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O regresso a França e os avanços da doença

No documento Simone de Beauvoir e Portugal (páginas 42-45)

Capítulo II – Hélène de Beauvoir e Portugal

2. A estadia do casal de Roulet em Portugal

2.3. O regresso a França e os avanços da doença

Aquando do seu regresso a Paris, Hélène, que o tinha ido receber à gare, encontrou-o muito debilitado:

«...il était vert!»51

De Roulet justificou o seu estado dizendo que a viagem a Espanha tinha sido muito cansativa. Hélène, que não tinha ainda uma relação íntima com ele, deixou-o na Cidade Universitária com o conselho de se repousar. Uma semana se passou sem que Hélène tivesse

notícias dele. Finalmente chegou-lhe a notícia de que Lionel tinha sido hospitalizado por causa da escarlatina.

A sua estadia no hospital Pasteur não foi agradável: estava isolado por causa do perigo de contágio e parecia um verdadeiro prisioneiro afastado do mundo por um vidro. Hélène comoveu-se com o seu estado e foi assim que durante um período de tormenta, a relação de ambos se foi solidificando. Não foi um sentimento de amor, nem de paixão que levou à aproximação de Hélène de Beauvoir e Lionel de Roulet, mas sim um sentimento de solicitude, de solidariedade e de piedade:

«Lorsque l’on est en bonne santé, on éprouve une grande pitié pour les malades, c’est ce que j’ai ressenti…»52

Aliás, já antes Hélène havia dito que o achava simpático, delicado e sensível, qualidades apreciáveis mas que não conduziam necessariamente à paixão.

Na verdade, ela sentia pena daquele rapaz doente que recebia a visita de todos os seus amigos, mas não da sua família. Ela sentia a sua tristeza e isso aproximava-os ainda mais. Lionel falava pouco da família, mas o suficiente para que Hélène sentisse a dor que lhe causava aquele abandono. A sua infância tinha sido marcada pela solidão e pela rejeição e Hélène encontrava aí um lugar privilegiado de empatia, ela que também se sentiu preterida pelos pais em relação à irmã, Simone:

«Mes parents, je ne les intéressai pas davantage par la suite: ils avaient une première fille jolie, intelligente, je n’étais pas mieux qu’elle.»53 Recuperado da escarlatina, de Roulet não abandonou o hospital. Era necessário fazer ainda algumas análises. O resultado não foi uma surpresa agradável, muito pelo contrário. Os exames realizados revelaram o início de uma tuberculose, o que foi um grande choque para todos. Para além da sua saúde, havia uma outra questão que preocupava de Roulet e amigos: quem se ocuparia dele durante o seu estado de enfermidade? Era certo que nenhum dos seus progenitores seria capaz de cuidar dele convenientemente. Felizmente uma velha tia, irmã da sua mãe, aceitou recebê-lo e vigiar o seu estado. A senhora, simpática e generosa, instalou-o numa reputada clínica de Saint-Cloud e Hélène pôde ficar mais descansada.

A pouco e pouco, as suas visitas tornavam-se uma constante. A coragem de Lionel de Roulet face à doença fazia brotar no seu coração uma grande admiração por aquele rapaz solitário que se via obrigado a lutar pela vida. Começava, desta forma, a crescer um sentimento belo e poderoso que acabaria por os unir para sempre.

52 Id., ibid., p.130. 53 Id., ibid., p.14.

Apesar de grandes dificuldades económicas, Hélène visitava de Roulet com frequência. Nenhum esforço era grande demais para o ver e ela chegava mesmo a cortar na alimentação – o seu almoço consistindo, muitas vezes, em apenas um café com leite – para poder pagar o bilhete de viagem até Saint-Cloud. Aquele encontro quase quotidiano ocupou rapidamente um lugar privilegiado nos pensamentos de Hélène. Era uma espécie de encontro sentimental. A saúde de Lionel preocupava-a bastante, mas ela acreditava que ele tinha força de vontade suficiente para se curar:

«Enfant privé d’affection il était devenu tuberculeux, il s’est guéri parce qu’il le voulait, parce qu’il aimait la vie.» 54

Mais tarde, de Roulet foi transferido para Engadine por conselho dos médicos. Hélène desesperava. A viagem sendo agora muito mais complicada de fazer, tornava mais difícil as suas visitas e a ideia de poder ficar sem vê-lo era-lhe intolerável. Ele ocupava já um lugar de destaque na sua vida. Hélène sentiu fortemente a dor da separação, mas passado algum tempo, ele regressava supostamente curado.

Contudo, a doença voltou a atacar. Na verdade, a sua enfermidade viria a durar dez anos. Desta vez, uma radiografia revelava uma tuberculose vertebral em plena progressão. Tendo cedido de uma frente, a tuberculose atacava agora por outro lado. Devido aos laços de intimidade que uniam Hélène a Lionel, foi-lhe incumbida a tarefa de anunciar a má notícia: a doença não o abandonaria tão cedo. Hélène acompanhou o seu namorado e companheiro na sua moléstia e sempre o ajudou a lutar pela vida. Contudo, não foi uma guerra fácil de ganhar. Perante a quantidade de pessoas que vivia em condições deploráveis subjugadas pela doença, de Roulet chegava a dizer que jamais poderia viver dessa forma e mencionava o suicídio como solução para o seu sofrimento. Apesar da sua presença constante, nem sempre Hélène soube como lidar com a enfermidade de Lionel. Na verdade, ela sentia-se um pouco perdida e não sabia como o ajudar, pois na sua família eram todos bastante saudáveis. O facto de ver um rapaz novo e em plena posse de todos os seus conhecimentos assim maltratado pelos duros ataques da doença, fazia com que ela se compadecesse ainda mais da situação de Lionel e ficasse ligada a ele para sempre. Ela reconhecia nele, especialmente após as operações, alguns dos traços da morte – a tez de cera, a magreza, o ar abatido – e isso consternava-a. Mas, ao mesmo tempo, a força com que lutava pela vida era admirável e aumentava o seu amor por ele. De Roulet teve de ficar um ano completamente deitado, o que se revelou uma dura prova, mas a sua força de viver conduziu-o ao caminho da cura. Perante o delicado estado do filho, a mãe de Lionel decidiu finalmente instalá-lo junto de si, o que se revelou ser uma decisão sábia, pois Portugal seria sinónimo de restabelecimento e de saúde.

No documento Simone de Beauvoir e Portugal (páginas 42-45)