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Os periódicos na historiografi a da alfabetização: temas abordados no período de 1944 a

No documento História da alfabetização e suas fontes (páginas 156-159)

Márcia Campos Moraes Guimarães Armindo Quillici Neto

P

ara fazer história, é fundamental que o historiador se utilize de documentos, pois, sem eles, não há pesquisa. Dessa forma, todas as pesquisas são documentais, o que as distingue é a ênfasedada a cada documento. O documento é a memória e não a materialidade.

Saviani (2004, p.5-6) afi rma que:

As fontes estão na origem, constituem o ponto de partida, a base, o ponto de apoio da construção historiográfi ca que é a reconstrução, no plano do conhecimento, do objeto histórico estudado. Assim, as fontes históricas não são a fonte da história, ou seja, não é delas que brota e fl ui a história. Elas, enquanto registros, enquanto testemunhos dos atos históricos, são a fonte do nosso conhecimento histórico, isto é, é delas que brota, e nelas que se apoia o conhecimento que produzimos a respeito da história.

Na visão de Le Goff (1990), a história é a forma científi ca da memória coletiva, à qual se aplicam dois tipos de materiais, os documentos e os monumentos. O que sobrevive não se restringe apenas ao conjunto do que existiu no passado, mas trata-se de uma escolha feita pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, ou pelos historiadores. Assim, os materiais de memória podem se apresentar como “os monumentos, herança do passado, e os documentos, escolha do historiador” (Le Goff , 1990, p.535, grifos do autor).

De acordo com Le Goff (1990, p.535), o monumento “é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação, por exemplo, os actos escritos” e tem como característica “o ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, das sociedades históricas (é um legado a memória colectiva) e o reenviar a testemunhos que só numa parcela mínima são testemunhos escritos” (Le Goff, 1990, p.536).

Já o termo documento evoluiu para o significado de prova, sendo bastante utilizado no vocabulário legislativo. No final do século XIX e início do século XX, foi tido como fundamento do fato histórico, pela escola histórica positivista, apresentando-se como prova, mesmo sendo resultante da escolha do historiador. Sua objetividade opõe-se à sua intencionalidade e afirma-se, fundamentalmente, como testemunho escrito. Na visão positivista, o documento passa a equivaler-se ao texto, o que se encaminha para o domínio do documento sobre o monumento.

A escola positivista concede o triunfo ao documento, que passa a ser recurso indispensável a todo historiador: mais especifi camente, “não há história sem documentos”. Caso os fatos históricos não estejam registrados em documentos, gravados ou escritos, se perderiam, portanto o documento era sobretudo um texto. Contudo, já se percebia o limite desta defi nição nas palavras de Fustel de Coulanges, que especifi cam que, na ausência do documento escrito, “deve a história demandar às línguas mortas os seus segredos... Deve escrutar as fábulas, os mitos, os sonhos da imaginação... Onde o homem passou, onde deixou qualquer marca da sua vida e da sua inteligência, aí está a história [ed. 1901, p.245]” (citado por Le Goff , 1990, p.539).

Era uma ilusão pensar que os documentos, desde que fossem autênticos, seriam sufi cientes para “remontar” o passado. O modelo positivista de fazer história instituiu, ao historiador, o rigor e os trâmites para trabalhar com os documentos e contribuiu para com os princípios e métodos de se fazer história, como, por exemplo, a identifi cação da autenticidade dos documentos. Todavia, “o historiador não deve ser apenas capaz de discernir o que é ‘falso’, avaliar a credibilidade do documento, mas também saber desmistifi cá-lo” (Le Goff , 1990, p.110).

Vale considerar também as palavras de Certeau (2003, p.82), ao afi rmar que não basta apenas fazer falar o documento, dando voz ao silêncio, o que “signifi ca transformar alguma coisa, que tinha sua posição e seu papel, em alguma outra coisa que funciona diferentemente”.

Com o surgimento da Escola dos Annales, a história que se encontrava pronta nos documentos e que também privilegiava o campo político foi questionada. Surge, no início dos anos 1930, uma nova confi guração de história, que passa a priorizar o social em detrimento do político, como era, até então, praticada. Afl oram as discussões acerca das intenções por trás dos documentos, ou seja, inicia-se um processo de interpretação e de compreensão da história no seu aspecto social.

Novos pressupostos de análise da história emergem com a Escola dos Annales e, consequentemente, novos documentos/fontes são requisitados. Ocorre uma ampliação na área dos documentos, que a história tradicional antes restringia aos textos e aos produtos da arqueologia. Deixa-se de considerar apenas os grandes homens e heróis, abre-se espaço para os acontecimentos cotidianos, para as minorias sociais, que passam a ser vistas como sujeitos do processo histórico.

Embora tenha ocorrido uma revolução documental, tanto quantitativa como qualitativa, infl uenciada pela revolução tecnológica e pelo advento do computador, a crítica à noção de documento, tido antes como material bruto, objetivo e inocente, afl ora. Na perspectiva de Le Goff (1990), tanto para os documentos conscientes, como para os inconscientes, aqueles que foram produzidos sem intenção de legar um testemunho à posteridade, é imprescindível um estudo minucioso das suas condições de produção. O historiador precisa repensar a própria noção de documento. Sua posição perante a escolha deles ainda é menos “neutra” do que

sua intervenção, afi nal o documento não é inocente, é fruto, consciente ou inconsciente, de uma montagem da história, da época e da sociedade que o criou. Como é durável, o ensinamento que carrega precisa ser analisado, desmistifi cando seu signifi cado aparente. Portanto, o documento é resultado do empenho das sociedades históricas de impor sua imagem para o futuro, de forma voluntária ou involuntária.

Neste prisma, cabe ao historiador não assumir o documento como verdade e não cair na ingenuidade científi ca, acreditando na evidência; é preciso desmontá-lo, desestruturá-lo. E dialogar com os documentos não é uma tarefa fácil, pois eles só se constituem em fontes se o historiador, pautado em rigor teórico e metodológico, for capaz de dar-lhes voz. Cabe ao historiador “enxergar que os documentos e os testemunhos só falam quando sabemos interrogá-los e que toda investigação histórica supõe, desde seus primeiros passos, que a investigação já tenha uma direção” (Bloch, 2002, p.27).

Neste contexto de ampliação e crítica aos documentos, emerge a utilização dos impressos pedagógicos como campo de pesquisa. Com longa tradição nos países europeus, o mapeamento, organização e conservação dos impressos pedagógicos passam a fazer parte da tarefa de pesquisadores brasileiros, como Catani e Souza (1999), que publicaram um livro com caráter de catálogo, intitulado Imprensa periódica educacional paulista (1890-1996), contendo informações referentes às revistas de ensino editadas no Estado e na cidade de São Paulo, no período entre 1890 a 1996. No catálogo, consta a relação de 456 periódicos especializados em Educação, e ele apresenta os índices: geográfi co, cronológico e tipologia de publicação.

Vários estudos, principalmente dissertações e teses dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, vêm emergindo, tendo, como objeto e como fonte de pesquisa, os periódicos educacionais. Todavia, quando o assunto em pauta é a alfabetização, surgem alguns empecilhos, como o que explicita Mortatti (2014): os artigos do tema são publicados em periódicos de diferentes áreas, dada a inexistência de periódicos especializados na temática. Segundo a autora, há somente uma revista científi ca brasileira que aborda a alfabetização de forma específi ca e trata-se de uma publicação recente.

Outro ponto a considerar é a difi culdade de acesso aos periódicos. Atualmente há uma quantidade considerável deles indexados na Base Scientifi c Eletronic Library Online (SciELO),1 porém ainda existem os

que estão sofrendo processo de deterioração nos arquivos públicos, como é o caso da Revista de Educação, que circulou em Goiás a partir da década de 1930 e que contém informações relevantes sobre a alfabetização. Além do estado precário, apenas cerca de 8 números, sem sequência, podem ser encontrados no Arquivo Histórico de Goiás (AHG) e, no Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central (IPEHCC), apenas 4. Conforme conversa informal com os funcionários do arquivo, o Governo do Estado tinha um projeto para digitalização dos documentos que, por falta de verba, não se concretizou.

1 A Scientifi c Electronic Library Online - SciELO é uma biblioteca eletrônica que abrange uma coleção selecionada de

periódicos científi cos brasileiros. A SciELO é o resultado de um projeto de pesquisa da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em parceria com a BIREME - Centro Latino Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde. A partir de 2002, o Projeto conta com o apoio do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico. O Projeto tem por objetivo o desenvolvimento de uma metodologia comum para a preparação, armazenamento, disseminação e avaliação da produção científi ca em formato eletrônico. Disponível em: <www.scielo. com.br>. Acesso em: 15 maio 2016.

Algumas Universidades Públicas têm compelido esforços para, além de disseminar a importância da preservação de documentos, identifi car, localizar e sistematizar fontes históricas. Mas também esbarram nos empecilhos de falta de verba e pessoal qualifi cado.

Conforme Catani (1996, p.117), as revistas especializadas em educação, sejam elas do Brasil ou de outros países,

constituem uma instância privilegiada para a apreensão dos modos de funcionamento do campo educacional enquanto fazem circular informações sobre o trabalho pedagógico e o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino específi co das disciplinas, a organização dos sistemas, as reivindicações da categoria do magistério e outros temas que emergem do espaço profi ssional. Por outro lado, acompanhar o aparecimento e o ciclo de vida dessas revistas permite conhecer as lutas por legitimidade, que se travam no campo educacional. É possível analisar a participação dos agentes produtores do periódico na organização do sistema de ensino e na elaboração dos discursos que visam a instaurar as práticas exemplares.

Uma das análises que se pode, em primeira instância, realizar com as revistas de educação é a predominância ou recorrência temática. Evidentemente, este é apenas o ponto de partida para a localização de informações que poderão subsidiar pesquisas sobre a história da educação. Isto é o que apresentaremos a seguir, tendo como fonte cinco periódicos de circulação nacional, veiculados no período de 1944 a 2009.

No documento História da alfabetização e suas fontes (páginas 156-159)

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