a escrita de uma História da Educação Primária, sobretudo do ensino inicial de leitura e escrita. A imagem tem uma sintaxe própria, e, para compreender sua mensagem, é necessário conhecer a sua morfologia e sua semântica, afi nal o que ela transmite não é a realidade em si, e sim seu analogon.25 As ilustrações retratam o que seus autores queriam

eternizar e é necessário mergulhar em seu reino secreto e impreciso, ao mesmo tempo tangível nos traços, cores e texturas. As fotografi as escolares, por exemplo, transmitem aquilo que a escola queria perpetuar de si mesma para as próximas gerações. Esse caráter na modernidade perdeu o sentido; antes, as fotografi as tinham um caráter futurista, perenizando, nos álbuns, as tradições de família, de um povo, de uma instituição etc. Hoje, a imagem, como já assinalado, tem um caráter muito instantâneo. No entanto, essas contradições da contemporaneidade não diminuem suas potencialidades, ao contrário, proporcionam

25 Expressão utilizada por Barthes (1990, p.13) ao se referir ao estudo e à análise da fotografi a: “a imagem não é o real;

mas ela é pelo menos seu perfeito analogon, e é precisamente esta perfeição analógica que, para o senso comum, defi ne a fotografi a. Surge assim o estatuto particular da imagem fotográfi ca: é uma mensagem sem código, proposição de que é necessário extrair imediatamente um corolário importante: a mensagem fotográfi ca é uma mensagem contínua”.

uma intrigante busca e elevam os desafi os de nosso ofício. Nas palavras de Drummond (2007, p.56), “as coisas tangíveis/ tornam-se insensíveis/ à palma da mão./ Mas as coisas fi ndas,/ muito mais que lindas, essas fi carão”. Enfi m, não podemos esquecer que, além de uma fonte para a História, as imagens também carregam os sentimentos de seus autores, proprietários e consumidores, e, com todo respeito a isso, o diálogo sempre continuará aberto.

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