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Informações relativas às conferências de Beauvoir

No documento Simone de Beauvoir e Portugal (páginas 90-93)

Capítulo III – Simone de Beauvoir e Portugal

1. A primeira visita de Simone de Beauvoir a Portugal

1.1 A visita na imprensa portuguesa

1.1.4. Informações relativas às conferências de Beauvoir

No que diz respeito às informações dadas pela imprensa relativamente às conferências realizadas pela autora, foram apresentados, para além dos títulos das mesmas, alguns breves relatos dos temas abordados e outros que versavam sobre a forma como decorreram as conferências. Um tema sobre o qual Beauvoir falou frequentemente foi o da nova literatura francesa. Em relação a este assunto, foi referido que a escritora defendeu veementemente que a literatura devia contribuir o melhor possível para que o homem adquirisse uma consciência plena da realidade. O humanismo também não ficou de fora e a este respeito foi dito que o novo humanismo francês se baseava na defesa da liberdade e no reconhecimento da realidade, fosse ela boa ou má.

Neste sentido, todos os jornais fizeram referência – uns mais do que outros – ao conteúdo das conferências proferidas por Simone de Beauvoir.

159 Comércio do Porto, 26 de Março de 1945. 160 Id., ibid.

A este respeito, foi dito161 que a escritora focou o horror da derrota, a ocupação da França

pelos alemães, a fuga das populações, os crimes cometidos contra os judeus, as deportações dos franceses para supostos campos de trabalho, a cruel realidade que estes escondiam e, finalmente, a fome, o frio e a miséria que existiam em França. Beauvoir referiu ainda os sofrimentos materiais e morais da Ocupação: a tragédia das repressões, do encarceramento e da morte e as consequências negativas destes flagelos no ânimo francês. Foram também explicadas as causas da derrota da França: a superioridade alemã em homens, material e técnica de guerra e a forma como a Alemanha tentou corromper o espírito francês através da sua propaganda que tentava fazer o povo descrer dos valores morais e culturais da civilização francesa. Como resultante dessa propaganda perniciosa, apresentou a Colaboração – que para ela era sobretudo uma sujeição ao regime estabelecido – e o seu oposto, a Resistência. O afecto da escritora dirigia-se todo para a literatura dita resistente e para os “maquisards”: ambos lutaram activamente contra o invasor. De facto, a literatura é também uma forma de engagement: os homens de letras combatiam com a pluma e através desse singelo instrumento reforçava-se o espírito francês. Para além disso, a literatura permitia aproximar o destino dos homens, afastados pela Ocupação e pelo êxodo da população.

Beauvoir referiu ainda que a resistência se fez sentir, no início, através de sabotagens, de atentados, de panfletos, de folhetos e boletins de informação e que amplificou a sua acção aquando da criação dos «maquis» e do aparecimento dos famosos «maquisards».

Para além disso, a escritora descreveu factos que, segundo os relatos de imprensa, impressionaram a audiência portuguesa, que desconhecia, em grande parte, a terrível realidade da França ocupada. Assim, a deportação em massa dos operários, a perseguição e encarceramento dos resistentes e principalmente as atrocidades e os massacres cometidos pelos alemães – por exemplo em Oradour de Vercors – causaram surpresa entre a assistência, que não sabia ter sido tão cruel a invasão alemã.

Contudo, a nota final era de reflexão e de esperança: os quatro anos de Ocupação revelaram-se uma grande lição para a França, que apurou a sua noção de responsabilidade colectiva e sublimou o amor e o culto pela liberdade.

Quase todos os jornais referiram que, no final da conferência, a escritora foi aplaudida com uma «prolongada ovação»162. Assim, as conferências foram unanimemente consideradas «notáveis

e admiráveis, valiosas e de extraordinário interesse»163. Apesar destes elogios se deverem

161 Id., ibid.

162 O primeiro de Janeiro, 26 de Março de 1945. Para caracterizar a reacção da audiência à conferências são

utilizadas, ao estilo da época, expressões como «prolongada ovação» (Comércio do Porto, 26 de Março de 1945), «a conferente foi muito aplaudida» (Diário de Lisboa, 8 de Março de 1945) ou ainda «dramática e fulgurante evocação» (Comércio do Porto, 26 de Março de 1945) e «uma vibrante salva de palmas coroou as conclusões da distinta conferencista» (Diário de Notícias, 14 de Março de 1945).

sobretudo à linguagem estereotipada usada pela imprensa quando se tratava de apreciar a prestação de um conferencista de renome, a verdade é que o testemunho de Simone de Beauvoir se revelou de grande interesse para a maioria do público presente. Aliás, encontramos em algumas publicações, referências ao facto das salas se encontrarem repletas de pessoas interessadas e o

Jornal de Notícias164 refere mesmo que, na conferência realizada no Porto, se teve de colocar

cadeiras no vestíbulo dado o número de assistentes, ficando ainda muitas pessoas de pé para acompanhar a dissertação da conferencista.

Em suma, pode-se dizer que a curiosidade e a simpatia com a qual o povo português havia acompanhado a situação francesa, contribuíram para a numerosa e selecta assistência com que foi brindada Beauvoir. De facto, vários nomes de pessoas ilustres da época são referidos pela imprensa em geral: Dr. Américo Pires de Lima, Eugène Weicert (cônsul de França), Jean du Sault (ministro da França), Lionel de Roulet, prof. Paul Teyssier, Pierre Hourcade entre outros; o que é compreensível, visto que são pessoas cujas profissões e actividades estão ligadas aos serviços diplomáticos franceses. Logo, apesar destas personalidades poderem estar presentes nas conferências de Beauvoir motivadas por interesse e prazer próprio, a presença delas entende-se também no âmbito do cumprimento dos seus deveres de representação.

De igual modo, se compreende que o público das referidas conferências fosse constituído principalmente por refugiados franceses que viviam no nosso país desde o início da Segunda Guerra Mundial, por estudantes, intelectuais e outras pessoas que teriam necessariamente de conhecer a língua e a cultura francesas para poder compreender o relato de Beauvoir, que foi realizado na sua língua natal.

Em conclusão, podemos deduzir que a acção de propaganda levada a cabo pelo Instituto Francês, bem como o interesse que se manifestava, em Portugal e no mundo, pela França, nação recém libertada, contribuíram para a calorosa recepção da conferencista pela imprensa portuguesa.

No documento Simone de Beauvoir e Portugal (páginas 90-93)