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O campo da História da Alfabetização e sua relação com as fontes

No documento História da alfabetização e suas fontes (páginas 40-42)

Isabel Cristina Alves da Silva Frade

T

endo como proposta considerar a História da Alfabetização em relação às fontes, escolhi discutir relações possíveis a partir de perguntas importantes que determinariam o próprio campo da alfabetização. Para a sua constituição e no que tange à sua autonomia frente aos estudos de história da educação, história do livro, história da leitura e história da cultura escrita, o campo da História da Alfabetização, no Brasil,precisa se perguntar: qual é o nosso objeto, qual a sua abrangência e que correlações são possíveis entre esse campo e os outros campos já consolidados? Nesse sentido, ao mesmo tempo em que precisamos isolar o fenômeno, para dar-lhe especifi cidade,também não podemos separá-lode outros fenômenos culturais envolvendo os usos da escrita e seu funcionamento na sociedade.

Essa perspectiva inspira retomar algumas perguntas de Justino Magalhães (2001, p.99), quando discute os limites e possibilidades metodológicas do trabalho com assinaturas encontradas em documentos testamentários:

O que procura o historiador da alfabetização? O que signifi ca ser alfabetizado? Estas duas questões ganham sentido no contexto da cultura escrita, designadamente no âmbito das representações simbólicas e materiais, constituídas pela leitura e pela escrita e, concomitantemente,seus usos e suas práticas.

Num texto em que discuti minha trajetória de pesquisa nessa área, para minha própria compreensão, busquei um tipo de defi nição desse campo, indicando

a História da Alfabetização como o estudo de formas pretéritas de ensino/aprendizagem da tecnologia da escrita; de sua manifestação no contexto das instituições as mais diversas; dos métodos para sua transmissão;

dos materiais que estão em jogo na sua apropriação; das práticas empreendidas pelos sujeitos e grupos sociais em torno do processo de aquisição inicial da escrita e de seus efeitos sociais e culturais na sociedade.

Buscando identifi car o fenômeno e qualifi cá-lo, podemos recortar o conceito de alfabetização tomando como foco os processos de transmissão e aquisição de habilidades individuais, de destrezas específi cas, conforme estudos de Justino Magalhães (1999, 2001), e/ou como um tempo de aquisição, como apontado por Antonio Castilho Gomez (1999).

Sabemos que estudos seriais que tomam determinada habilidade de alfabetização como, por exemplo, a de assinar, precisam relacioná-la com outras variáveis pedagógicas, culturais e sociais de cada tempo, uma vez que o que se defi ne como alfabetização e até o uso desse termo são históricos. Em cada momento histórico, mesmo queas habilidades a serem ensinadas-aprendidas sejam supostamente parecidas, a sua distribuição social, os signifi cados atribuídos à alfabetização, assim como as práticas e consequências a ela associadas mudam,a depender decada grupocultural e do tipo de sociedade.

Precisamos, então,refl etir sobre as tendências que vão se confi gurando nesse campo de estudos, buscando contemplar os seguintes aspectos: a) o que caracteriza o conteúdo da aprendizagem da escrita e sua relação com o que chamamos de alfabetização no período estudado; b) a identifi cação do momento em que esse ensino/aprendizado ocorre, ou seja, do tempo de aquisição de uma competência gráfi ca; e c) a identifi cação das técnicas intelectuais que são construídas para que a escrita, como sistema e como prática, seja transmitida às novas gerações e como isso envolve metodologias e racionalidades gráfi cas presentes nos materiais.

Considerando os aportes dados por Roger Chartier (2002), retomados no texto de Ana Maria Galvão (2010), que trabalha elementos para a construção de uma história da cultura escrita, também podemos identifi car várias portas de entrada para estudar a História da Alfabetização: as instâncias/instituições, os objetos, os sujeitos, os suportes e os meios de produção e a transmissão da escrita, considerando que cada dimensão constrói suas práticas em torno do fenômeno da alfabetização. Essa perspectiva nos ajuda a problematizar o que estamos investigando, com quais fontes e em quais espaços sociais, quando nomeamos a área de estudos como “História da Alfabetização”.

Como já me posicionei em várias publicações, considero que o campo de estudos da História da Alfabetização, no Brasil, veio se constituindo a partir dos métodos, dos livros e das práticas escolares, na vertente de compreender o ensino e o pensamento pedagógico, sem que fi zéssemos perguntas epistemológicas sobre a independência ou a relação desse campo com o da história da cultura escrita, da história do livro e da história da leitura. Essa defi nição nos obriga a considerar a alfabetização como variável dependente de várias questões e, mesmo como fenômeno específi co, ela se relaciona a dimensões da cultura escrita como um todo.

Por outro lado, o processo de renovação de fontes que ocorreu nos estudos históricos, em geral, com a emergência da história cultural,1 possibilita que a História da Alfabetização se construa com novas fontes.

Se as fontes ofi ciais escolares e estatais, como legislação, regulamentos, programas de ensino, atos do poder executivo, discussões parlamentares, atas, relatório escritos por autoridades e professores dão acesso a um aspecto da realidade da escola e da alfabetização, sobretudo no que tange aos discursos e prescrições ofi ciais, deixam de fora as práticas que ocorreram tanto na instituição escolar, como em outras instâncias que, em determinados momentos históricos, também se ocuparam em transmitir as habilidades ler e escrever e determinaram usos específi cos da escrita, como a família, a igreja, o espaço de trabalho, entre outros.

Conforme o que nos ensinam os estudos da história cultural desenvolvidos por Roger Chartier (1990) e tomando emprestado o que Eliane Lopes e Ana Maria Galvão (2001, 2010) apontam como fontes para renovação dos estudos da história da educação, podemos trabalhar com fontes escolares e não escolares que podem construir referências sobre o que é a alfabetização, em cada momento: instrumentos e suportes de escrita, livros e manuais para ensinar a ler e escrever, contratos de editoras, inventários, certidões e documentos de cartório, imprensa periódica (imprensa em geral, jornais pedagógicos e escolares, revistas, anuários, almanaques), publicidade, história oral, diários, relatos de viagem, autobiografi as, obras literárias, correspondências, entre outros.

Tendo em vista esses pressupostos, posso dizer que o trabalho com as fontes é dependente das perguntas que fazemos para investigar o fenômeno da alfabetização numa perspectiva histórica; relaciona- se com o quadro teórico que utilizamos para ver nossa realidade e com a metodologia utilizada para analisar as fontes.

Para problematizar um campo em confi guração, a História da Alfabetização, trabalhando adequadamente com seus conceitos, com as repercussões metodológicas e com as fontes de pesquisa, precisamos de algumas defi nições e perguntas prévias, algumas das quais passo a abordar nos tópicos seguintes. Para o desenvolvimento deste texto, optei por relacionar as fontes aos problemas e não tomá-las nelas mesmas, pois os problemas de pesquisa não começam com as fontes, embora a descoberta de uma nova fonte nos provoque a pensar novas questões.

Para a discussão, dialogo com algumas publicações que representam trabalhos do campo, como os de Mortatti (2000), Frade e Maciel (2006), Schwartz, Peres e Frade (2010), Mortatti (2011), Mortatti e Frade (2014), com os estudos que tenho produzido e com outros que exemplifi cam o trabalho com determinada fonte ou problema, sem pretender, com isso, analisar um conjunto extenso de produções sobre o tema.

No documento História da alfabetização e suas fontes (páginas 40-42)

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